Em certo momento da entrevista, ao olhar a própria imagem, Tales Alves se espanta com seus olhos.  "Tô virado, dormi apenas três horas", diz. Explica-se: é que, naquele momento, eles revelavam os efeitos de um "dia mal dormido". Tem sido assim. Desde que o vídeo postado pelo gari no Tik Tok estourou na internet, rendendo-lhe milhares de seguidores no perfil TalesGari do Instagram, o belo-horizontino não tem mais sossego - no bom sentido da palavra. Aos 30 anos, o Gari Gato (como ficou conhecido) vive uma rotina de fotos, ensaios e entrevistas.  Foi agenciado pela THWA, responsável pelo concurso de Mister BH, do qual ele foi chamado para participar. No momento do bate-papo com O Tempo/Super, ele vinha de mais uma sessão fotográfica e a jornada na profissão que defende e exalta com unhas e dentes é noturna, não havia dormido o suficiente durante o dia- daí o susto com os olhos.
 
A boa surpresa é que, apesar do sem número de cantadas e elogios que vem recebendo, presencialmente ou nas redes, Tales não se deixou afetar pela vaidade. Continua o mesmo cara simples, filho do caminhoneiro Rogério e de dona Eliane, funcionária de serviços gerais.  A surpresa de quem acessa a sua história é pensar como é possível ele não ter sido descoberto antes. Caçula de uma prole de seis irmãos (quatro homens e duas mulheres), o pisciano (nascido em 3 de março) Tales chama atenção por onde passa. "Culpa" da beleza e dos músculos bem trabalhados.  Mas, mesmo com os holofotes, ele não larga pé da profissão que, vale dizer, exerce há dois anos.
 
Na verdade, o sonho de ser gari já era acalentado bem antes. No emprego anterior, como repositor do setor de farináceos de um supermercado no bairro Cabana, na Região Oeste da capital mineira, onde mora, ele se incumbia de levar o lixo até o local de descarte e já tinha sua atenção cooptada pela alegria dos garis que por ali passavam. "E hoje, olha só, trabalho na mesma empresa", exulta o moço.  E o que Tales vê de tão empolgante assim, no trabalho de gari? Bem, a começar, a amizade com os companheiros de labuta: os outros três que o acompanham no recolhimento dos sacos e o motorista. Um outro chamariz é o fato de poder se exercitar enquanto trabalha - ele calcula que, por noite, corre algo em torno de 14 quilômetros no ofício. "Gosto muito de musculação, academia. Desde os 15 anos tomei amor por isso", conta.
 
Solteiro há seis meses, após o fim do mais recente namoro, Tales mora sozinho e pega serviço às 20h, seguindo a rota do caminhão de lixo até por volta das 4 da manhã. Algumas vezes, encerra antes, outras, depois - cumprida a rota, eles podem largar o serviço mais cedo. Desde o início de seu contrato, ele trabalha na região central, passando por pontos como o Terminal Rodoviário e chegando até o Barro Preto. "Ali, na região do Fórum", situa. Perguntado se já acostumou com o cheiro que exala do lixo acumulado no caminhã, ele diz que sim. A tal ponto que, certo dia, a primogênita estranhou que, em casa, o pai não estivesse percebendo um cheiro estranho. Ah, sim. Ele tem duas filhas, Júlia, de 12 anos (a que o ajudou a bombar nas redes) e Izabella, 5 - a  caçulinha mora em Salto da Divisa, mas os dois estão sempre mantendo contato por videoconferências. "E, nas minhas férias, sempre procuro ir lá, para vê-la".
 
Bem, mas o olfato não foi afetado a ponto de não se incomodar com certos odores. "O de animais mortos é um dos piores", conta. Não é o único lado, digamos, ruim da provisão. Um outro responde pelo descarte incorreto de certos materiais. Tempos atrás, ao recolher o lixo de um restaurante, um prato quebrado misturado a alimentos jogados fora causou um belo estrago no rapaz, a ponto de passar a camada da calça e da meia, rasgando-lhe a pele. Curiosamente, naquele dia, o caminhão estava próximo a um hospital particular que, apesar da perda de sangue, não quis atendê-lo. Tales acabou deixando pra lá, mesmo tendo ficado com um quelóide de sequela. Algumas pessoas aconselharam a acionar o restaurante, mas ele preferiu deixar pra lá.
 
Sim, Tales é pacífico até não ter mais ver. Um cara totalmente da paz, apegado às filhas. Educado na Igreja Católica, hoje se define como evangélico, mas admite que não é muito de ir a cultos. Também ressalta não ter nenhum preconceito. Não bastasse, é prendado. Ele mesmo prepara a própria comida. Quem assistiu ao vídeo que bombou se lembra: ele é fã de camarão! "Eu compro e faço salteado na frigideira". Mas sim, isso quando o dinheiro sobra. "No geral, eu como é frango mesmo". Claro, como qualquer afeito a músculos esculpidos, ele dá primazia à proteína. Doces, refrigerantes e frituras definitivamente não entram em seu cardápio. "Nem tenho óleo em casa". Prefere brócolis e bananas. E sim, é abstêmio. Até tentou beber, para acompanhar a última namorada, mas não se deu muito bem e deixou de lado. "Na verdade, eu sou um cara muito caseiro, gosto mesmo é de ficar em casa, vendo televisão". Indagado qual programa prefere, cita os telejornais. Não gosta de séries e nem novelas, embora cite Isis Valverde quando perguntado sobre uma mulher bonita. "E aquela atriz que fez os primeiros filmes do 'Transformers'", diz, citando Megan Fox. Os filmes de ação estão no seu rol de predileção - fitas protagonizadas por nomes como Silvester Stallone.
 
Desafiado a pensar o futuro, Tales se revela superprudente. Se a carreira de modelo vingar, pretende conciliar com o trabalho de gari. "Eu ganho o suficiente para ajudar minhas filhas e me manter. Na verdade, nunca havia ganhado esse salário. E o ticket (alimentação) também ajuda". Recentemente, foi chamado à sala do chefe, quando foi elogiado por ajudar a reforçar uma imagem positiva da profissão de gari. O superior também o colocou à vontade para, se outros caminhos se abrirem, poder optar por eles, tendo a promessa de encontrar as portas abertas num eventual retorno. Tales é pé no chão, sabe que estar no centro das atenções agora pode não ser garantia de carreira. "E não trocaria um emprego fixo, com carteira, por algo que não me desse segurança", avalia, todo prudente.
 
O futuro, pois, está em aberto. Por ora, ele se diverte com os pedidos de foto nas ruas e as cantadas nas redes, vindas de homens e mulheres. "Tem gente que me chama para fazer limpeza na casa deles, gente que fala que vai se colocar em um saco de lixo para eu recolher", ri, meio tímido. Fato é que, por ora, o alvo de seus afagos são as filhas e os dois dobermans com os quais divide a casa, Bóris e Mel. Sortudos, eles, dirão os fãs do moço.
 
Em tempo: este ano, o Mister BH acontece no dia 31 de outubro, em um hotel-fazenda em Esmeraldas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.  Tales vai concorrer com outros 29 candidatos.