João Marcello Bôscoli, 50, esteve no palco com a mãe apenas uma vez, quando ainda era criança. Foi em uma apresentação especial de Elis Regina (1945-1982) no Anhembi, em São Paulo. Orgulhosa, ela queria mostrar o filho ao público. Passadas mais de quatro décadas daquela noite na capital paulista, Bôscoli deu seu jeito de estar novamente com Elis no local onde ela se consagrou. Neste sábado (12), mãe e filho vão voltar a dividir esse lugar sagrado em meio a canções e recordações na estreia da turnê nacional do projeto “Elis & Eu”, que acontece na Arena Go Dream, em Nova Lima.

Mas, para contar essa história, é preciso voltar a 2019, mais precisamente a março, mês de aniversário da cantora. Há um ano e meio, João Marcello homenageou Elis Regina com um talk-show intimista que trazia episódios sobre a vida e a carreira de uma das maiores intérpretes já nascidas neste país tropical. O espetáculo, apresentado no Rio e em São Paulo, agradou ao público. “Isso ficou marcado na minha cabeça”, ressalta ele, que é produtor musical e já trabalhou com grandes nomes da música brasileira, como Milton Nascimento, Paulinho da Viola e Elza Soares, além de ter fundado uma gravadora, a Trama.

Bôscoli diz que ele e seus meios-irmãos Pedro Camargo Mariano e Maria Rita – ambos filhos da cantora com o pianista César Camargo Mariano, enquanto o produtor é fruto da união de Elis com o compositor Ronaldo Bôscoli – sempre se preocuparam com a preservação da memória da artista e também em apresentá-la às novas gerações. “Durante a adolescência, eu tinha uma preocupação muito grande de que ela não fosse esquecida”, recorda. Elis Regina faleceu em janeiro de 1982, com apenas 36 anos, mas deixou uma herança artística que se mantém viva, pulsante e inquieta, tal qual a personalidade da gaúcha um dia apelidada Pimentinha.

Em 2020, ela completaria 75 anos, e Bôscoli decidiu rodar o país com o projeto em 16 datas e diversas cidades. Estava tudo pronto, a estreia seria em Porto Alegre, cidade natal de Elis, em meados de março, mas justamente na semana do primeiro show a pandemia apareceu no meio do caminho. “Ficou uma sensação muito frustrante”, comenta. Com os planos adiados e agora refeitos, “Elis & Eu” começa sua turnê nacional por aqui neste sábado. 

Em uma hora e 20 minutos, João Marcello Bôscoli resgata histórias da trajetória de Elis – algumas pouco conhecidas –, e os depoimentos ganham contornos em imagens de objetos, roupas e fotos de acervo familiar reproduzidos em um telão, além de trechos de shows no Olympia, em Paris, no Festival de Jazz de Montreux, na Suíça, e nas TVs francesa e alemã. As memórias que saltam nas páginas de “Elis e Eu: 11 Anos, 6 Meses e 19 Dias com Minha Mãe” (Editora Planeta), relato sensível que Bôscoli lançou em outubro do ano passado sobre seu dia a dia com a mãe, também permeiam o show. 

Música não vai faltar, evidentemente, e com um presente: o público confere as versões inéditas a capela de “Águas de Março”, “Fascinação” e “Como Nossos Pais”. “Sem nenhum acompanhamento musical, com a respiração dela, os barulhos, os ruídos que humanizam a performance. Separei as músicas para essa apresentação. É algo diferente e muito comovente. Uma coisa é ouvir Elis no computador, no som, outra é ouvir no palco”, justifica Bôscoli.   

Adaptações

“Elis & Eu” foi concebido para ambientes intimistas e teatros para até mil pessoas. A mudança para o formato drive-in, no entanto, não forçou tantas adaptações. Embora esteja em um ambiente grande e ao ar livre, João Marcello Bôscoli ressalta que as pessoas estarão “em seus casulos” nos automóveis, e isso o ajudou “a conseguir manter a estrutura muito semelhante”. “A diferença primordial é a minha presença no telão, que era exclusivo da Elis”, afirma o produtor. 

Se em teatros a emoção e aquele frio na barriga já tomavam conta do filho-fã, como ele se intitula, agora a sensação é de descoberta e desafio: “É quase surreal. Nunca imaginei que eu pudesse fazer uma coisa retrofuturista ligada a ela. Estou com muita energia, curioso, no drive-in é algo superdiferente”. 

O improviso meio jazzístico também faz parte do show, que, espontaneamente, ganha aqui e ali tons inéditos, e a ideia, Bôscoli revela, é sentar, bater papo e contar histórias do ponto de vista de alguém que conviveu com uma mãe afetuosa e uma artista de brilho constante.

“Para mim é mágico. Imagine minha situação: a Elis é uma das cantoras que mais gosto. Eu poderia não ser filho dela e certamente seria fã do mesmo jeito. Mas, ao mesmo tempo, ela é minha mãe, e tenho essa adorável tarefa de criar situações onde a memória dela é revista”, diz João Marcello Bôscoli. 

‘Tecnologia é amiga da música’, diz Bôscoli 

João Marcello Bôscoli tem a música nas veias. Nos anos 90, como produtor, trabalhou com artistas do nível de Milton Nascimento, Paulinho da Viola, Nelson Sargento, Lenine, Ivan Lins, Jorge Ben Jor, Zélia Duncan e Elza Soares. Em 1997, fundou a gravadora Trama, que lançou discos de Tom Zé, Gal Costa, Max de Castro, Nação Zumbi, Simoninha, Otto, Cansei de Ser Sexy e DJ Marky, entre outros.

Há quase 30 anos, Bôscoli acompanha as transformações na forma de gravar, compartilhar e consumir música - da popularização do CD e da internet à era dos downloads, streamings e das plataformas de áudio e vídeo. Agora, no boom das lives, ele acredita que a necessidade trouxe o formato para o primeiro plano e esse tipo de transmissão, mesmo que utilizado em menor escala num cenário pós-pandemia, chegou para ficar. “Isso entrou na vida dos artistas e não sai mais, virou algo disponível, entrou no repertório. A tecnologia é amiga da música e das artes”, reflete.

Por outro lado, João Marcello Bôscoli pondera que nenhum artifício tecnológico substitui o encontro e que é da condição humana buscar experiências coletivas. “No primeiro show que as pessoas puderem ir, todo mundo vai estar com o celular no bolso”, brinca o produtor. 

Programe-se

O talkshow “Elis & Eu”, com João Marcello Bôscoli, faz parte da programação do Festival Desperta Unimed-BH e será apresentado neste sábado (12), às 18h, na Arena Go Dream (Rua Sen. Milton Campos, 202 - Vila da Serra, Nova Lima). A entrada é gratuita, mas os ingressos estão esgotados.