Um poeta sem mão, uma Iemanjá sem dedos, um tigre sem dentes, uma ninfa despedaçada. Belo Horizonte é uma cidade que trata mal alguns de seus ícones perenizados por meio de estátuas e esculturas.
A conclusão é construída a partir do descaso com a estátua do maior poeta brasileiro. Nas esquinas das ruas da Bahia e Goiás, bem próximo à sede da administração municipal, um tristonho Carlos Drummond de Andrade feito de bronze repousa deficiente. Sua mão direita foi arrancada no final do ano passado. A outra é puxada por Pedro Nava, seu amigo também ali guardado para a posteridade.
O caso não é isolado. Na Pampulha, uma Iemanjá teve que ser mudada de endereço após várias ações de vandalismo. No centro, uma ninfa e um leão foram destruídos no Carnaval de 2018. Passado um ano, ainda não se vê nada onde o felino antes aparecia impávido.
O argumento de que não há dinheiro para consertar os estragos parece ser soberano e definitivo para o poder público. Enquanto isso, os monumentos seguem aguardando cuidados.
Consultada, a prefeitura informou que não há previsão de reparar os danos nas estátuas do poeta e do leão.
A resposta do Executivo parece não dar conta do problema. Em abril, a prefeitura havia informado que a escultura do poeta havia perdido a mão e que seria reparada. O vandalismo, na verdade, já havia ocorrido no ano passado. Em seguida, comunicou que a mão teria sido recuperada e guardada por um funcionário da Guarda Municipal. Três meses já se passaram e o membro agora fica sob os cuidados da Diretoria de Patrimônio Cultural, Arquivo Público e Conjunto Moderno da Pampulha, órgão da Fundação Municipal de Cultura.
Não que haja uma solução fácil, segundo alertam especialistas. Somente estátuas tombadas são de responsabilidade dessa diretoria. Como a escultura de Drummond não é tombada pelo patrimônio municipal, sua manutenção é empurrada para a Secretaria de Obras e Infraestrutura, e entra numa fila que nem mesmo a equipe da prefeitura consegue informar a previsão do conserto.
“Mas claro que isso tem que ser resolvido de alguma maneira. Os monumentos são símbolos importantes que compõem a paisagem urbana de uma cidade. Isso é uma lacuna na manutenção urbana, e também um problema de educação”, avalia o professor Flavio Carsalade, membro do Conselho de Patrimônio Cultural da capital.
Apesar de reclamar de falta de verba, a prefeitura não soube informar qual o valor que os serviços demandam. A administração municipal enviou uma lista com 146 estátuas e esculturas, mas na relação não constam algumas esculturas espalhadas pela cidade.
Léo Santana, o artista que concebeu a estátua, vê a situação com preocupação. “Passo ali casualmente e percebi que a escultura foi danificada. É uma pena, é ruim para a cidade. Visitar algo depredado assim é negativo”, reclamou. Desde o vandalismo na escultura, o artista também não foi procurado pela prefeitura.
Reparos não contam com equipe especializada
Apesar dos danos visíveis nos monumentos da capital, a prefeitura confirma que não há programa específico para manutenção das estátuas. Curiosamente, os reparos são feitos pela mesma equipe que atua na operação tapa-buraco e na supressão de árvores, por exemplo. Segundo especialistas consultados, a decisão é temerária.
“Não é uma coisa fácil, pois a escultura é feita em bronze fundido. Precisa ser feita uma solda, que é complicada por questões técnicas. Tem um grau de acabamento, exige um cuidado refinado, não é como uma solda de encanamento”, explica o escultor Léo Santana sobre o monumento de Drummond.
Responsável pela fundição que construiu a obra, Ana Vladia informa que o serviço não deve demandar grandes investimentos. “Não é nada extremamente complexo, mas é necessária uma solda artística”.
Sobre os danos no tigre da praça da Estação, que é tombada, a diretora de patrimônio Françoise Jean informou que “a prefeitura está levantando recursos”. “Acho importante registrar que quando a pessoa quebra um bem que é patrimônio cultural não está causando dano somente à prefeitura, mas é a perda de um bem que é coletivo e afetivo”, completou a diretora.