"Simonal"

Fabrício Boliveira fala sobre os desafios de interpretar o artista

Ator revela ter se assustado ao constatar que documentário sobre o cantor, lançado há dez anos, não foi suficiente para retirar da biografia dele a pecha de dedo-duro

Por Patrícia Cassese
Publicado em 07 de agosto de 2019 | 20:18
 
 
 
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Fabrício Boliveira começou a travar contato com a história do cantor e compositor Wilson Simonal (1938-2000), personagem que agora interpreta no filme "Simonal", de Leonardo Domingues, que estreia nacionalmente nesta quinta-feira, logo após rodar o filme "400 Contra 1",  onde Max de Castro, um dos filhos do artista, se incumbia da trilha sonora.

"Isso tem quase 10, nove anos. E aí eu conheci a história desse artista. Na verdade, eu, claro, já tinha ouvido uma música ou outra, mas não havia me atentado à importância desse grande astro não só para a história da música, mas para a referência negra. Então, ainda continuo me debruçando sobre essa história", diz ele, que conversou com a reportagem do Tempo. Confira.

Qual a sua canção preferida do repertório de Simonal?

Eu adoro “É de manhã”, que é uma música do Caetano (Veloso), que o Simonal gravou, mas gosto muito também do “Tributo a Martin Luther King” (que, aliás,  ganhou uma nova versão em clipe, disponível no YouTube, como parte da divulgação do filme, com convidados do naipe de Sandra de Sá).

O que diferenciava Simonal artisticamente?

Eu acho que uma relação total que ele estabelecia com o seu público. Nos shows que fez, Simonal estava sempre muito preocupado se a sua música estava chegando a seu público. É surpreendente como ele conseguia isso dentro de uma situação caótica no Brasil nas décadas de 60 e 70, com a ditadura. Ele, de algum jeito, mantém um diálogo direto com essas pessoas, sabe? E poder falar de coisas ainda que censurado, poder se relacionar... Acho que esse é um diferencial do Simonal, a relação íntima com o seu público.

O que te fez encarar o desafio de interpretá-lo no cinema?

A importância de ver essa história sendo contada, né? Eu tenho tido esta sorte, a de poder escavar histórias de heróis. Apesar de não gostar muito do termo “heróis”. Mas acho que de algum jeito a gente precisa dessas referências, de ver a história contada de um outro jeito. Como estava dizendo, é uma sorte poder gravar esses fatos apagados, que foram propositalmente esquecidos, e poder fazer com que possam emergir hoje e, assim, dar novos significados à história do país.

Como foi seu trabalho de preparação? Chegou a conversar com os herdeiros?

Bastante! o Max (de Castro) e o Simoninha (filhos de Simonal) fazem a trilha do filme. O Max, na verdade, já era meu amigo, e o Simoninha se tornou também. Nas gravações, estavam presentes sempre, nos números musicais e nas cenas mais importantes. Foram um grande baú de pesquisa sobre a história do pai e sobre história da família.

Nesse mergulho na vida de Simonal, o que mais te encantou e o que mais te surpreendeu?

O que mais me encantou foi fazer os números musicais! Eu amei dançar, cantar, ter uma relação com o público.  Pra mim, foi super divertido. O que mais me surpreendeu foi perceber o quanto as pessoas ainda mantêm a história da fake news do Simonal na cabeça delas. Foi uma surpresa ver que o documentário (lançado há dez anos) ainda não tinha elucidado essa história. Que o filme ficcional ainda se faça necessário para que as pessoas tenham a nitidez de que ele não era um delator.

Pode falar dos sets, da relação entre os atores e com o diretor?

Foi maravilhosa. A Isis é minha amiga já tem muito tempo. O que houve foi um amadurecimento na relação profissional também. O Caco Ciocler, outro grande amigo,  fez esse filme a meu convite, pois eu precisava de um antagonista forte nessa história. Um cara inteligente como o Caco, com suas saídas poéticas. Foi uma sorte ele ter podido fazer, foi incrível. O Leandro Hassum foi uma grande surpresa, um grande ator que eu não conhecia. Nunca tinha trabalhado com ele. Um cara de muito bom humor e  de um de olhar perspicaz do mundo. O Sílvio (Guindane) é um dos caras mais interessantes desse tempo. Tem uma profundidade artística e emocional que me ajudou muito no filme e contribuiu muito para a história. A relação do Simonal com Moran (personagem de Guindane), na minha opinião, rendeu as grandes cenas do filme. E tem a Mariana Lima, tivemos a sorte de ter esse “bálsamo” de atriz no filme, também encantando a gente com o plano sequência lindo (que marca o início do filme) e fazendo uma grande amiga do Simonal. Foi incrível poder contar com o abraço e com o olhar dela. A Dani Ornellas (que interpreta a mãe de Simonal), outra grande atriz do elenco. Na verdade, a gente já havia trabalhado junto, fazendo "Suburbia" (minissérie da Globo), e ela sempre me tira de um lugar de possível estabilidade, é muito interessante. Porque qualquer certeza que eu tenha em cena, quando a Dani entra, me desestabiliza, de uma forma super positiva. Então, apesar de algumas cenas terem sido limadas no corte final, a Dani gravou bastante, e, para mim, muito do lado emocional do Simonal que consegui levar para esse filme veio da minha relação com essa grande atriz.

Na sua opinião, como o racismo atuou no apagamento (ou na tentativa de) da contribuição do artista para as páginas da música brasileira?

Basta eu te devolver essa pergunta, ou seja, quantos cantores negros brasileiros você conhece e que estão num lugar de sucesso, que conseguiram se manter por mais de dez anos assim? Brancos, a gente conhece bastante, mas negros, não! Acho que isso responde um pouco a questão. Na verdade, acho que é uma pergunta que cada um também tem que se fazer.

O filme é um instrumento importante para o resgate do talento de Simonal, em particular para as novas gerações?

Total! É uma possibilidade de reviver a história do Simonal, que foi apagada injustamente. Então, é fazer com que gerações como a minha e mesmo as mais novas tenham acesso ao trabalho desse grande cantor, que deuuma grande contribuição para a história da música brasileira.

 

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