Há aproximadamente cem dias, Beatriz Apocalypse, diretora artística e presidente do Museu Giramundo, está praticamente trancafiada na casa em que mora com os dois filhos menores, um neto e o marido em Lagoa Santa, na região metropolitana de Belo Horizonte.
Em se tratando de uma artista tão inventiva e filha de um dos gênios da criação, Álvaro Apocalypse, ela não poderia ficar parada nessa quarentena interminável, ainda mais em um ano importante para o grupo de teatro de bonecos. Em 2020, o Giramundo completa meio século de trajetória. E como a palavra da vez é reinvenção, Bia - como é carinhosamente chamada pelos amigos e familiares - tem aproveitado para não só adaptar sua rotina como ainda produzir novidades.
A mais interessante delas e que está sendo lançada no canal do Giramundo no YouTube é o Miniteatro "Orixás". Ou seja, uma versão compacta de um dos espetáculos mais aclamados da trupe. O processo de produção segue os preceitos que tornaram o Giramundo reconhecido no Brasil e no mundo: tudo feito de forma artesanal e com maestria e qualidade.
“Mas agora tudo é míni. São minibonecos que foram confeccionados pela Endira e pela Iaiá Drummond e elas nos entregaram aqui em casa. Aí eu projetei e construí os cenários e manipulo os bonequinhos”, explica.
Os efeitos e a iluminação estão a cargo do marido de Beatriz, o técnico teatral e iluminador Ricardo da Mata. A peça tem 13 minutos de duração e até a trilha original de Sérgio Pererê ganhou uma versão reduzida.
O projeto foi encomendado pelo educativo do Centro Cultural Banco do Brasil e vai entrar na íntegra nas redes sociais do CCBB-BH em agosto. Beatriz Apocalypse conta que, na verdade, a instituição solicitou uma contação de histórias com os bonecos, mas um dia teve esse insight. “É uma iniciativa inovadora e foi feita para ser transmitida no celular, através do Youtube, nas redes sociais. A gente postou um trechinho no Instagram na semana passada e já tinha muita gente interessada neste formato. Ainda mais nesses tempos que estamos vivendo, em que não é possível ir a um teatro, é uma alternativa bem viável e bacana. Acho que tem tudo para pegar. Nossa ideia é, mais pra frente, fazer esse miniteatro com outros espetáculos do Giramundo”, ressalta. O próximo já foi escolhido: “Pedro e o Lobo.”
Cursos e lives
Desde que a quarentena foi oficialmente decretada em meados de março, Beatriz Apocalypse revela que já começou a se mobilizar para fazer alguma atividade. No entanto, não imaginava que esse período fosse durar tanto. “Já na primeira semana nós começamos fazendo cursos on-line com as crianças, de graça, e fomos vendo até indo isso ia dar. E teve um resultado excelente. Fomos estreitando contatos, muita gente cobrando oficinas também para os adultos e aí fomos desenvolvendo outras coisas”, conta.
Foi então que veio a onda das lives e, claro que, os famosos bonecos do Giramundo não poderiam ficar de fora. Groco e Ziglo, monstrinhos criados especialmente para o projeto “Música de Brinquedo”, do Pato Fu, deram um jeitinho de participar das transmissões virtuais.
“Eu aqui com o Ziglo e o Ulisses Tavares (um dos diretores do grupo) na casa dele com o Groco nem sabíamos direito como fazer mas a gente aprendeu fazendo. E foi bem bacana. Os monstros são personagens mais livres de fala e acabou dando super certo. Como eles são muppets (bonecos manipuláveis apenas com as mãos) é mais seguro fazer uma live. Só uma pessoa manipula ao contrário de boa parte do nosso acervo que exige mais de um bonequeiro”, esclarece.
Na próxima semana Bia vai ministrar um curso on-line e ao vivo de desenho, projetos e confecção de bonecos com materiais de baixo custo e de fácil acesso. A empreitada é voltada não só para artistas, professores e pedagogos, mas, principalmente, interessados de uma maneira geral.
“A grande maioria é leiga, mas tem gente também que já tem alguma noção. Tentamos transmitir nosso conhecimento e nosso método de uma forma tranquila. A gente dá muitas dicas então não é tão difícil. Não deixa de ser uma terapia para muitas pessoas”, defende a diretora do Giramundo que já tinha promovido iniciativa semelhante no mês passado, porém com vídeos gravados.
Bia admite que nada se compara a uma oficina presencial e que tem dias que é complicado ensinar à distância. “Tem a própria questão da internet, que às vezes é instável, e realmente o aprendizado ali na nossa sede é outro. Mas tem as outras vantagens. A gente extrapola fronteiras, alcança pessoas de vários estados e países que se tivessem que vir para cá seria mais oneroso e tal. Acredito que essa coisa virtual vai ser um caminho para se seguir daqui pra frente”, opina.
SOS Giramundo
Todas essas ações não deixam de ser uma maneira de continuar produzindo, mas também são uma alternativa para ajudar a vencer a crise. O setor cultural, aliás, é um dos mais atingidos pela pandemia do novo coronavírus e, provavelmente, será um dos últimos a voltar.
O Giramundo, como boa parte dos grupos e artistas do país, enfrenta dificuldades financeiras e lançou no começo de maio uma campanha virtual colaborativa para arrecadar recursos para se manter. A meta é conseguir R$ 80 mil até o fim de julho. Bia revela que o grupo sempre teve a vontade de fazer uma vaquinha virtual, e que com a crise provocada pela suspensão das atividades, eles levaram a ideia adiante.
“A vaquinha começou bem mas agora deu uma parada. Mas já deu pra arrecadar alguma coisa, quitar um aluguel que estava atrasado, pagar salário de alguns dos funcionários. Tudo o que está sendo arrecadado pela campanha SOS Giramundo será utilizado no pagamento de contas e no auxílio aos colaboradores, profissionais autônomos que recebem por atividade executada”, assegura.
A partir de R$ 10 já é possível contribuir. Em troca, dependendo do valor da colaboração, a pessoa recebe uma recompensa que pode ser um agradecimento nas redes sociais, livros, camisetas, dedoches, fantoches, cartazes, e até bonecos confeccionados especialmente para a vaquinha.
SERVIÇO:
Curso on-line de desenho, projetos e confecção de bonecos com materiais de baixo custo e de fácil acesso, com Beatriz Apocalypse, pelo aplicativo Zoom.
Dias: 30/6, 1/7, 7/7, 8/7, 14/7 e 15/7. Das 16h às 18h
Investimento: R$ 200
Informações: beatriz@giramundo.org ou pelo telefone (31) 9928-40407