Lançamento

Livro esquadrinha a vida da saudosa Elke Maravilha

Há três anos, o pesquisador e jornalista Chico Felitti retomou um projeto de 2006, de dedicar uma biografia à diva, falecida em 2016

Por Patrícia Cassese
Publicado em 30 de novembro de 2021 | 03:00
 
 
 
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Não foram poucas as palavras de desencorajamento que Chico Felitti escutou no passado, nos momentos em que compartilhava, com interlocutores dos mais diversos, o projeto de colocar em repasse a vida de Elke Georgievna Grunnupp, ou Elke Maravilha (1945-2016). A ideia, na verdade, brotou em 2006, quando ele ainda cursava o penúltimo ano da faculdade de jornalismo. Pensando neste tema para seu TCC, ouviu do professor candidato a orientá-lo que ninguém se interessaria pela história daquela que, na visão dele, era “uma palhaça televisiva”. “Você pode fazer coisa melhor”, pontuou o acadêmico. Para deleite dos fãs da show-woman nascida na Alemanha (sim, na Alemanha, e não na União Soviética, como ela gostava de dizer) e radicada no Brasil desde seus quatro anos de vida, o jovem fez ouvidos moucos – e tratou de conseguir o telefone da casa de sua musa, ligando corajosamente para pedir uma entrevista “que não seria publicada em lugar algum”. “É claro, criança!”, respondeu-lhe Elke, dando, assim, o sinal verde para a série de encontros que aconteceram na sequência, em padarias e botequins do centro de São Paulo ou na região da avenida Paulista. 

Com um vasto e rico material em mãos, mas ainda sendo constantemente desestimulado, Chico Felitti acabou deixando as fitas cassetes contendo os bate-papos no estaleiro, até que, em 2016, foi chamado para escrever o obituário da diva (Elke faleceu no dia 16 de agosto daquele ano) para o jornal “Folha de S.Paulo”. O material acabou sendo veiculado na capa do “Segundo Caderno”, o que chamou a atenção da editora Mariana Rolier, que, dois anos mais tarde, o convidou para criar uma série biográfica sonora para a Storytel, plataforma sueca de audiolivros que aportaria no Brasil. Meses imerso em novas pesquisas, viagens (incluindo para algumas cidades mineiras) e entrevistas com nomes como Zezé Motta deram robustez ao já calibrado material que ele possuía. Não bastasse, elucidaram pontos fantasiosos que Elke, arteiramente, costumava acrescentar à sua biografia.  

Em 2020, pois, veio o audiolivro, que, agora, com a chancela da editora Todavia, ganha também o formato do livro impresso: “Elke: Mulher Maravilha” já está à venda nas livrarias virtuais e físicas. Quem acompanha a trajetória de Felitti no mercado editorial sabe que o jornalista já colocou a sua assinatura em livros-reportagem como “A Casa”, também lançado pela Todavia, e no qual ele registra as entranhas da seita fundada por João de Deus em Abadiânia. Pela casa editorial citada, lançou, ainda, “Ricardo e Vânia: O Maquiador, a Garota de Programa, o Silicone e Uma História de Amor”, que versa sobre a vida do ex-cabelereiro que ficou conhecido por toda São Paulo pela alcunha (hoje vista como ofensiva) de “Fofão da Augusta”. 

No caso de Elke, porém, tratava-se de um amor antigo, despontado quando, ainda na infância, ele se deparou com “aquela figura exótica” (nas palavras dele) na TV. “Como muitos brasileiros, conheci a Elke pela TV. Lembro-me de ver aquela mulher que parecia ter saído de um sonho, em um fim de tarde do SBT. Ela me levantou muitas dúvidas: de onde era? Por que se vestia daquele jeito? O que fazia da vida? E essa inquietação não passou com o tempo, só se agravou”, conta ele, ao Magazine

Hoje, já com todos aqueles “mistérios” desvendados, Chico Felitti confessa que o que mais o fascinou foi a descoberta de que Elke viveu um personagem. “Ela criou uma versão adaptada da sua vida, em que, por exemplo, tinha nascido na Rússia (quando na realidade nasceu no sul da Alemanha), tinha ido parar no programa do Chacrinha por acaso (o Boni me contou que ela foi até a chefia da Globo e pediu para ser jurada do programa) e que as coisas na sua vida caíam no seu colo, quando na realidade foi uma mulher obstinada e talentosa, que lutou para ter o sucesso que teve”, descreve. 

Além desses dois adjetivos – obstinada e talentosa –, Chico adiciona outro para descrever Elke: transgressora. “Uma artista que burlou as regras estéticas; deu um baile na ditadura, falou de aborto, de homofobia e de racismo na TV aberta décadas antes de esses temas estarem em pauta”, adiciona. Mas, acima de tudo, ele a considera uma das melhores contadoras de histórias que o Brasil já teve: “Sua vida inteira foi uma história que ela contou para a gente”. 

História que teve vários momentos passados entre as montanhas mineiras. “É impossível falar da vida da Elke sem falar de Minas. Assim que a família chega ao Brasil, vai para Itabira, onde a Elke vive uma infância de uma liberdade sem igual. Depois, já jovem e com uma passagem pelo interior de São Paulo, ela se muda para Belo Horizonte (também com a família). É lá que, adolescente, é descoberta por um colunista social (Eduardo Koury) na rua e é convidada a participar de concursos de miss – e assim começa sua vida artística”, relata. Adulta, Elke, lembra Felitti, namorou o jornalista Boris Feldman, que mora em Brumadinho, e passava muito tempo na cidade. “Também ia religiosamente, uma vez por ano, a São João del-Rei, onde mora Breno Beauty, um dos seus melhores amigos. Ela tinha um amor enorme por Minas, por mais que (Carlos) Drummond tenha lhe dito que era impossível que ela fosse mineira, por ser alegre ‘e nada em cima do muro’”, ressalva. 

Perguntado sobre um momento da biografia que o toca em particular, ele cita a amizade da artista com Zezé Motta. “As duas se conheceram em Salvador, quando ambas participariam de um filme e nenhuma das duas ainda era tão famosa. Depois, filmaram ‘Xica da Silva’ juntas, se aproximaram ainda mais e nunca mais se largaram. A amizade de cinco décadas das duas é uma história de amor, uma cuidava da outra e fazia de tudo para colocar a amiga para cima. Conversar com Zezé sobre essa relação foi um momento lindo”, avalia ele. 

Livro lançado, é hora de Chico Felitti, ao lembrar aqueles que tanto criticaram a escolha de sua personagem, sublinhar a pertinência da frase “o mundo gira”. Mas, mais importante que isso, cita ele, é constatar que, nos dias atuais, “há muita gente capaz de reconhecer a grandeza e a importância de uma artista revolucionária que nem a Elke”. “Por mais que ela não tenha sido levada a sério por uma fatia da sociedade”, termina. 

Serviço 
“Elke Mulher Maravilha” 

Editora Todavia, 200 páginas, R$ 69,90

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