Quando faleceu em dia 17 de agosto de 1987, Carlos Drummond de Andrade deixou para trás o conturbado século 20: um período de guerras, epidemias, vacinas, avanços e retrocessos que contaram com a presença constante da tecnologia.
Como sua poesia captou essa intricada relação ao longo desse período? Uma possível resposta pode ser encontrada no livro "Com a palavra, Carlos: figurações da técnica na poesia drummondiana", da pesquisadora Gláucia Cota, que foi lançado neste sábado, 6, em evento realizado na Livraria Scriputm (r. Fernandes Tourinho, 99, Savassi).
“O desenvolvimento acelerado do século 20 manifesta-se na lírica drummondiana. Pela análise dos poemas, podemos verificar como o avanço da técnica impõe novas formas à cultura, ressignificando as linguagens e os comportamentos. Hoje, ainda mais que ontem, os registros que os poemas carregam sobre a técnica mostram que a poesia de Drummond excede o moderno, é contemporâneo”, explica a pesquisadora.
O livro traz à discussão, atravessando a poesia de Drummond, os aparatos tecnológicos emergentes que se proliferaram ao longo do século 20, mostrando como a escalada da técnica modificou as dinâmicas sociais, as relações de consumo e as constituições de poder.
As guerras, a chegada dos automóveis, a urbanização, os computadores e até os humanos híbridos são temas na obra de Carlos Drummond de Andrade.
“Em alguns poemas, como em O Operário do mar, o poeta é o espectador das forças técnicas e tecnológicas que então se impunham. Em outros, como em O sobrevivente ou A outra face, Drummond antecipa-se ao porvir, elencando os possíveis avanços das maquinações, tecnologias essas que atualmente já fazem parte do nosso cotidiano”, analisa a estudiosa.
"Com a palavra, Carlos: figurações da técnica na poesia drummondiana" é fruto da tese de doutorado da autora em Estudos de Linguagem pelo CEFET-MG. Graduada em Ciência da Computação e mestra em Educação Tecnológica, Glaucia Cota aponta que o intercâmbio entre as Exatas, com sua lógica matemática, e a Literatura, com seu mundo lírico, pode ser um desafio, mas que permite ampliar o olhar: “É necessário nunca esquecermos que toda técnica é relação social”.
A escolha por Drummond foi também afetiva. “Minha admiração vem de como o poeta torna matéria da lírica os fatos e as características que a modernidade trazia consigo, também do tom dos poemas, das considerações prosaicas que tece e da escolha de palavras que o fazem um tipo especial de observador”, finaliza.