Entrevista

A arte em cenários de crise

Valter Hugo Mãe, que participa do projeto Sempre um Papo em BH, fala de política, sociedade e meios de informação

Por Carlos Andrei Siquara
Publicado em 13 de outubro de 2018 | 03:00
 
 
 
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Na próxima segunda-feira, quando o Brasil comemora o Dia do Professor, o projeto Sempre Um Papo recebe o escritor Valter Hugo Mãe para debate sobre o tema “Estudar é mudar o mundo: a escola como redenção”, às 19h30, no auditório da Cemig. O auditório possui 240 lugares, e o acesso, gratuito, será por ordem de chegada.

No evento, o aclamado autor português, que está entre os escritores contemporâneos mais importantes do mundo, também falará sobre sua carreira literária, sua atuação nas artes plásticas e na música e as influências artísticas em suas obras, além de lançar seu livro mais recente, “O Paraíso São os Outros” (Globolivros), e autografar toda sua coleção repaginada pela editora. A mediação do debate será de Afonso Borges, gestor do Sempre Um Papo.

Na entrevista a seguir, concedida ao Magazine, Valter Hugo Mãe fala do atual cenário político, da importância da literatura e das artes em geral para a sociedade e também sobre a forma como a informação circula nos dias de hoje.

Você retorna ao Brasil depois de ter feito uma passagem pelo país há cerca de quatro meses, correto? Como você tem percebido a disputa eleitoral no país e o que mais tem te chamado atenção?

Sim, estive recentemente em Belém do Pará, depois em Araxá e São Paulo. O que mais me chama atenção no processo de eleição é a polarização dos cidadãos criando uma impressão de que uns viram inimigos dos outros. É muito grave. Em toda a história da humanidade a política procurou fazer isso: dividir para reinar. Seria importante que todos entendessem que o problema não é com o vizinho, o problema é com a estrutura do poder. É no voto consciente que as coisas devem resolver-se. Um voto informado, ponderado, útil.

A fragilidade de nossa democracia no atual cenário tem sido amplamente discutida. O que momentos como este exigem de nós, a seu ver?

O que vinha dizendo atrás, exige maturidade, muita informação, exige memória, porque a política não é só o ano passado. E exige compreensão do fato de você não ser o único de boa fé tentando encontrar uma resposta eleitoral.

Há programas de governo que sequer trazem propostas para a cultura, porém não é em momentos de crise como este que a arte se revela mais necessária?

A arte é sempre necessária. Ela trabalha a identidade de cada um e de todos, enquanto coletivo, e ela acontece como autoestima. Nenhum povo progride sem autoestima. Ao menos, nenhum povo no qual possamos acreditar como grupo de seres humanos admiráveis e com futuro.

Você acredita que a arte pode recuperar ou estimular em nós algum sentido de coletividade? O individualismo exacerbado, em detrimento do bem comum, não pode esfacelar um projeto de sociedade mais igualitária?

Sim. Acredito que a arte favorece essa identificação. A cultura é um radical de comunhão. É muito importante que ser igualitária não soe a algo no extremo do socialismo. Igual não é um comunismo compulsório. Igual é permitir que cada um desenvolva seu potencial enquanto queira e criar condições para que quem queira não se veja impedido de desenvolver seu potencial. Assim, quero dizer, igual é garantir que todos se realizem consoante suas diferenças.

É por meio do debate de ideias e pela palavra que deveriam ser definidas as escolhas políticas, mas, atualmente, estamos vendo como a profusão de memes (mensagens curtas com imagem e texto) têm sido o recurso mais utilizado para estabelecer contato com eleitores. O que acha que isso diz do nosso tempo? Enfrentamos um esgarçamento da linguagem?

Sim. Os modos de acessar uma informação são hoje muito distintos e é certo que as redes sociais ocupam, nas vidas de quase toda a gente, o lugar de emissora fundamental. Temperamentais, manipuláveis, cheias de perfis falsos, com pessoas que não existem nem dão a cara, as redes sociais são um certo território de impunidade que, enquanto não for rigorosamente regulamentado e submisso à lei, vai produzir todo o tipo de ofensa e atrocidade. Nosso tempo virou uma deriva. Julgo que no futuro vamos observar estes anos com incredulidade, por sabermos bem o que é proibido de fazer na praça pública, mas demoramos tanto a entender que rede virtual é hoje a principal praça de todos os países do mundo e, como atividade dos cidadãos, é um absurdo que a rede social não seja imediata e rigorosamente submetida à lei, impedindo tanto crime de injúria e ofensa, fraude e opressão, impedindo tanto crime de ódio e diminuição de direitos humanos fundamentais.

Outro fenômeno são as fake news, que impõem desafios imensos na atualidade. Acredita que estamos em vias de ter a noção de realidade cada vez mais estilhaçada? A literatura pode nos ajudar a recompor esses cacos, nos oferecendo insumos para lidarmos com esse cenário ambíguo?

A literatura é sempre uma sonda. Ela opera por intuição, deita mão de todo o conhecimento que puder, mas faz-se para auscultar, pressentir, denunciar, arriscar. Ela pode tudo. Pode, sim, ajudar.

Em 2011, quando veio para a Flip, você fez uma carta de agradecimento por realizar o sonho de conhecer o Brasil. Se fosse produzir uma carta semelhante hoje, o que gostaria de refletir?

Agradeceria sempre e pediria paz. Talvez tecesse considerações acerca da urgência de acreditar que só há futuro na paz. A instalação de um estado de conflito rouba a ideia de industriar um futuro.

Atualmente, você anda trabalhando na escrita ou reedição de algum trabalho?

Estou abeirando um novo romance. Pretendo desaparecer em dezembro para dar um rumo à inúmeras páginas e notas escritas ao longo dos último três anos. Estou muito ansioso por poder voltar a escrever um texto no qual acredito cada vez mais.

Agenda

O quê. Valter Hugo Mãe no Sempre um Papo

Quando. Segunda-feira, às 19h30

Onde. Auditório da Cemig (rua Alvarenga Peixoto, 1.200, Santo Agostinho)

Quanto. Entrada franca

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