“Planet Hemp: Mantenha o Respeito”

Baseado em fatos reais e musicais

Polêmica, biografia escrita pelo jornalista Pedro de Luna reconta a trajetória da banda mais perseguida do Brasil

Por Raphael Vidigal
Publicado em 12 de janeiro de 2019 | 03:00
 
 
 
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Antes de se tornar santa da Igreja Católica, Joana d’Arc (1412-1431) foi queimada na fogueira durante a inquisição promovida pela mesma instituição. Analfabeta e camponesa, a revolucionária francesa inspirou o nome de batismo de Dark. Os pais esperavam que fosse uma menina, mas o rebento nasceu menino e acabou herdando apenas a forma de se dizer o sobrenome da heroína. Anos depois chegava ao mundo o primeiro filho de Dark, hoje conhecido como Marcelo D2, um dos fundadores do Planet Hemp.

É a controversa trajetória da “banda mais perseguida do país” que o jornalista Pedro de Luna, 44, procura contar ao longo das quase 500 páginas de “Planet Hemp: Mantenha o Respeito” (editora Belas-Letras). “Nenhuma banda sentiu tanto na pele a repressão”, sublinha o autor. Dividida em 60 capítulos, a narrativa cronológica traça um perfil de cada integrante antes de entrar na história que eles construíram juntos. Assim, D2, Skunk (1967-1994), Formigão, Rafael Crespo e Bacalhau aos poucos se tornam íntimos do leitor.

Black Alien, que entrou para a banda mais tarde, também ganha um capítulo exclusivo. O rapper BNegão é a ausência sentida nos depoimentos. “Ele não conseguiu espaço na agenda para conceder entrevistas”, lamenta Luna. Todos os demais dão a sua palavra e mostram o seu ponto de vista acerca dos fatos. Luna destaca ainda as conversas com Seu Jorge (que participou das gravações do disco “A Invasão do Sagaz Homem Fumaça”, lançado em 2000), os produtores Mario Caldato Jr. e Carlos Eduardo Miranda, Fabio Massari, repórter e apresentador do programa “Lado B” na MTV, e Apollo Nove, âncora da emissora, que se tornou tecladista do Planet Hemp.

“Tentei ouvir funcionárias da MTV, mas não tive sucesso. Gostaria de ter ouvido o ponto de vista feminino da história, já que a MTV beijou e bateu na banda ao mesmo tempo”, diz Luna, em referência a músicas de teor machista cantadas pelo grupo no início da carreira, como “Puta Disfarçada”.

Tretas. As polêmicas em torno da banda não foram poucas. O primeiro álbum chegou à praça em 1995, exatamente um ano após o início mundial da Marcha da Maconha. O título do disco inaugural (“Usuário”) e a tradução literal do próprio nome da banda (“planeta maconha”) não deixavam dúvidas quanto ao discurso.

Foi durante a turnê de “Os Cães Ladram Mas a Caravana Não Para”, em 1997, que os integrantes foram presos, primeiro em Belo Horizonte, depois em Brasília, onde ficaram detidos por cinco dias, causando comoção nacional. A acusação era de apologia do uso de maconha. “O baixista Formigão me contou que os policiais colocavam cães da raça dobermann para latir pelas grades e intimidar os músicos”, declara Luna.

Nem a biografia escapou de confusões. Empresário do grupo, Marcello Lobatto veio a público reclamar da publicação com uma postagem na página oficial do Planet Hemp. No texto, ele chamava o livro de “colcha de retalhos de inverdades”. “A respeito da nota do empresário, já foi esclarecida, e agora todo mundo sabe que foi algo estritamente pessoal, sobre a vaidade e o ego dele. O próprio D2 me telefonou para dizer que estava chateado com a polêmica”, afirma Luna, que utiliza o fato de a postagem ter sido apagada como prova de que “expressavam somente a opção pessoal do empresário”.

O autor ainda se vale de registros fotográficos feitos pelo grupo ao lado dele durante o lançamento. “Esse assunto é parte do passado”, garante. Quanto ao futuro, Luna quer, por ora, divulgar a biografia. “Essa plantinha vai dar muito o que fumar. Digo, o que falar”, brinca.

Trecho do livro ‘Mantenha o Respeito’

Quando o segundo disco do Planet Hemp ficou pronto, a editora pediu autorização a Erasmo Carlos para utilizar um trecho da sua música “Maria Joana”, porém gravada na voz de Eliana Pittman. Homenagem explícita à maconha, na época a canção foi proibida de tocar nas rádios e nos shows ao vivo.

Lançada em 1971, diz a letra: “Eu quero Maria Joana/ Eu vejo a imagem da lua refletida na poça da rua/ E penso da minha janela/ Eu estou bem mais alto que ela (...)/ Eu quero Maria Joana/ Eu sei que na vida tudo passa/ O amor vem como nuvem de fumaça”. 

Nada feito. Erasmo negou o pedido, e a master teve que voltar para o produtor Mario Caldato Jr. modificar antes de a Sony Music lançar o CD.

(Pedro de Luna)

Trajetória de enfrentamentos

Autor de nove livros, entre eles as biografias de Chico Alencar (deputado federal pelo PSOL por quatro mandatos), do pintor angolano Filipe Salvador (1961-2006) e do quadrinista paulista Marcatti, o jornalista Pedro de Luna admite que sempre foi próximo do Planet Hemp.

“Eu conheço a banda desde os anos 90, já tínhamos muitos amigos em comum porque eu organizava eventos, editava fanzines e atuava como empresário de bandas independentes”, conta.

O primeiro show marcante do conjunto que ele assistiu foi em março de 1996, na cidade de Niterói (RJ), quando gravou um vídeo do próprio palco. “Essas imagens permanecem inéditas”, revela. A ideia de colocar parte dessas experiências em livro começou a amadurecer a partir de “Niterói Rock Underground 1990-2010” e de livros que vieram na sequência, como “Brodagens” (2016).

Outra inspiração foi o lançamento do filme “Legalize Já” (2018), baseado na amizade entre Marcelo D2 e Skunk, que Luna assistiu duas vezes. “Tomara que venha a continuação, a partir da morte do Skunk, e que poderia perfeitamente se chamar ‘Mantenha o Respeito’”, sugere Luna, citando uma das músicas mais conhecidas do grupo e que deu nome ao livro.

“O título caiu como uma luva num momento de confrontos políticos acirrados, de racismo, homofobia, machismo, militarismo, doutrinação religiosa e retrocesso, com uma onda conservadora e reacionária varrendo o Brasil e outros países. Nesse contexto, mais do que nunca, manter o respeito às diferenças é fundamental”, finaliza o entrevistado.

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