Nova cena

Brasil e ética no Urucum na Cara e no Diapasão

Redação O Tempo

Por Douglas Resende
Publicado em 17 de janeiro de 2010 | 17:05
 
 
 
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A entrevista na casa da rua Patrocínio durou exatamente duas horas. Mas poderia ter se prolongado por mais horas a fio, de tanto que borbulham as ideias na cabeça daquelas figuras. Reflexivos, às vezes acontece de se encontrarem para ensaiar e ficarem só debatendo - não só questões musicais, mas também éticas.

Certo dia, Rodrigo Lana, 23, pianista, compositor e fundador do Diapasão, depois de ler o texto "O Ensino da Música num Mundo Modificado", do musicólogo alemão Hans-Joachim Koellreutter, mandou uma mensagem para o celular de Leandro César: "Cara, não dá mais para fazer música sem reflexão". "Vi que mesmo sendo música instrumental era possível passar uma mensagem, com sentido social, de educaão", diz Rodrigo. "Quereremos passar algo com a música que não seja só a música", completa o companheiro Gustavo Amaral.

O Urucum na Cara está em fase de finalizaão de um espetáculo cuja pesquisa se debruçou sobre a música das guardas de congado e reinado da cidade. Do contato com as manifestações populares surgiu um questionamento. "Entendendo quantos valores que estavam ali presentes, surgiu uma questão ética: até onde podemos ir e como devemos proceder?", comenta Leandro.

Diante dos questionamentos, Irene Bertachini foi buscar orientaão nos etnomusicólogos. "Estamos englobados numa cultura diversa, será que é minha, será que não é? Estamos afastados daquela cultura na origem, mas ao mesmo tempo é a cultura brasileira", diz Irene, cujas reflexões resultaram numa canão, "Cabe?ria?", dela e de Leandro. A letra representa os questionamentos do grupo.

"Eu não caberia nessa palavra tão certa/ Eu não caberia nessa palavra de certa/ DESERTA/ (...) Eu comeria ou não comeria?/ Eu comeria ou não comeria?/ EU NÃO/ Mario foi no Andrade e pesou os índios por quilate/ O autor foi no terreiro e colheu assunto para o ano inteiro/ Eu comeria então!?/ Com a benão do Paj mastigar indígenas numa panela indigesta/ Que matou?/ Eu mataria ou não?/ Mataria?"

Brasilidade. Além do campo das ideias, Urucum na Cara e Diapasão têm também em comum questões musicais. A princípio, estão providos de espíritos díspares. Enquanto um toca música instrumental, de arranjos finos, muito elaborados, o outro faz música cantada, voltada para as melodias e ritmos da canão popular. Mas, afirmam eles, as duas bandas são mais próximas do que parece numa primeira ouvida.

O que elas têm em comum? "A proposta é parecida. Os dois grupos optam absolutamente pela música brasileira", responde Gustavo, que toca nas duas bandas. "Existe a busca pelos ritmos brasileiros, pela música afro-brasileira, pela música popular brasileira. Essa busca fica mais evidente no Urucum, onde trabalhamos muito com percussão e executamos um projeto com manifestaões do reinado e do congado...", explica o músico.

Mas o Diapasão também explicita muitas vezes essa busca. "Tem uma música do Gustavo, que o Diapasão toca, que tem cinco ritmos - tem maracatu, baião, frevo, afoxé e samba. Durante a música vai tendo uma transião de um ritmo pro outro, o que mostra bem o caráter de estudo", lembra bem Anjinho. A música à qual o percussionista do Urucum se refere é "Balãozinho". Quando o Diapasão tocou no palco do Festival de Jazz da Savassi no ano passado, Gustavo apresentou assim a sua composião: É como se fosse um balãozinho passeando pelas diversas regiões do Brasil".

O grupo que hoje só toca o que foi chamado por Gustavo de "música instrumental brasileira" nem sempre foi assim. Quando foi criado, há seis anos, com uma formação que só inclui hoje o pianista, a onda era o rock progressivo. "Éramos um trio, bem diferente da proposta atual", rememora Rodrigo. "Queríamos tocar rock progressivo, Emerson, Lake and Palmer, Gênesis... Tinha aprendido a escutar essa música. Não tenho vergonha nenhuma de falar isso. Acho muito boa até hoje. Só que eu descobri que a música brasileira é muito mais rica", continua, entre risos, o pianista, que compôs - então como tecladista, como requer uma banda progressiva - todas as músicas do disco "Opus 1", gravado nessa primeira fase do Diapasão. Com o tempo, a banda foi agregando novos integrantes e o seu som, mudando de corpo. Hoje, o Diapasão - tampouco o Urucum - nem sequer possui guitarra elétrica. "Não por preconceito", diz Gustavo, "mas se, por exemplo, o Urucum tivesse guitarra, mudaria completamente a característica do som".

Solo paralelo.
Às bandas do grupo somam-se ainda alguns trabalhos individuais. Rubens Aredes, cantor, percussionista e o integrante mais antigo do Urucum na Cara, por exemplo, teve aprovado na Lei Estadual de Incentivo à Cultura o projeto solo "Tons Gerais- A Música de Minas Tampa a História"

As bandas em 2010
Urucum na Cara. Vai gravar um disco e se prepara para estrear um espetáculo em abril, resultado de uma pesquisa sobre o congado e a música erudita contemporânea.
Diapasão. O grupo teve a baixa do seu violinista, Ayran Nicodemo, que foi tocar com a Itiberê Orquestra Família, do Rio, mas conta com ele para gravaão do seu segundo disco.
Agualuz. Desdobramento do Diapasão que explora a canão, vai gravarum disco.
 
Confira no vídeo abaixo a performance do Diapasão em concerto no Sesc-Avenida Paulista, interpretando a música "Balãozinho", de Gustavo Amaral.
 

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