Entrevista

Dentro da fúria do agora

Adriane Garcia lança neste sábado (20) em Belo Horizonte 'Garrafas ao Mar', seu quarto livro de poemas

Por André di Bernardi
Publicado em 20 de outubro de 2018 | 03:00
 
 
 
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Para a poeta Adriane Garcia, a função da poesia “é a de suprir os espaços em branco”. Dona de um texto ao mesmo tempo profundo e despojado, a belo-horizontina fala, com exclusividade ao Magazine, sobre sua trajetória, sobre a função da literatura no âmbito político e sobre o lançamento de seu quarto livro de poemas, “Garrafas ao Mar”.

Seus versos são, na maioria, curtos, sintéticos. Qual a importância do coloquial em sua poesia?

Quando escrevo, quero me comunicar. Comigo mesma, primeiramente, e com os outros. Creio que é porque quero comunicar da melhor maneira possível, no sentido de ser entendida, que faz com que eu prime pela clareza. O simples, o coloquial vem deste desejo. Quanto ao curto e sintético, creio que é preciso tentar chegar à essência com a quantidade mínima possível de palavras, mas sem deixar vago, claro. Posso deixar múltiplo, mas vago não gosto.

Como você definiria, em linhas gerais, seu estilo, sua linguagem poética?

Acho que meu estilo é o simples, o objetivo, o direto. E penso que é uma linguagem que valoriza a metáfora, a sugestão. Gosto que o leitor possa entender de mais de uma forma, se ele quiser. Mas que chegue perto, numa dessas interpretações, daquela que eu quis comunicar. 

O que este seu novo livro traz de diferente, o que ele acrescenta a suas obras anteriores?

Creio que ele traz um apanhado de poemas que de certa forma dialogam com todos os meus outros livros. Mas este está falando mais da atualidade, da política e da sociedade.

Vivemos tempos sombrios, de radicalidades, de ódio e incompreensão. Parece que seus poemas apontam nessa triste direção. O que é preciso acontecer para que a sociedade enxergue o mundo de forma mais poética?

Eu creio que precisamos silenciar um pouco mais, ouvir verdadeiramente. Vivemos com muito ruído. O mundo é poético também. E está sempre disponível. Acredito que nós é que nos indisponibilizamos.

Na sua opinião, qual é o maior dilema do homem contemporâneo? E qual o papel da poesia nesse contexto?

O maior dilema do homem contemporâneo é aquele colocado por Drummond: “A perene, insuspeitada alegria/ de con-viver”.

“Garrafas ao Mar”, nesse sentido, pode ser entendido como um pedido de socorro? Sua poesia aponta para que rumo?

Acho que a literatura é, muitas vezes, um pedido de socorro. Em “Garrafas ao Mar”, especialmente, acho que esse pedido é para que nos atentemos para a poesia, para aquilo que ela pode alcançar. A poesia tem uma força enorme de captar os acontecimentos, os sentimentos, de partir do individual para o universal. Minha poesia aponta para o que sempre apontou: viver exige dureza, mas também beleza.

Quais são suas referências literárias?

Minhas referências são muitas, mas posso dizer que em poesia o que me toca para sempre é Drummond, Cecília e Quintana. Claro que tudo vai se misturando ao que lemos de novo. E procuro ler os poetas contemporâneos que estão publicando neste nosso tempo.

 

Poeta que é pedra diante de pedras, arma diante de armas

A belo-horizontina Adriane Garcia acaba de lançar seu quarto livro de poemas, “Garrafas ao Mar”, pela editora Penalux. Antes, ela havia publicado “Fábulas Para Adulto Perder o Sono”, vencedor do Prêmio Paraná de Literatura (editora Biblioteca do Paraná e Confraria do Vento, 2013); “O Nome do Mundo” (editora Armazém da Cultura, 2014) e “Só com Peixes” (editora Confraria do Vento, 2015).

Adriane mostra segurança e maturidade nessa sua nova empreitada. Eis a tarefa do poeta: descobrir os mecanismos da chuva, enxergar para o “além da ponta dos edifícios”, inventar unicórnios, até chorar com peixes que também choram. A escritora é dona de poemas-lampejo, poemas-raio, poemas-trovão. Ela escreve como quem sabe que a poesia é possessão, é paixão e tormento, dentro da leveza que alucina, sem paradoxos que expliquem tanto mistério. Não existe, no caso de Adriane, dominador (palavra) e dominado (poeta), mas, antes, a louca – e leve – comunhão entre poeta e poesia.

Adriane prefere manter os olhos abertos; ela não foge, nem do mais duro real, das sinistras sombras do cotidiano, nem dos possíveis encantos e encontros que se misturam nesse processo feito de uma dialética absurda, de paradoxos, glórias e desmazelos. Adriane tem consciência de sua arte, ela sabe mensurar o que significa ser pedra diante de pedras, ser arma diante de armas.

A poeta quer proximidade, ela segura a mão do leitor e apenas diz: “Estou aqui, em verso e verdade”. A vida exige atenção máxima, a poesia nasce do atrito de agoras ressuscitando agoras, indefinidamente.

Diante de poucos poemas descartáveis, a excelência do conjunto da obra de “Garrafas ao Mar” reafirma o lugar de destaque que Adriane conquistou no cenário da poesia contemporânea brasileira.

A despeito do cru, do asqueroso, apesar dos poemas sem maracatus, Adriane borda uma poesia feita para a criança que espia e espera dentro da gente: “A felicidade não produziu/ Um único bom verso/ Dizem/ E que importa o verso/ Quando todas as luzes giram/ Um carrossel dentro da gente?”. A poeta é direta, como um soco pode ser direito e direto: “Há quem não defenda/ As baratas/ Mal sabendo que é só/ Uma questão de dormir/ E acordar”. Não é sarcasmo, não é lirismo, mas apenas saudade, e tudo isso misturado: é que estamos atrasados, aponta Adriane, “diante de tantas estrelas mortas”.

A metáfora do mar serve, talvez, para “decifrar” a poesia da escritora mineira, que transita e sabe diferenciar o negror, o breu de tudo que é profundo, da superfície azul e verde-esmeralda. O mar pode ser, ao mesmo tempo, límpido e cristalino, abissal e insondável. O lúdico também é combustível para esse jogo de idas e vindas (tal e qual as ondas do mesmo mar), de acertos e desacertos para uma espécie de diálogo que às vezes acontece quando o poeta sabe que apenas temos a incerteza do incerto diante da imensa vida. Somos todos meio náufragos. A mensagem de Adriane foi enviada. E a poeta não espera, não exige respostas.

“Garrafas ao Mar”

De Adriane Garcia

Editora Penalux, 164 páginas, R$ 36.

O lançamento acontece neste sábado (20), a partir das 11h, no Espaço Cultural Letras e Ponto (rua Aimorés, 388, sala 501, funcionários).

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