Tributo

Leny Andrade homenageia os 60 anos da Bossa Nova

Intérprete carioca dá voz a 12 composições autorais do pernambucano Fred Falcão em novo CD

Por Raphael Vidigal
Publicado em 15 de maio de 2018 | 03:00
 
 
 
normal

Leny Andrade nunca sofreu de modéstia. Aos 75 anos, a cantora que se auto-intitulou “queridinha dos músicos” e repete para quem quiser ouvir o apelido dado por Tony Bennett – que, segundo ela, a chamou de Ella Fitzgerald brasileira –, aproveita o aniversário de 60 anos da Bossa Nova para voltar ao ambiente aonde se sente confortável. A bem da verdade, Leny só escapou do estilo quando gravou “Cartola 80 Anos” (1988), e nem assim deixou de acrescentar pitadas de jazz ao repertório do sambista. “Bossa Nossa” traz a cantora dando voz a 12 músicas de Fred Falcão, como sublinha o subtítulo do lançamento. Dona do quarto, da sala e da cozinha, ela reitera as qualidades contidas nos auto-elogios. 

Cantora de afinação impecável e noção rítmica de dar inveja aos especialistas no breque, Leny leva uma vantagem quando o assunto são as dores de amor. O timbre a auxilia a embeber as canções em apropriado tom dramático. A bossa da intérprete está mais próxima à reflexão existencial do que da contemplação suave de barquinhos no mar de Ipanema. “O Amor Pegou na Veia”, que abre os trabalhos, é prova inconteste. Bastam os primeiros versos: “Foi fatal me apaixonar/ Veio alterar a pressão arterial/ O amor pegou na veia/ Até sangrar”. O encerramento não é menos visceral: “Teu seio enseada sensual/ O amor é um barco a vê-la ao natural”. “Maré Cheia” mantém elevada a temperatura do sofrimento. “Maré cheia quebrando na areia/ Levando a saudade/ Da felicidade que um dia foi nossa”, interpreta Leny pausadamente, como que observando de perto cada cicatriz. 

“Instantâneos” oferece um respiro no drama, mas sem concessão total. “Vida são pequenos momentos/ Um refúgio no tempo/ A delícia de amar”, define a poesia de Falcão, habilmente preparando o terreno para o grande momento do álbum. “Promessa Temporã” se destaca tanto pela melodia quanto por sua letra, que traz ecos das parcerias entre Vinicius de Moraes e Toquinho. O próprio título é um olhar aguçado sobre a passagem do tempo. “A vida seria bem melhor/ Não fosse a fatal revelação/ O tempo fotógrafo maior/ Realça o real e a ilusão”, metaforiza o texto. Na sequência, o impacto característico das epifanias: “A vida não para de doer/ Do grito primal à extrema-unção/ (...) A vida é a morte ao meu redor/ Viver nunca foi morrer em vão”. 

Homenagens. Ao mesmo tempo em que circula por essas temáticas atemporais, o disco aproveita a ocasião para prestar tributo aos baluartes da Bossa Nova. Leny decalca o suingue de João Donato na dançante “Alô Donato”. Além do compositor nascido no Acre, Tom Jobim e João Gilberto são citados. A dupla volta à baila, tal como Carlinhos Lyra e Roberto Menescal, na faixa-título “Bossa Nossa”. Já o bairro símbolo do movimento – graças à irremovível “Garota de Ipanema” –, é reiterado em “Tons de Ipanema” e “Valsa de Ipanema”, mas a facilidade do gesto acaba por macular o vigor destas incursões. Nada que afaste de Leny os títulos dados a ela pela própria, ou por um gringo consagrado. Pois a repetição não tira o valor do óbvio.

“Bossa Nossa: Leny Andrade Canta Fred Falcão”, apresenta a intérprete dando voz a 12 obras autorais do compositor pernambucano. O repertório, centrado no universo da bossa nova, passeia pelo samba, bolero, suingue e samba-canção, em faixas como “Janela Aberta” e “Pedaço de Amor”.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!