Centenário de Vinicius

Minas conquistou o poeta 

Amizades, comidinhas e amores do poetinha marcaram a história de estabelecimentos em BH e Ouro Preto

Por Lygia Calil
Publicado em 13 de outubro de 2013 | 03:00
 
 
 
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Tutuzinho com torresmo. Galinha com uma rica, e gostosa, farofinha. Lombinho de porco bem tostadinho. Pelo tom caipira e o inconfundível diminutivo, essas receitas bem que poderiam estar em um caderno de receitas de uma veterana cozinheira mineira. Mas não: estão na seleção dos pratos preferidos de Vinicius de Moraes, elencada no recém-lançado “Pois Sou um Bom Cozinheiro” (Cia. das Letras).

Além de explicitar o apreço do poeta pelo diminutivo, a obra mostra que, para ele, celebrar a vida incluía comer bem e em boa companhia. Ainda que tivesse acesso a itens refinados no exterior, como trufas e caviar, os preparos mais simples e sertanejos o atraíam. Talvez por isso ele gostasse tanto da cozinha e da gente de Minas. A primeira vez em que esteve no Estado foi em 1942, chefiando uma delegação de escritores. Aqui, ele conheceu intelectuais como Otto Lara Resende, Fernando Sabino, Hélio Pelegrino e Paulo Mendes Campos, com os quais fez amizade.

Em Belo Horizonte, na década de 70, gostava de frequentar o restaurante Tavares, hoje em Nova Lima, mas que na época ficava no centro da cidade, na rua Santa Catarina. Especializado em carnes de caças, era por lá que ele gostava de almoçar, com um inseparável copo de uísque em uma mão e um cigarro na outra. Quem o recebia era Manoel Tavares, que ainda hoje comanda o negócio.

Tavares recorda a figura amável e elegante do poeta. “Ele conversava manso, sem afetação. Uma coisa que nunca vou esquecer é do cheiro de talco. Era como se ele tivesse acabado de sair do chuveiro. Chegava ao meio-dia e estava sempre muito limpo, embora viesse caminhando como um simples mortal no meio da poeira. O cabelo era um pouco ralo, colado na cabeça, semi-engomado. Naquela época, não tinha esse negócio de tietagem. Todo mundo sabia quem ele era, mas ninguém ficava importunando”, relembra.

Uísque para todos. Atrevido, Vinicius também frequentava a cozinha do restaurante, para desespero e fúria de Ivana, irmã de Tavares, que comandava a cozinha. Ele relata as brigas entre os dois: “Quando ele não pedia um prato do cardápio, vinha preparar o seu filé com fritas, atrapalhando todo o andamento da cozinha. Minha irmã ficava louca de raiva e tentava expulsá-lo. Aí ele trazia um copo de uísque, bem cheio, chegava perto dela e dizia ‘Ivaninha, um uisquinho’. Ele sorria, ela cedia”, diz.

A estratégia do uísque também era usada com os garçons da casa, a quem Vinicius subornava com boas doses para apressar os pedidos. “Quando ele vinha, todo mundo acabava meio bêbado, ainda bem que nenhum outro cliente percebia”, recorda.

Vinicius apresentou o restaurante Tavares ao amigo Pablo Neruda, que também compartilhava com o poetinha o gosto por pimentas fortes. Foi lá que Neruda conheceu o molho Fogo do Inferno, feito com pimenta malagueta, para acompanhar as fritas e um tatu que ele gostava. A ocasião rendeu o poema “Viagem Gastronômica a Belo Horizonte” (abaixo).

“Viagem Gastronômica a

Belo Horizonte”

Em Bel’zonte

Levei-te ao restaurante do Tavares

Para onde, como sói

Havia convidado previamente

Esse querido Elói

Nunca havias provado

Capivara, tatu, paca, veado

A boa caça brasileira

Acompanhada de feijão tropeiro

E linguiça e torresmo bem torrado

E um molho de pimenta

Perfeitamente ignaro

(“Fogo do Inferno”, chama-se…)

Que – eu bem te avisei!

Incendiou-te as vísceras e a cara

Isso depois de umas “capirinhas”

E, durante, cerveja bem gelada.

Dava gosto o prazer e o sofrimento

Com que comias e com que suavas.

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