Música

Nova geração baiana apresenta mistura de ritmos na Virada Cultural de BH

Xênia França, Àttooxxá e Illy endossam o discurso de liberdade em suas canções

Por Raphael Vidigal
Publicado em 15 de julho de 2019 | 03:00
 
 
 
normal

É no ritmo dolente da valsa que Illy, 31, começa cantando “Fama de Fácil”. Logo na segunda estrofe da canção, no entanto, o ritmo original é subvertido e muda de tom. A ideia de transformar a composição de Luciano Salvador Bahia – autor da também saborosa “Tango do Mal”– numa folia carnavalesca veio para “criticar o machismo de várias marchinhas tradicionais”, aponta Illy. “No fim das contas, a música fala que a mulher pode ser o que ela quiser”, completa. 

“Eu caio na lábia tranquila, moderna, segura/ Não ligo pra fama de fácil/ Prefiro ser assim, não tenho cura”, dizem os versos. A música foi registrada em “Voo Longe”, primeiro álbum da intérprete, lançado em 2018. “O disco traduz essa versatilidade da minha trajetória, ele vai do ijexá ao jazz, e toca, com leveza, em temas que acho importantes”, explica Illy, que canta sobre “o amor, a mulher e até maconha”. 

A baiana é parte de uma geração que tem mudado a cara da música produzida no Estado. Xenia França, 30, que se apresenta na Virada Cultural de BH, é outra representante contemporânea. Depois de gravar com Emicida e chamar atenção da crítica na banda Aláfia, ela estreou no mercado fonográfico com “Xenia”, indicado ao Grammy Latino de 2018 nas categorias melhor álbum pop e melhor canção em língua portuguesa, por “Para Que Me Chamas?”. 

Confirmada para o Rock in Rio em setembro, ela nunca se apresentou em BH e, por isso, pretende mostrar, na estreia, o repertório de seu elogiado álbum, que ela define como “um manifesto musical da minha autoafirmação”. “Sou uma mulher baiana e preta vivendo na cidade de São Paulo. Busquei expressar as agressões que sofri e que ainda me incomodam, para eu me sentir representada”, afirma.

Ao se nutrir de “músicas que apontam para a questão negra”, Xenia trouxe referências ligadas a jazz, música cubana, samba-reggae, rock e candomblé. “Tudo o que vem dessa ancestralidade me atravessou, e eu transmiti essa diáspora com o meu jeito de fazer música”, observa. Xenia ainda ressalta que, na verdade, foi “escolhida pelas canções”. Uma dessas a marcou desde a infância, quando ela ouvia, no rádio, “Respeitem Meus Cabelos, Brancos”, do paraibano Chico César. 

“Meu disco não é uma caricatura da música baiana, mas, como todo baiano, me aproprio de elementos da minha terra”, informa a cantora, que admite um certo bairrismo tanto dela quanto de seus conterrâneos. “Minha geração é fascinante. Tenho muito orgulho de pertencer a essa galera jovem que está produzindo uma música livre, cheia de identidade, vigor e gana”, elogia. 

Mistura

As palavras de Xenia podem ser comprovadas pela relação de fã que ela mantém com o grupo Àttooxxá. “Sou fanática, não perco um show aqui em São Paulo”, conta. O quarteto formado por Rafa Dias, Raoni Knalha, Osmar Oz e Wallace Chibata é outra atração da Virada Cultural de BH. 

Com três discos de estúdio e um registro ao vivo lançado no início do ano, o conjunto aposta no encontro do pagodão baiano com a música eletrônica, mistura que pode ser conferida nos videoclipes de “Elas Gostam (Popa da Bunda)” e “Venha Devagar”, que traz as participações de Kafé e do Psirico.

“Hoje em dia, existe uma aceitação maior em relação à música. Os gêneros estão sendo desconstruídos. Antigamente, havia um separatismo, por exemplo, entre quem ouvia rock e quem ouvia axé, algo que já não existe mais”, acredita o vocalista Raoni.

Na apresentação em BH, o Àttooxxá promete mesclar hits autorais com sucessos do último Carnaval, caso da dançante “Abaixa Que É Tiro”, do Parangolé, cujo videoclipe trouxe as presenças de Scheila Carvalho e Scheila Mello, que marcaram época como dançarinas do É O Tchan.

“Nada pior do que estar em um lugar e não poder se vestir ou dançar como deseja. As pessoas gostam dos nossos shows porque se sentem livres para serem quem elas são”, diz Raoni. Em breve, o grupo lança um single com Duda Beat e grava videoclipe no canal de Kondzilla.

Crítica

Secretário Municipal de Cultura de Belo Horizonte, o baiano Juca Ferreira avalia que o momento da música de seu Estado é de “renovação após o período do axé”. “A cena funk e hip-hop está palpitante, o samba se renovou muito”, afirma. O crítico musical Hagamenon Brito, que criou, de forma pejorativa, o termo “axé-music” nos anos 80, concorda. 

“É a primeira geração após o apogeu do axé que tem muitos artistas talentosos e uma produção diversificada”, aponta. “Imperava uma monocultura que foi desconstruída com a decadência dessa indústria e o apoio de editais durante o governo do PT”, diz Brito. 

Nessa leva, ele destaca nomes como Majur, Luedji Luna, Kafé, Larissa Luz, Xenia França e Márcia Castro, chamada de “pioneira”, além do grupo BaianaSystem, que foi “ponta de lança desse movimento”, sustenta.

Autor de “A Reinvenção da Música Baiana” (2017), o crítico Luciano Matos observa que na Bahia “a tradição não é intocada”. “Um ritmo deriva do outro naturalmente”. Mas ele aponta o perigo da folclorização. “É como se a música baiana não pudesse ser cosmopolita”, encerra. 

 

“Cresci ouvindo samba-reggae e o Ilê Aiyê, o Olodum no rádio, e isso, no longo prazo, teve um impacto na música que eu construí.”

Xênia França, cantora

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!