Dança

O desespero da 'Espera'

Cia. Mario Nascimento faz em BH a estreia nacional de montagem que, ano passado, foi apresentada em Paris

Por Patrícia Cassese
Publicado em 28 de fevereiro de 2020 | 03:00
 
 
 
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Quando apresentou a primeira versão de “Espera” em Paris – no ano passado, na programação do Festival Dança em Trânsito, no Instituto Les Recollets – , o coreógrafo Mario Nascimento ainda estava em dúvida se daria continuidade ou não ao projeto, tocado pela companhia que leva seu nome. Mas, diante da boa acolhida, resolveu bater o martelo, e, hoje, a capital mineira recebe a estreia nacional do espetáculo, que ficará em cartaz até o dia 30 de março no palco do teatro 2 do CCBB-BH.
 
Em cena, seis bailarinos movimentam seus corpos de modo a transmitir um estado (a espera), que, claro, é inerente à vida, em circunstâncias das mais diversas. “A espera, na verdade, traz embutido um senso de desespero. Aliás, o título inicial seria ‘A Espera do Desespero’ – olha, taí um bom título para a sua matéria (risos). Veja, eu, por exemplo, sou um artista que vive no lugar do desespero, do abismo. Mas a espera é também uma metáfora da própria trajetória da companhia e, num contexto mais amplo, de tudo o que o mundo está vivendo. Essa eterna espera de tempos melhores, de soluções”, especifica.
 
Mario Nascimento pondera, porém, que toda espera tem limites, “seja ela a de um amor, a espera da solução de um problema, de alguém... E, por vezes, o limite pode ser curto”. Seja como for, pelo elo que estabelece com a palavra “desespero”, o espetáculo se desenvolve, segundo Nascimento, de forma meio frenética, rápida. “Não há nada de calma, resiliência, ainda que a espera possa também ser um período útil para se tomar fôlego, se alimentar de mais energia e, então, seguir em frente. Na verdade, a espera pode acabar propiciando mais poder. O tal empoderamento. E todas essas facetas são mostradas no espetáculo”, afiança ele.
 
Por último, mas não menos importante, se a espera traz pinceladas de urgência, por outro lado não há espaço para vitimismo. “Nada. Zero. Não me coloco nesse lugar. Porque é preciso enfrentamento, principalmente em tempos cruéis, situações adversas. É preciso transparecer que não estamos conformados e que não vamos nos acomodar. Não há essa de ir ‘para o meu canto, meu lugarzinho’ (faz voz de humilde). Vítimas? Sim, mas, que fique claro, conformados, não”.
 
A trilha sonora, assinada por Fabio Cardia, contribui para endossar esse compasso. “Na verdade, eu trabalho (na construção da coreografia) no silêncio. A música vem depois, e, quando chega, o impacto costuma ser tão forte que pode modificar completamente uma cena”, diz. O figurino, assinado em coletivo pela companhia, como de praxe, se envereda pelo urban style. “Como sempre, há a presença dos coturnos, que já marcam o grupo, porque sou um coreógrafo urbano, minha influência é a urbanidade”, destaca.
 
Trajetória. Nascido em Cuiabá, em 1964, Mario Nascimento fez sua opção pela dança quando já morava em São Paulo, onde a companhia que leva seu nome foi criada por ele e o compositor Fabio Cardia. O primeiro trabalho, “Escapada”, estreou em 1998, no Centro Cultural São Paulo. Desde então, o grupo já arrebanhou prêmios como o da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA), Usiminas/Sinparc, Sesc/Sated ou Copasa Sinparc.
 
A nova investida chega em um momento particularmente fértil da trajetória de Nascimento, que hoje divide seu tempo entre a capital mineira e Manaus: atualmente ocupa o cargo de diretor artístico do Corpo de Dança do Amazonas. Não bastasse, está desenvolvendo um espetáculo – “The Last Man” – em parceria com o ator e diretor Marco de Ornellas, que estreará em Los Angeles, neste ano. 
 
E não acaba aí. Ele também tem viagens programadas para a Áustria e a Alemanha. A agenda cheia, Mario Nascimento também aproveita para relacionar com o próprio escopo temático do espetáculo. 
 
“Se estou em Manaus, dirigindo, e também aqui, é porque no fundo não espero parado. Fui chamado por uma grande companhia, não tinha como recusar. Então, continuo. Se Belo Horizonte é a cidade que adotei, me divido, mesmo porque sou inquieto por natureza. Tendo ou não condições de trabalho, sempre continuei. Na verdade, eu e meus parceiros, o Fabio Cardia e a Rosa Antuña (assistente de direção e também criadora do espetáculo), cuja influência é ainda maior e reverbera o poder das mulheres hoje. Recentemente, passei por momentos complexos, e se estou de pé é porque as mulheres que me rodeiam não me deixaram cair”, salienta o coreógrafo. 
 
Agenda
O quê. “Espera”
Onde. Sala Multiuso do CCBB-BH (praça da Liberdade, 450)
Quando. De hoje a 30/3
Quanto. R$ 30 (inteira)

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