No mundo cinéfilo, existe uma coisa chamada “pergunta de geladeira”. É aquele momento, horas após você ter assistido a um filme, em que você abra a geladeira e, de repente, se dá conta “Mas se... significa que não era possível que...”. E bum. Você percebe que aquele longa de que gostou muito tem um furo, ou cratera, no roteiro.
A verdade é que essa pergunta não faz diferença. Se demorou tanto para a ficha cair, é porque, no calor da narrativa, o filme soube te envolver, e a experiência valeu a pena.
O problema com a saga “O Exterminador do Futuro” é que eles já sambaram tanto com a linha temporal de seu universo que o efeito borboleta torna impossível não fazer milhões de perguntas de geladeira durante as duas horas deste novo capítulo “Gênesis”, que estreia hoje. Já foram tantos longas – e tantas tentativas frustradas de impedir a insurreição das máquinas e o fim da humanidade – que, a essa altura, só os fãs mais ardorosos sabem o que ainda vale e o que se perdeu em linhas temporais que não existem mais.
É por isso que “Gênesis” começa com uma longa narração em off, recapitulando o que aconteceu nas produções anteriores. Ela é seguida por John Connor (Jason Clarke), em 2029, enviando Kyle Reese (Jai Courtney) para salvar e proteger sua mãe Sarah (Emilia Clarke) em 1984 – e, de quebra, se apaixonar e transar com ela porque, mesmo sem saber, ele é seu pai.
Só que, quando ele chega lá, Sarah já está muito bem armada e protegida pelo T-800 (Arnold Schwarzenegger). Porque, depois que ele saiu do futuro, uma grande reviravolta acontece (e se o trailer do filme ainda não estragou para você, é melhor ir sem saber), e uma nova linha temporal é criada. E, depois de muito blablablá expositivo, eles precisam ir para 2017 tentar impedir novamente que a Skynet domine o mundo.
Esse quase-presente de 2017 permite uma das poucas boas sacadas do longa. A Skynet se torna uma espécie de Apple, e o Gênesis do título é o iOS que ela vai usar para conectar todos os dispositivos que usamos hoje e nos destruir.
O outro destaque, por incrível que pareça, é tio Schwarza. O austríaco continua o Laurence Olivier da má atuação, e o diretor Alan Taylor (“Thor: O Mundo Sombrio”) e o roteiro usam isso a favor da produção. Eles extraem do ex-governador os únicos momentos de humor do filme, satirizando sua idade e sua falta de emoção, com a qual ele lê os diálogos expositivos mais ridículos do longa.
A relação entre o T-800 e Sarah é também um dos alicerces da historia, já que o principal tema do longa são as relações reversas entre pais e filhos. O ciborg foi uma figura paterna para a garota que, por sua vez, lhe ensinou a ser humano. E Kyle é pai de John, mas foi criado e treinado pelo filho, que fez dele o que é hoje.
Mas “Gênesis” não tem muito mais que isso a oferecer. Você já viu as muitas, e repetitivas, cenas de ação em vários outros filmes – e os efeitos especiais parecem mais próximos dos dois longas originais do que da produção atual do gênero. O bom Jason Clarke profere diálogos que fazem James Bond parece Shakespeare. E o oscarizado J.K. Simmons vive o personagem mais ingrato do cinema em 2015.
No fim, o longa de Taylor é um dos produtos mais exemplares do mal de franquias e reboots que acomete Hollywood hoje. Considerando que o público jovem não se recorda ou não se importa com os filmes originais – o que, na velocidade da cultura pop contemporânea, equivale a alguém dos anos 60 se lembrar da Idade Média – o estúdio faz de “Gênesis” uma faxina geral que reseta toda a bagunça da saga e permite o início de uma nova trilogia. Porque, não importa o que aconteça com a Skynet, em Hollywood as máquinas já venceram há muito tempo.
Assista ao trailer de "O Exterminador do Futuro: Gênesis":