Música

Raridade musical a peso de ouro

“Estrelando Embaixador, LP mais caro do país, do mineiro Sebastião Rosa, é redescoberto por Itamar Dantas e relançado no Brasil e na Europa

Por LUCAS SIMÕES
Publicado em 02 de março de 2015 | 03:00
 
 
 
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Provavelmente você nunca ouviu falar do álbum “Estrelando Embaixador”, gravado pela obscura Tribo Massáhi, em 1971, no Rio de Janeiro. E nem de Sebastião Rosa de Oliveira, mineiro de Leopoldina, na Zona da Mata, militante ativo do movimento negro entre as décadas de 1950 e 1970, e responsável por escrever, idealizar e cantar uma parte rica e ofuscada da história musical brasileira. Com apenas seis ou sete cópias espalhadas pelo Brasil e avaliado como o LP mais caro do país hoje – na faixa de R$ 7.000 –, o único álbum lançado por um artista esquecido ganha reedição de luxo pelo selo paulistano Goma Gringa, e esclarece uma história inédita sobre o encontro de psicodelia e candomblé para marcar a África no coração do Brasil.
 

“É um disco que parece uma jam session afro com pegada pop, piscodélico, um coro feminino forte e o cara cantando até em língua nagô (dialeto de escravos africanos vendidos na Costa do Marfim). Chama muita a atenção de primeira”, avalia Itamar Dantas, jornalista radicado em São Paulo, que trabalha desde 2012 em cima da história do Embaixador, como Sebastião era conhecido.

Praticamente esquecido, o álbum “Estrelando Embaixador” é considerado uma raridade entre colecionadores pelas características estéticas e sonoras. A começar pelos compassos inspirados nos camelos, como está explicado na contra-capa do LP. “O desenho rítmico foi baseado nas passadas do camelo, que se enquadra na divisão 4/4, na mesma linha do YÁ YÁ YÁ e Souk Music, a qual foi dada o nome de OGA, isto, porque em Lagos, capital da Nigéria, é um tratamento íntimo entre amigos. Lá, o homem se sente bem quando é comparado a um OGA (camelo)”, diz o texto assinado pelo Embaixador em co-autoria com o parceiro João Negrão.

O pesquisador Eduardo Carvalho, que tem um exemplar da obra e disponibilizou sua bolacha para a reedição da gravadora Goma Gringa, diz que hoje o álbum vale mais do que peças de museu avaliadas em cerca de R$ 3 mil, como “Sua Música, Sua Interpretação” (1968), primeiro disco de Gilberto Gil antes da Tropicália, e “On Stage” (1972), LP de Jorge Ben Jor lançado apenas no Japão pela Phillips. “Um dos motivos para o disco do Embaixador chegar a um preço estratosférico é porque, de certa forma, ele foi pioneiro em criar uma obra do candomblé e da cultura negra no país, apesar de vários artistas, como o próprio Jorge Ben e o Gilberto Gil beberem nessa fonte, mas não terem feito obras genuinamente africanas”, diz Carvalho.

CONCEITO. Mesmo cultuado por adoradores de vinil, a produção de “Estrelando Embaixador” foi praticamente displicente. O álbum foi gravado em duas faixas contínuas de 14 minutos cada, totalizando 28 minutos nos lado A e B. O processo aconteceu em apenas um dia, no estúdio Rio Som, quando o próprio Embaixador reuniu os músicos para os takes. Um deles, Ruy Ipanema, declarou que a gravação foi bem improvisada. “Não tinha arranjos com partituras, essas coisas. Era no máximo a cifra. A gravação durou o dia inteiro”, diz.

Um dos aspectos mais complicados para Itamar Dantas dissecar a banda Tribo Massáhi foi esclarecer os nomes dos músicos, retratados na bolacha em língua nagô sob os nomes de Aymmi, Koffi, Korede, Kolawole, DuroTimi, Omopupa, Iyalode e Abeke. “Isso aumentou o mito em torno do Embaixador. Teve gente dizendo que ele gravou o álbum com uma banda nigeriana, mas isso é mentira, eram todos músicos brasileiros, só que pouco conhecidos”, diz Dantas.

As composições também foram escritas por compositores desconhecidos, como José Prates, Heitor da Costa, Wilson Guimarães, Rui Barbosa, além do próprio Embaixador, que assina três das oito faixas – “Walk by Jungle”, “Dandara” e “Oan”.

Com o disco lançado, Embaixador chegou a inscrever a música “Karany Karanuê” no Festival Internacional da Canção (FIC) de 1971. Mas, misteriosamente nem ele ou qualquer membro da Tribo Massáhi compareceu para defender a canção, que acabou interpretada por Diana Camargos, autora da letra. “A Tribo Massáhi chegou a ter destaque em jornais depois do FIC. Mas, desde o ano seguinte, 1972, não se há mais notícias da banda. Então, o disco acabou esquecido pela divulgação que nunca teve de fato”, frisa Dantas.

Disco

LP. A canção “Pae João”, que abre o lado B de “Estrelando Embaixador” foi regravada no disco “Seu Jorge e Almaz” (2010), com participação de Lucio Maia e Pupilo, guitarrista e baterista da Nação Zumbi, além de Antonio Pinto.

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