Música

Sertanejo consolida liderança

Rankings de vídeos e streaming apontam a onipresença do sertanejo e da dupla Maiara & Maraísa nos hits do ano

Por Priscila Brito
Publicado em 26 de dezembro de 2016 | 03:00
 
 
 
normal

Em tempos de streaming, vídeos e acesso fácil, gratuito e diversificado à música, quem é onipresente nos canais multimídias é rei. Ou rainha. Ou, ainda, rainhas. Mais especificamente, as gêmeas tocantinenses Maiara & Maraísa, presentes em todos os rankings de sucessos de 2016 compilados pelo Magazine (veja mais detalhes abaixo). A dupla sertaneja é a única a figurar nas listas de discos mais ouvidos da Deezer e do Spotify, plataformas de streaming entre os clipes mais assistidos pelos brasileiros no YouTube e também entre os clipes de maior audiência no canal Multishow. Há outras figuras recorrentes nessas listas, como Marília Mendonça, Matheus & Kauan e Jorge & Mateus, evidenciando que, na música popular, o ano de 2016 foi das mulheres, em particular, e do sertanejo, em geral.

O jornalista e crítico de música Ricardo Alexandre argumenta que o cenário pop brasileiro não surpreende. “O que aconteceu, desde os anos 1990 especialmente, é que essa grande nação de formadores de opinião acabou tendo um choque de realidade com um Brasil que não aparecia até então. Meu pai achava que o Edu Lobo era um ídolo nos anos 1960, mas na verdade ele era ídolo para 0,5% da população que tinha TV. O Brasil profundo não tinha voz, mas agora fica claro que o brasileiro médio é muito mais numeroso e barulhento quando ele finalmente tem uma voz”, analisa. “Só lamento que o Brasil tenha até hoje essa monocultura extrativista, que não dá espaço para nichos menos funcionais para investimentos em longo prazo”, completa.

A proeminência das mulheres nesse cenário atual é notável, e, além das artistas já citadas, a cantora Paula Mattos e a dupla Simone & Simaria também aparecem em posições intermediárias dos rankings de 2016, mas o produtor Carlos Eduardo Miranda relativiza: “É inevitável falar do crescimento da mulher em todas as áreas e também de como as mulheres sempre foram importantes na música, e, no sertanejo, isso vem desde Inezita Barroso e das Irmãs Galvão, mas o estilo musical hoje é tão grande que acaba abraçando também a mulher”.

Ao mesmo tempo, ele lembra que as únicas exceções capazes de fazer frente a essa máquina de sucesso em que se transformou o sertanejo são também mulheres, só que do funk melódico – Anitta (com bom desempenho nos rankings do YouTube e do Multishow) e Ludmilla.

Com o olhar mais objetivo do mercado, Bruno Vieira, diretor geral da Deezer no Brasil, destaca o comportamento musical do brasileiro. “Em uma pesquisa do IFPI (Federação Internacional da Indústria Fonográfica, na sigla em inglês) o Brasil apareceu como o terceiro país onde a participação de repertório local dentro do top 10 é mais relevante, atrás apenas de Japão e Coreia. O fator da língua ainda é um ponto que faz diferença, e o brasileiro ama música, adora cantar e se envolver com a canção. A identificação com as letras e os ídolos faz toda a diferença, pois estão mais bem inseridas no contexto da cultura local”, observa. Uma constante desde os tempos abastados da indústria do disco, a presença de artistas nacionais dentre os mais bem-sucedidos no Brasil fica na casa dos 90%. Bruno destaca que, dentre as cem músicas mais ouvidas na Deezer, 60 são brasileiras.

E o CD? Destoando da rapidez da era digital, os Produtores Fonográficos Associados (Pró-Música, antiga Associação Brasileira dos Produtores de Discos) só divulgará a lista de discos mais vendidos no Brasil no primeiro trimestre de 2017. Mas uma prévia de dados prova a perda de representatividade do formato físico. Nos primeiros seis meses deste ano, as vendas de CDs corresponderam a menos de 30% das receitas do mercado. O streaming pago, por sua vez, cresceu 121% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Na contramão do seu parente mais jovem, o vinil deve continuar crescendo no Brasil. João Augusto, dono da Polysom, única fábrica de vinil do Brasil, ainda não fez o balanço do ano, mas projeta aumento nas vendas, ainda que em menor ritmo. “A previsão é que haja algum crescimento em relação ao ano passado, mas certamente será menor do que o verificado de 2014 para 2015. Não há como negar que a crise de consumo atingiu todo o setor de entretenimento, e o vinil se inclui nisso, mesmo sendo o único formato físico que cresce consistentemente em todo o mundo”, afirma.


Estilos emergentes

Funk e Gospel despontam em lista do Spotify

FOTO: JR Duran / divulgação
1
Ludmilla representa um dos gêneros musicais que mais crescem

Se o sertanejo foi o gênero onipresente nas plataformas digitais e eletrônicas de consumo de música no Brasil em 2016, outros dois gêneros nacionais tiveram destaque no cenário mundial. Em um levantamento divulgado pelo Spotify, o funk e o gospel brasileiro foram dois dos dez gêneros emergentes na plataforma de streaming de música neste ano, ocupando o quinto e o nono lugar, respectivamente.

Também entraram na lista outros gêneros com traços locais, como o dangdut, um tipo de folk característico da Indonésia, bastante popular naquele país, e o hip-hop latino. Há ainda nichos da música eletrônica, como o speed garage, vertente da música eletrônica com elementos de reggae e linhas de baixo, popular no Reino Unido, e o witch house, influenciado pela estética do terror, do xamanismo e da feitiçaria. A lista também destaca o hörspiel, tipo de performance acústica dramatizada.

A presença de um gênero religioso e de outro desbocado (ou obsceno, dependendo do ponto de vista) – o sagrado e o profano – diz muito sobre o Brasil, sinaliza o jornalista e crítico de música Ricardo Alexandre.

“É muito curioso, porque nosso gospel é profano, um gênero de mercado pragmático e pouco artístico, sem proposta nenhuma de ruptura. O funk, nesse sentido, tem mais legitimidade que o gospel, porque é uma manifestação mais bruta, vem das entranhas”, compara.

O produtor Carlos Eduardo Miranda também vê na presença do gospel laços com a realidade brasileira, como a ascensão das religiões neopentecostais, e destaca o potencial global do funk. “O funk é a música legítima brasileira, que vai na rua, faz festa em qualquer lugar. É a música que pode levar o Brasil pro mundo. Mesmo que ele seja, de alguma forma, engolido pela indústria com o funk melódico, existe uma resistência muito grande dentro do funk. É um gênero que começou a se formar na Alemanha nos anos 1970, foi pra Nova York, depois pra Miami, para depois chegar ao Rio, e agora o Brasil exporta isso novamente. Nesse exato momento em que a gente conversa tem funk brasileiro tocando na Alemanha, onde surgiu a matriz do gênero”, sugere.


Estilos emergentes*

1. Ambient Fusion
2. Witch House
3. Indie Emo
4. Hip-hop Latino Underground
5. Baile Funk
6. Dangdut
7. Hörspiel
8. Speed Garage
9. Gospel Brasileiro
10.World Meditation

*Conforme levantamento do Spotify em 2016

[infografico ID] 1.1415938 [/infografico ID]

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!