Meio século de história

Símbolo da música mineira

Artistas de várias gerações e gêneros dos mais distintos já tiveram a oportunidade de trabalhar com a família Cheib

Por Raphael Vidigal
Publicado em 07 de novembro de 2017 | 03:00
 
 
 
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Dele, só existem 12 no mundo, e um está no estúdio Bemol, em Belo Horizonte. Apelidado de Ella, em homenagem à diva do jazz, Ella Fitzgerald (1917-1996), o microfone é o predileto do compositor Paulinho Pedra Azul (autor do sucesso “Jardim da Fantasia”, conhecido pelos versos “bem-te-vi/ bem-te-vi/ andar por um jardim em flor/ chamando os bichos de amor”). “É um microfone histórico, ele é ponta de linha, muito antigo, todo valvulado. Sempre gravei nele porque todas as vezes captou minha voz exatamente como eu queria”, elogia Pedra Azul.

O músico Pereira da Viola, que gravou seu segundo e terceiro discos no estúdio e atualmente registra o sétimo, certamente concorda com a afirmação. “Vou lançar até o fim do ano um disco só de voz e viola. Gravei ao vivo, o instrumento e o canto juntos. O resultado sonoro está maravilhoso, poucas vezes a minha viola foi gravada com tanta qualidade sonora. E a voz, parece que captaram a minha alma”, compara Pereira, que aproveita para destacar a razão a que ele atribui a longevidade do estúdio. “Dirceu e Ricardo Cheib nos recebem como sendo da família, de uma forma muito carinhosa, você se sente à vontade, próximo. Eles têm um amor por esse ofício que ultrapassa a visão capitalista. Esse sentimento deles de compartilhar a própria emoção não tem preço”, diz.

Desta vez é Pedra Azul quem enseja as palavras do violeiro, ao se lembrar dos outros funcionários do estúdio. “Até hoje, o que eu procuro gravar, corro atrás deles. A receptividade da Vilma, do Cosme, que aposentou, mas continua indo lá, é um espírito de família dos músicos mineiros, lá é a casa de todos nós. Não importa se é o Milton Nascimento ou um músico que está começando, eles te tratam com o mesmo carinho e atenção”, enaltece o entrevistado.

Em 1988, Pedra Azul gravou o seu primeiro disco em Belo Horizonte, após registrar outros três em São Paulo. Até hoje ele se lembra das condições em que “Pintura” foi concebido na Bemol. “Levei uma ideia de mixagem diferente, com a voz um pouco à frente da instrumentação. O Dirceu achava que eu estava exagerando. O disco é fruto do potencial que eles já tinham com as experiências que eu trouxe. No fim, chegamos a um som muito bonito, encorpado, cheio de cordas”, recorda. “A partir de então o meu som passou a ter mais mineiridade, com bandolim, cavaquinho, violão de sete cordas, uma pegada jazz vinda do Juarez Moreira. Gravei cerca de 20 discos na Bemol”, conta.

Primórdios. Natural de Guanhães (MG), o violonista Juarez Moreira mudou-se para Belo Horizonte e começou a tocar com Wagner Tiso, antes de acompanhar nomes como Milton Nascimento, Maria Bethânia, Lô Borges, Toninho Horta e Paulo Moura. “Meu primeiro disco foi gravado lá, em 1989. Produzi mais 12 como arranjador, participei de vários outros discos dos meus colegas. A Bemol é um símbolo de resistência da cidade. Quando ela surgiu, nos anos 60, o domínio cultural era todo do eixo Rio-São Paulo. Belo Horizonte ficava muito isolada. A Bemol é uma parte da vida musical da cidade tão importante como o Clube da Esquina. Todas as gerações gravaram lá”, assegura o violonista. “Montar um estúdio nessa época era uma tarefa inglória”, complementa.

Célio Balona, acordeonista e pianista dos mais virtuosos, endossa o discurso. “É um luxo ter um estúdio dessa qualidade com pessoas tão competentes. Um dos melhores do Brasil. Sempre acreditaram nos músicos de Minas Gerais. Foi lá que gravei o meu disco ‘Imagens’, em 1984, que representou o meu rompimento com os bailes para me dedicar à música instrumental, ele é definitivo na minha trajetória”, define Balona.

Tavinho Moura, integrante do Clube da Esquina e responsável por várias trilhas sonoras premiadas, elege dois momentos especiais. “Milton (Nascimento) gravou uma prévia de ‘Maria, Maria’ lá. A trilha do filme ‘Cabaret Mineiro’, que depois virou disco, também foi toda feita na Bemol. Eles sempre tiveram equipamento de última linha, isso é mérito do Dirceu, que sempre procurou renovar. Ele viajava para os Estados Unidos e voltava com as melhores novidades”, observa.

Para quem duvida, um depoimento de Bituca no site da Bemol comprova: “Acho que a maioria dos amantes do som já passaram pelas mãos, ouvidos e competência do Dirceu e seus asseclas. Parabéns aos sustenidos, tons aos afinados (ou não), arranjadores, todas as espécies de artistas”.

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