Cinema

"The Babadook" vira fenômeno online

Terror australiano também é aclamado por nomes como Stephen King e William Friedkin; assista ao trailer do filme

Por Daniel Oliveira
Publicado em 14 de dezembro de 2014 | 04:00
 
 
 
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Há cerca de um mês, um amigo de Pablo Villaça, crítico do site “Cinema em Cena”, recomendou a ele um filme de terror australiano. Villaça não deu atenção à sugestão imediatamente, mas o conhecido insistiu. “Eu acabei vendo que o longa tinha sido premiado e destaque em alguns festivais e decidi assistir”, lembra. Duas horas depois, o crítico chegava ao final de “The Babadook” e postava em seu Twitter que se tratava de um “filme medonho da p****”, um “respiro para o gênero” e que “o problema agora é dormir”.

Villaça não está sozinho. Nas últimas semanas, Stephen King recomendou a produção australiana como um dos melhores longas do ano. William Friedkin, diretor de “O Exorcista”, afirmou que se tratava do filme mais assustador que ele já viu. E Jennifer Kent ganhou o prêmio de melhor diretora estreante do Círculo de Críticos de Nova York – sim, “The Babadook” é o primeiro longa da australiana.

Tudo isso gerou um intenso burburinho online em torno da produção. Em poucas semanas, ela foi elevada ao status de “obra-prima”. Vira e mexe, alguém postava o refrão sinistro “baba-baba, dook, dook, dook” do filme no Twitter. Consequentemente, o desdenho de “superestimada” por muitos veio logo em seguida. Um ciclo inteiro de vida útil antes mesmo que grande parte do mundo assista ao longa – na velocidade típica do transtorno de déficit de atenção dos tópicos de discussão na internet.

“A expectativa é um problema do espectador, e não do filme. Sempre digo nos meus cursos que os alunos não criem expectativas porque ela é injusta com a obra e com sua própria experiência”, opina Villaça, sobre os efeitos dessa aura irreal de “o novo Messias” criada em torno do longa. Até porque a premissa de “The Babadook” não é exatamente original. O filme acompanha uma mãe solteira, Amelia (Essie Davis), que não consegue dormir devido à obsessão do filho de seis anos, o esquisito Samuel (Noah Wiseman), em se preparar (violentamente) para um monstro que está a chegar.

Até que um dia, ela encontra um estranho livro na prateleira do garoto e, ao ler a fábula macabra para ele antes de dormir, pode ter liberado uma entidade sinistra que faz as fantasias do garoto se tornarem realidade. O nome do livro e da entidade? “Mr. Babadook” (babadook, por sinal, é um anagrama em inglês para “a bad book”, ou “um livro mau”).

Misturar o lado negro de contos infantis com personagens isolados em uma casa assustadora não é nenhuma novidade. O que torna o longa de Kent tão perturbador é a forma como a diretora utiliza as ferramentas cinematográficas – especialmente o desenho de som, o escurecimento e a troca de lentes da fotografia e a montagem – para fazer o espectador enxergar o mundo pela psique distorcida, exausta e privada de sono de Amelia.

Assim como a protagonista, o público começa a se questionar se o Babadook pode realmente existir. Ou estaria ela perdendo a sanidade e começando a ver coisas? Ou será que existe algo mais por trás da estranha relação entre mãe e filho? A competência com que o filme, auxiliado pela ótima performance de Essie Davis, constrói essa sensação de paranoia, fugindo dos clichês fáceis do gênero, rendeu comparações aos primeiros trabalhos de Roman Polanski (veja outras referências na arte). O terror não vem de algo mostrado na tela, mas da inquietação de que tudo pode estar errado – ou pior ainda, tudo pode não estar errado, o que significa que estamos loucos.

“O longa tem a paciência de construir o terror pela sugestão, e não pela imagem clara. Ele investe em uma ambientação inquietante, e não no susto fácil, mostrando não o que há de errado, mas a reação dos personagens, o que força o espectador a imaginar o monstro e projetar nele seus medos”, analisa Villaça. Essa projeção é possível graças às várias camadas de leitura presentes em “The Babadook” que, ao não fornecer todas as respostas, permite que o espectador tenha sua própria interpretação do que é aquele monstro. “Eu não acho que os cineastas trabalhando com terror hoje se dão conta de seu valor, ou percebam o potencial do gênero. Só porque é um filme de terror não quer dizer que não possa ter profundidade”, Kent afirmou em uma entrevista recente ao site da “New York Magazine”.

É fato que esse hype todo pode construir expectativas irreais, especialmente para os fãs do gênero, privados de bons títulos em 2014 – o último filme decente de terror a passar pelos cinemas de Belo Horizonte foi “Invocação do Mal”, em 2013. Ao mesmo tempo, porém, ele também pode ajudar a produção – ainda sem previsão de estreia no Brasil – a chegar mais rápido no país. “Mas as distribuidoras precisam entender que devem ser mais rápidas. Se demorar mais dois meses, todo mundo que quiser já vai ter visto”, pontifica Pablo – referindo-se ao fato de que, assim como o Babadook escondido em cantos escuros, o filme já se encontra naqueles recônditos “Voldemort” da internet, que não devem ser mencionados, mas que você sabe onde estão.

 

Diretora teve formação inusitada

Uma das leituras mais fortemente sugeridas por “The Babadook” é a ideia do monstro como uma metáfora da depressão, que se abate sobre Amelia e Samuel devido ao aniversário de um acidente envolvendo o nascimento do garoto. A interpretação fica ainda mais latente quando se leva em conta a “escola” de direção frequentada por Jennifer Kent. 
 
Ex-atriz, a australiana sempre quis dirigir, mas se recusava a fazer um curso de cinema. Até que um dia, mandou um e-mail para Lars Von Trier, mestre do estudo da depressão, explicando que era fã do seu trabalho e queria acompanhá-lo no set para entender como se dirige um filme.
 
O cineasta dinamarquês permitiu que ela voasse para a Europa e trabalhasse com ele no set de “Dogville” por um dia, em 2001. Depois disso, Kent escreveu e dirigiu em 2005 o curta “Monster”, cuja história daria origem a “The Babadook”. Com o sucesso do longa, ela já está desenvolvendo outros dois filmes e em negociações para projetos futuros com a Warner.
 

Assista ao trailer do filme de horror australiano "The Babadook":

 

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