Artes Visuais

Três mineiras na arte digital

Aline Xavier, Ana Moravi e Anaisa Franco expõem seus trabalhos simultaneamente na Bienal de Arte Digital e no File

Por Jessica Almeida
Publicado em 06 de março de 2018 | 03:00
 
 
 
normal

Em apenas um mês, a mostra Disruptiva, iniciativa que integra o Festival Internacional de Linguagem Eletrônica (File), bateu a marca de 100 mil visitantes no CCBB e tem duas semanas pela frente – termina no dia 19 – para tornar esse número ainda maior. Paralelamente, o Festival de Arte Digital (FAD), que comemorou dez anos no ano passado, cresceu tanto que deu origem à Bienal de Arte Digital. Antes de chegar a Belo Horizonte, terra de origem do FAD, no próximo dia 26, o evento vem movimentando o Rio de Janeiro, onde segue até o dia 18.

Nas duas bem-sucedidas mostras, chama a atenção que trabalhos de três mineiras estejam expostos. As belo-horizontinas Aline Xavier e Ana Moravi, estão com “Jequi” e “Antarabrava”, respectivamente, na Bienal. Enquanto Anaisa Franco, natural de Uberlândia, apresenta “Expanded Eye” e “On Shame” no File.

Além das origens, as três artistas têm em comum o interesse pela relação entre arte e ciência. “Uma das características da arte digital é a transdisciplinaridade. É possível combinar muitas formas de pensamento, tecnologia e ferramentas. No meu trabalho que está exposto eu me aproprio de um procedimento que é chamado de engenharia reversa no contexto industrial”, explica Aline Xavier. “Uma coisa que inicialmente é restrita ao âmbito científico. Meu procedimento é exatamente misturar esses campos de conhecimento. Entender as fronteiras como pontos de encontro, não como limites, e, assim, estabelecer a possibilidade de inovação artística”.

A mesma dimensão interdisciplinar é sublinhada por Ana Moravi. “Para se chegar a um resultado na ciência, muitas vezes são demandados conhecimentos da biologia, da química, da física. A arte digital também faz esse convite. Em muitos casos é preciso pesquisar em vários campos do conhecimento para dar forma para um conceito, uma ideia estética e assim conseguir discutir com o público”, afirma Ana Moravi.

A expressão artística no ambiente tecnológico promove, como observa Anaisa Franco, o uso criativo das ferramentas digitais, o que, por sua vez, expande as capacidades humanas. “Por meio dela, sou capaz de criar esculturas que têm comportamento, que interagem com as pessoas, proporcionando outras formas de sentido, de ver o mundo. Se eu fizesse só uma coisa estática, não conseguiria expressar as ideias da forma que quero”, ressalta. “Além disso, o fato de envolver várias áreas aumenta minha possibilidade de desenvolver parcerias, de criar em colaboração”, completa.

Trabalhos. A obra “Jequi”, de Aline Xavier, tem como ponto de partida o trabalho da antropóloga e etnógrafa Berta Ribeiro (1924-1997), que inventariou o artesanato indígena. A artista usou o recurso do escaneamento 3D para constituir um registro digital desses objetos. E na instalação ela os reapresenta em mídias distintas – vídeo, áudio e escultura.

“Tem a ver com o reconhecimento dos direitos indígenas e passa também pela preservação da memória desses povos. São objetos que muitas vezes ficam confinados aos museus. Minha pergunta foi como colocá-los em circulação”, afirma Aline.

“Antarabrava” parte do “Bardo Thodol”, conhecido no ocidente como “Livro Tibetano dos Mortos”, que é trabalhado na poética das imagens e dos pequenos gestos. Três telas de formato triangular em tecido voil cobertas de argila são o aparato em que vídeos são projetados. “Uma ferramenta de ausculta pulmonar deu origem aos sons da obra. Ela transita muito pelo universo da espiritualidade, da transcendência, misturando elementos tecnológicos e naturais”, explica Moravi.

Anaisa Franco fala sobre a vergonha e propõe uma expansão do olhar em “On Shame” e “Expanded Eye”, respectivamente. O primeiro é um espelho que distorce a pessoa que olha. “É relacionada a uma pesquisa de muitos anos que eu tenho sobre as emoções humanas, tenho peças sobre a paranoia, a confusão e essa sobre a vergonha”, explica a artista. O segundo é uma escultura sensível, luminosa e interativa de um olho gigante suspenso pelo teto onde os olhos do usuário são projetados e multiplicados. “É pra fazer quem olha ver a si mesmo, expandir sua visão”, diz.

 

Um meio em expansão

Na leitura das três artistas, a arte digital deve conquistar cada vez mais espaço no Brasil. “É uma viagem sem volta, não tem como retroceder, embora caminha devagar. Mesmo com o retrocesso político e cultural dos últimos dois anos, não tem como a gente andar para trás”, ressalta Ana Moravi. “O desenvolvimento tecnológico vai seguindo e é natural do artista procurar novas formas de dialogar com o suporte, novas materialidades, já é do campo da curiosidade do artista. E o que eu acho interessante é que tentar romper a lógica de que ciência e arte são coisas distintas”.

Sobre representatividade feminina, a avaliação também é otimista. “Eu vejo esse momento que vivemos como de uma transição muito forte na percepção do senso comum e também na dos críticos e curadores sobre a importância da equidade de gênero”, observa Aline Xavier. “Vejo com muito entusiasmo, parece que a grande ficha está caindo. Inúmeras vezes eu me envolvi em coletivos de arte e tecnologia, reuniões sobre projetos em que fui a única mulher. Muitas vezes ouvi que minha opinião não importava. O campo da criação artística já requer muita resistência e a mulher tem que resistir ainda mais. Mas há uma transição. Não está resolvido, nem vai se resolver rápido, mas é uma ação contínua de todos nós que fazemos parte desse sistema”.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!