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Tudo pelo vinil

Edu Pampani mantém há 1 ano no bairro Floresta a Discoteca Pública, com um acervo de 10 mil bolachões de música brasileira de todas as épocas.

Por DANIEL BARBOSA
Publicado em 05 de novembro de 2006 | 01:00
 
 
 
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Um muro coberto por vistosas heras serve de fachada, no número 207 da rua Machado, na Floresta, para um pequeno e aconchegante universo onde a MPB também medra cheia de viço.

Trata-se da Discoteca Pública, que, fundada por Edu Pampani para abrigar uma coleção de vinis que hoje chega a aproximadamente 10 mil títulos (entre LPs, EPs, compactos e 78 rotações), completa um ano de vida na próxima quarta-feira.

Um ano que, segundo seu criador, foi suficiente para conquistar um público cativo, que pode fazer pesquisas, consultas de todo tipo e ainda audições na pick-up conservada com esmero, posta à disposição de qualquer um que queira fazer um passeio pelo cancioneiro nacional de todas as épocas e gêneros.

O espaço que abriga a Discoteca Pública é, na verdade, a garagem de uma ampla casa, que também abriga o Centro Cultural Terra Verde. Essa garagem é dividida em dois ambientes.

Em um deles, estantes encostadas às quatro paredes sustentam fileiras e mais fileiras de vinis catalogados (são cerca de 6.000). Os que ainda não foram ficam acondicionados em caixas no chão, todos devidamente bem cuidados.

No outro ambiente, menor, encontram-se CDs de artistas mineiros, o que se constitui num acervo que está inserido em um outro projeto, batizado "A Música Que Vem de Minas", que Pampani começou a desenvolver paralelamente ao da Discoteca.

Para fazer os trabalhos de catalogação, de aquisição de novos títulos, de organização dos vinis e de atendimento ao público, ele conta apenas com uma ajudante. Como a iniciativa depende dos benefícios das leis de incentivo à cultura, o processo de incremento da Discoteca Pública é lento, mas contínuo.

"O que nos mantêm são os recursos advindos dos projetos que envio para as leis, já que não alugamos, não vendemos e não cobramos nada para quem quiser se associar. Se os projetos não são aprovados ou não consigo captar, posso até encontrar dificuldades para ampliar, mas sigo em frente, não vou fechar as portas, a Discoteca já está aí. Nesse primeiro ano de existência deu pra gente se organizar, agora a idéia é ampliar, ir para uma casa maior, com mais gente trabalhando e com pelo menos três ou quatro pickups para quem quiser ouvir os discos", diz.

Ele destaca que o acervo vai sendo ampliado graças a doações, trocas e compras de vinis que realiza junto a pessoas que já não dão mais tanta importância para as velhas bolachas pretas.

O foco, conforme ressalta, é a música brasileira e o objetivo é ter o maior número possível de títulos, independente de quaisquer categorizações. "Recebi, ao longo deste primeiro ano, muitas doações.

No meio, costumam vir discos estrangeiros, mas minha história é com a música brasileira, então troco dois por um. Eventualmente também compro lotes de vinis de gente que desistiu da coleção.

Outro dia, um cara trouxe um pacote que tinha, no meio, o "Molhado de Suor", que é o primeiro solo do Alceu Valença", diz, exibindo o vinil que, até há cerca de alguns meses, estava fora do mercado, nunca tinha sido relançado em formato CD e podia chegar a custar uma pequena fortuna para quem se dispusesse a pagar.

PRAZER DE COLECIONAR
Apesar do orgulho com que mostra alguns títulos originais, que estão fora de catálogo há anos, Pampani faz questão de frisar que não se deixa seduzir pela idéia de raridade.

Mostrando uma matéria recentemente publicada na "Folha de S.Paulo" com o ranking dos vinis mais cobiçados e caros " como "Paêbiru", que marcou a estréia de Zé Ramalho, ao lado de Lula Côrtes, e lidera a lista, estimado em R$ 4 mil ", ele critica a relação venal que muitos colecionadores e diletantes mantém com esse verdadeiro patrimônio nacional que é a MPB.

"Os discos aqui se tornam raridades porque quem tem acaba mandando tudo para o exterior. As lojas de lá compram e depois põem à venda em seus sites por preços exorbitantes .

Tem discos de artistas daqui que simplesmente não existem mais no Brasil. Aí acontece isso, de um "Paêbiru" estar cotado em R$ 4 mil. Quem coleciona tinha que ter em mente a importância de se preservar e tornar disponível para o público, como a gente faz aqui na Discoteca", diz.

Revirando as estantes, ele revela que tem a coleção praticamente completa de Roberto Carlos " uma das que mais deu trabalho para catalogar, conforme ressalta, porque a maioria absoluta dos discos não tem nome, são intitulados apenas como "Roberto Carlos" ", incluindo edições em outras línguas (espanhol, italiano, inglês) feitas exclusivamente para o mercado estrangeiro.

Além desta, Pampani também tem quase tudo de Nelson Gonçalves " "o artista que mais gravou no Brasil", segundo aponta ", o que chega perto de 80 títulos, e coleções completas de nomes da velha guarda, como Orlando Silva, Francisco Alves, Maysa, Elizeth Cardoso e outros.

Nas estantes, figuram discos como "O Bando da Lua", do grupo homônimo, "Nelson Interpreta Noel", de Nelson Gonçalves, "Carmem Miranda " A Pequena Notável" e "A Rádio Nacional e Seus Ídolos de Auditório". Mas ele reitera: "Não estou atrás de raridade, quero é ter tudo de música popular brasileira.

Tenho aqui, por exemplo, essa estante de discos infantis. Tem Xuxa, tem Angélica, quer dizer, a Discoteca é para abrigar tudo, sem qualquer tipo de distinção ou discriminação". Por sustentar esse pensamento, ele também critica as pessoas que, tendo vinis em casa, deixam que eles se percam pelo desgaste do tempo ou pelo mau uso.

"A idéia que as pessoas têm que ter é a seguinte: ame-os ou liberte- os. Tem muita gente que ainda tem vinil em casa, mas deixa apodrecendo no porão. Conservar é simples, é só limpar regularmente, guardar dentro da capa depois que acabou de usar, trocar a agulha do som de tempos em tempos.

São coisas muito fáceis, mas que, a partir da era do CD, as pessoas começaram a ter preguiça de fazer. Se esse é o seu caso, doe pra gente. É assim e também pelas trocas e compras que a Discoteca cresce", ressalta.

CRESCIMENTO RÁPIDO
Os resultados do primeiro ano de trabalho de Pampani à frente da Discoteca foram profícuos. Ele aponta que, antes de ter o projeto aprovado e dar início aos trabalhos de estruturação do espaço, sua coleção pessoal girava em torno de mil vinis.

"Quem vê isso aqui hoje pensa que é um acervo antigo, que estou constituindo há muitos anos, mas, na verdade, a coleção começou a ter a dimensão que tem atualmente, há dois anos", diz, acrescentando que foi graças à compras de lotes de vinis junto a colecionadores que ele conseguiu acumular tantos títulos.

"Com relação aos discos da velha guarda, por exemplo, dei sorte porque comprei quase tudo, uma leva de mais ou menos uns 3.500 discos, junto a um colecionador que já estava formando seu acervo há 35 anos", revela.

Mas se a coleção, como ela se encontra hoje, não é tão antiga, o conhecimento para geri-la Pampani tem desde a juventude. "Quando resolvi propor o projeto da Discoteca, eu já tinha uma experiência de 20 anos trabalhando com discos.

Comecei a comprá-los quando tinha 13 anos, com 22 montei minha primeira loja, em Salvador, exclusivamente com acervo pessoal, e desde então não parei mais de mexer com isso. Tive outras duas lojas, mas hoje em dia não me interessa mais o comércio", diz.

Ele revela que, atualmente, a Discoteca Pública tem cerca de 400 associados, que se cadastraram pelas fichas que ele entrega a quem visita o espaço ou pelo site (www.discotecapublica.com.br).

Pampani diz que esse universo é composto por muitos DJs, músicos que vão fazer pesquisa de repertório, estudantes de música que estão desenvolvendo pesquisas e também saudosistas que vão atrás de títulos de tempos passados.

"A música está em todos os lugares, no teatro, na propaganda, no cinema, na televisão, quer dizer, está no dia-a-dia de qualquer pessoa, por isso o público é heterogêneo e por isso acho que é fundamental a manutenção de uma iniciativa como essa", diz.

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