Artes visuais

Um olhar entre duas culturas

Exposição “Ai Weiwei: Raiz, primeira do artista no Brasil, chega ao CCBB, onde será inaugurada nesta quarta-feira

Por Carlos Andrei Siquara
Publicado em 03 de fevereiro de 2019 | 03:00
 
 
 
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O artista e ativista chinês Ai Weiwei, 61, deixou colecionadores de antiguidade em polvorosa com o trabalho “Dropping a Han Dynasty Urn” (“Deixando Cair Uma Urna da Dinastia Han”), em 1995. A obra, que se tornou uma de suas criações mais conhecidas, consiste em uma série de três fotografias em preto e branco. Na primeira, ele aparece segurando um vaso de 2.000 anos, orçado em cerca de US$ 1 milhão. Já as duas seguintes mostram Weiwei soltando o artefato, que, no fim, se estilhaça no chão.

Além do descarte da peça altamente valiosa, causou escândalo a expressão de desdém do artista enquanto solta o objeto. Mais de uma década depois, em 2016, Weiwei reconstituiu os registros dessa ação com módulos de Lego e batizou o novo trabalho com o título da anterior.

A versão mais recente poderá ser vista pelo público belo-horizontino na mostra “Ai Weiwei: Raiz”, que reúne cerca de 70 obras e será inaugurada nesta quarta-feira, no Centro Cultural Banco do Brasil, na Praça da Liberdade.

De lá para cá, temas como a destruição e o apagamento da memória têm sido constantes na trajetória de Wei-wei, que desenvolve seus projetos a partir de um olhar no qual referências do mundo ocidental e oriental convergem, e, portanto, são passíveis de interpretações muitas vezes divergentes em razão das diferenças culturais.

Responsável pela curadoria da mostra, Marcello Dantas explica, por exemplo, que, enquanto do lado ocidental “Dropping a Han Dynasty Urn” representava um acinte, na China a mesma ação poderia ganhar um sentido oposto.

“Quebrar um vaso de 2.000 anos é algo que nós consideramos um absurdo, e um artista fazer isso é ainda pior, um sacrilégio duplamente qualificado. Mas, no contexto chinês, principalmente após a Revolução Cultural, isso não era mais do que a instrução que Mao Tsé-Tung (1893-1976) dava para todo mundo. Ele dizia que, para construir uma nova sociedade, era necessário destruir tudo que havia antes”, diz Dantas.

Essa característica em torno dos projetos de Wei-wei reflete as experiências de deslocamento que marcam a trajetória do artista. Nascido em Pequim, em 1957, ele cresceu na China, enquanto seu pai, o poeta Al Qing (1910-1996) estava exilado no próprio país. Já adulto, em 1981, Weiwei mudou-se para Nova York, onde viveu até 1993, quando decidiu retornar para a China, a fim de assistir o pai com saúde fragilizada.

É a partir dessa década que ele emerge como artista e desponta entre os nomes mais importantes da arte contemporânea. “O que as pessoas demoraram para entender é que ele é um dos poucos caras que conseguem transitar com fluência dentro do labirinto da cultura oriental, principalmente a chinesa, além de explicitamente trabalhar aspectos da cultura ocidental. Não há outro artista que faça isso nesse nível de fluência, e talvez seja esse o motivo do seu grande sucesso”, sublinha Dantas, que reforça, em seguida, como Weiwei consegue falar para dois públicos distintos (um ocidental e outro oriental) de maneira bastante pertinente.

“Outro exemplo disso é a série “Study of Perspectives” (‘Estudo de Perspectivas’), em que o artista aponta o dedo do meio para diversas instituições e fotografa a ação. Na China, esse tipo de gesto não quer dizer absolutamente nada, e, por isso mesmo, passou por todas a censuras e foi publicado em todos os lugares. Todo mundo achou uma bobagem, e, na verdade, ele estava dizendo algo muito forte. Ele tem essa capacidade de se infiltrar de um lado e do outro com muita fluidez”, comenta Dantas.

Mostra reúne obras criadas no Brasil

Além dos trabalhos mais significativos de diferentes momentos da carreira de Weiwei, a individual vai exibir obras construídas no Brasil, durante uma viagem realizada pelo artista entre 2017 e 2018. Uma delas é a série “Sete Raízes”, produzida a partir de raízes do pequi-vinagreiro encontradas desenterradas em Trancoso, na Bahia. Em razão da limitação de espaço, serão mostradas apenas duas peças aqui.

Outra série é composta por ex-votos, que foram esculpidos por artesãos de Juazeiro do Norte (CE) e relaciona-se à vida e à obra do artista.

“Quando chegou ao Brasil, Weiwei seguiu exercendo o que ele se propõe a fazer, que é um resgate das raízes. Weiwei foi procurar elementos da cultura brasileira. Acho que ele conseguiu fazer uma leitura do Brasil muito pertinente e que tem a ver com esse processo de resgate que está presente em toda a obra artística dele. Ele está sempre em busca da reinvenção de elementos do passado que estavam perdidos”, finaliza Dantas.

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