Mostra de Tiradentes

Um olhar sem estereótipos

Filmes como 'Tea For Two' e 'Jéssika' contam suas histórias a partir da realidade de personagens transgêneros

Por Etienne Jacintho
Publicado em 23 de janeiro de 2019 | 03:00
 
 
 
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Tiradentes. A curadoria da 22ª Mostra de Cinema de Tiradentes selecionou filmes que contam suas histórias a partir de personagens transgêneros despidos de estereótipos. A escolha levanta a questão do olhar preconceituoso da sociedade sobre as mulheres e os homens trans que, consequentemente, ainda se reflete nas artes. Os filmes exibidos na mostra batalham para quebrar esse vício do olhar e propor um redirecionamento no que diz respeito aos gêneros.

Na tela, o que se vê são filmes que levam à reflexão, por abordarem a vida das pessoas trans, mas sem colocá-las em um contexto que leve o espectador para esse lado já bastante exposto de acompanhar a mudança do corpo físico delas ou dos estereótipos – que só aumentam o preconceito. “Acho que o cinema autoral e independente tem feito um movimento para que os estereótipos acabem”, fala Julia Katherine, que apresentou seu curta “Tea For Two”. No entanto, ela sabe que ainda é pouco. “Infelizmente, o cinema comercial, a TV e as grandes mídias reforçam essa ideia da mulher trans como prostituta, dona do puteiro, traficante, mendiga”, alerta.

Para ela, a mulher trans e as travestis são muito desrespeitadas na vida e o cinema não precisa ser um espelho apenas deste contexto. “Somos muito objetificadas e a abordagem dos homens é sempre sexual, não é de respeito”, afirma Julia, que quis fazer um filme sensível, sobre o amor. “A ideia era que fosse uma comédia romântica, mas minha vida é mais para o melodrama mesmo”, diz.

O filme de Julia acompanha Sílvia, uma mulher lésbica que tem seu cotidiano balançado ao conhecer Isabela, uma mulher trans de 40 anos. “Tea For Two” levanta a questão do preconceito, mas não baseia seu enredo nele. Trata-se de um melodrama baseado em uma imagem que é o desfecho da história. Julia esteve no festival no ano passado e venceu o prêmio Helena Ignez de destaque feminino por “Lembro Mais dos Corvos”, curta de Gustavo Vinagre que ela roteirizou e atuou.

Julia quer continuar sua carreira cinematográfica na frente e atrás das câmeras. “Não colocam a trans ou a travesti numa situação comum, uma dona de casa, uma professora. Existem pessoas trans que ocupam lugar no mundo como qualquer outra pessoa. E me pergunto, quando vamos começar a contar essas histórias?”, fala. “Quero que meus filmes abram esse espaço”, reclama.

Outro curta-metragem que está na mostra e foi dirigido por uma mulher trans é “Jéssika”, de Galba Gogóia, que será exibido nesta quarta-feira (23), às 21h, no Cine-Praça. O filme mostra o retorno de Jéssika à sua cidade natal, após anos. “O meu filme não fala nada sobre quem é essa mulher, o que ela faz da vida, e já me perguntaram em um debate se ela era prostituta. O que isso tem a ver como o filme, que mostra o encontro dela com a mãe?”, indaga a cineasta.

“Lui”, curta-metragem de Denise Kelm, aborda a questão do gênero ao contar a história de Lui, um professor de circo que experimenta formas de viver e amar. O filme foi exibido no sábado. “Ainda há poucos filmes com pessoas trans fora deste estereótipo, mesmo nos festivais”, analisa Julia. Além da pouca representatividade, ela destaca que os retratos são geralmente feitos com corpos jovens. “Fazem isso como se as mulheres trans não envelhecessem ou não despertassem interesse algum após os 40 anos. Isso me incomoda. Quero transformar esse cenário e estimular mais pessoas trans a fazerem cinema”, conclui Julia.

A repórter viajou a convite do festival

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