ENTREVISTA

Uma breve aprendiz de Pina

Nascida em Vitória, mas habitante belo-horizontina desde criança, Luiza partiu para a Alemanha em 2007, atrás do desejo de trabalhar com a coreógrafa Pina Bausch. Conseguiu. Desde 2008 é bailarina convidada no Tanztheater Wuppertal e também trabalha na Cia Folkwang Tanzstudio. Luiza está na cidade e apresenta hoje Olorun, no Espaço Cultural Ambiente.

Por JULIA GUIMARÃES
Publicado em 07 de julho de 2012 | 18:14
 
 
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Luiza Braz Batista
Bailarina e coreógrafa


Você chegou a trabalhar com Pina Bausch? O que guarda da convivência com ela?
Eu trabalhei com ela desde setembro de 2008 até quando ela morreu (junho de 2009). Comparado às pessoas que estão lá há 20, 30 anos, um ano não seria nada. Mas foi uma experiência bem intensa, ela era uma pessoa muito forte. Falo que a Pina era igual vento, invisível, mas sempre presente. Ela entrava na sala e mudava tudo, os bailarinos se transformavam, sua presença era muito forte. E era uma pessoa muito sábia, calma, nunca levantava a voz, sempre falando baixo. Quando vinha corrigir alguma coisa em você, era sempre sutil e muito forte. Uma pessoa de poucas palavras, mas que, só de olhar para ela, você via o que estava querendo. Ou, às vezes, seus olhares falavam mais que ela mesma. Também as mãos e os braços dela eram muito expressivos.

E como você chegou à companhia? Você já foi para a Alemanha pensando em trabalhar com Pina? Eu já conhecia o trabalho da Pina e queria trabalhar com ela, então, fui fazer audição para a Folkwang Hochschule, escola onde ela estudou e começou a coreografar. Fiz a audição em setembro de 2007, passei, estudei dois anos lá e, nesse primeiro ano, em 2008, já comecei a trabalhar com ela, no espetáculo "A Sagração da Primavera". E foi assim: larguei tudo aqui e fui sem saber se iria passar ou não na audição.

Em linhas gerais, quais foram seus aprendizados mais importantes até agora, tanto na escola quanto na companhia de Pina? O trabalho na Alemanha e na Europa é muito diferente, principalmente em dança. Em especial na companhia e na escola, a técnica moderna é muito forte. É uma escola que, aqui no Brasil, quase não se acha mais. Aqui quase não temos dança moderna, é mais a contemporânea ou o balé clássico. Então, essa técnica eu aprendi lá. E eles têm uma forma de trabalhar muito diferente, muito séria, focada, tudo muito definido, de mais fazer do que falar, são pessoas muito trabalhadoras. Aprendi a ficar horas trabalhando num mesmo movimento. A Pina era assim, gostava de gente muito trabalhadora. A gente aprende isso lá, a ficar duas horas num mesmo pedaço da coreografia, ensaiando, e, se não está bom, a gente continua. Lá, eles têm essa coisa de ser cabeça dura, no sentido de bater a cabeça na parede, trabalhar até ficar perfeito. Essa coisa que aqui no Brasil é diferente, as pessoas são mais relaxadas, tranquilas, não se estressam tanto. Mas não que isso seja certo ou errado, é só uma forma de trabalhar.

Você também pega um momento em que o grupo perde a Pina Bausch. Como ficou o grupo depois disso? Como eles lidaram com a perda? Foi muito difícil para todos, foi como a perda de uma mãe, ainda mais para as pessoas que estão lá há 20 anos, eles passaram uma vida lá. E foi um choque total para eles. Como, de repente, você tem que continuar o trabalho sem a pessoa que era a sua referência? E até hoje eles estão se reestruturando em questões de como lidar com o repertório, com as peças antigas dela que eles têm que remontar. E isso é difícil às vezes, porque cada bailarino tem a sua experiência com a Pina e isso, às vezes, causa até discussões, porque são muitos pontos de vista diferentes. Mas a companhia está bem, viajando e trabalhando muito. Mas claro que é difícil, principalmente no começo.

E o grupo tem alguma nova coreografia no horizonte? Que eu saiba não. Sempre se teve o desejo de encontrar uma pessoa que pudesse fazer uma coisa nova para a companhia, porque ficar só em repertório também é difícil. Mas estamos tão ocupados em fazer temporadas - as agendas estão cheias até 2014 - que, no momento, é fazer e refazer as peças antigas o tanto que der. E acho que essa história de uma peça nova vai vir com o tempo, se vier, mas agora não tem nada oficial.

Voltando às comparações entre a cena da dança do Brasil e da Alemanha, quais são as principais diferenças e semelhanças? A diferença maior é mesmo essa forma de trabalhar, além da falta de dança moderna no Brasil, principalmente em Belo Horizonte, porque em São Paulo ainda tem alguma coisa. E também a questão de que o governo, na Alemanha, dá dinheiro para a cultura e a educação. Aliás, essas são as primeiras áreas para as quais se destinam verbas. Então, consegue-se viver de dança melhor lá, porque aqui ainda ficamos muito inseguros, a cultura é sempre a última coisa. Mas a maior diferença é a valorização que se dá à cultura e à dança. Isso cria uma coisa diferente nos bailarinos. E há mais investimentos em projetos e espaços.

E qual é a influência da dança-teatro hoje, uma das principais marcas de Pina, tanto na companhia quanto na escola? A dança-teatro ainda é o forte de lá. Claro que fazemos coisas mais físicas que talvez não tenham muito a ver, mas a própria "Sagração da Primavera" é super dança-teatro, não há como sair disso, a influência é muito forte.

E quando decidiu ir para a Alemanha, você também queria esse contato mais estreito com a dança-teatro? Sim, porque as artes são tão conectadas para mim - dança, teatro, música - que achei que tinha que buscar esse contato maior. Não queria ficar só na dança, digo "só" entre aspas, pois já é muito. Mas estava buscando, dentro de mim, essa conexão entre as artes.

"Olorun", que você apresenta em BH, é o seu primeiro trabalho como coreógrafa. Como surge o desejo de ver a dança por esse outro ângulo? Eu já tinha essa necessidade há muitos anos, mas não tinha tempo nem urgência para desenvolver um trabalho como coreógrafa. E aí chegou um momento em que resolvi, falei "seja o que Deus quiser" e fui. Havia o desejo de fazer uma coisa minha, com os meus olhos, o que é muito diferente.

Li que essa coreografia tem a ver com um momento difícil que você passou na Alemanha. Qual olhar pessoal e autoral você traz para "Olorun"? Momento difícil acho que todo mundo passa, principalmente quando sai do seu país, da sua casa e se depara com uma cultura, com pessoas, pensamentos e opiniões diferentes. Chega um momento em que você se perde, não sabe para onde vai, quem você é, o que quer. E nesse momento eu pensei: "olha, vou me centrar, ver o que quero e quem eu sou". Porque recebi muitas influências nesse período e já estava meio sem saber mais para onde ir, desacreditando do que queria. Aí resolvi me libertar de todas essas influências de fora e me colocar, mostrar como estou agora. Porque quando você recebe demais, é comum se questionar.

E você acompanhou a gravação do filme de Wim Wenders sobre Pina Bausch? Achou que ele retrata bem a coreógrafa? Estive lá durante a gravação, só não dancei porque outras pessoas mais velhas voltaram a dançar "A Sagração". Eu acho que ele nem faz um filme sobre a Pina, mas um filme para ela. Acho muito sensível e, claro, acho que ele é um diretor de muito bom gosto.

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