Logo no início de “A Árvore” (e aqui não há spoiler), uma Alessandra Negrini loira, com expressão serena, mira o espectador – o outro, quem quer que seja – e diz, calma, entre sorrisos: “O que importa é que em breve eu não serei mais uma pessoa, nem mesmo uma personagem do meu próprio relato. Nesse relato, tudo que arfa, respira, ofega e sente pode entrar, sem distinção, apenas passo à frente com arrogante esperança de que sirva de carta ao futuro. Um relato entre tantos, mas, com sorte, um relato de amor”.
“A Árvore” é o novo projeto da atriz e será exibido desta sexta-feira (26) a meados de abril (detalhes no fim da matéria) durante a programação online do Teatro Faap. Para realizar a empreitada ficcional, Alessandra contou com o texto sensível e surreal da mineira Silvia Gomez e direção conjunta de Ester Laccava, que também assina o roteiro, e João Wainer.
Da necessidade de se adaptar ao novo, Alessandra Negrini idealizou um projeto híbrido, que mescla teatro e cinema: a palavra do primeiro dialoga com a força das imagens do segundo todo o tempo em cenas gravadas em um ambiente interno ou em uma floresta e nas ruas de São Paulo.
“Falo muitas vezes para a câmera, o que poderia ser um recurso teatral, mas também nos preocupamos muito com a beleza da imagem. Tem uma viagem na criação das imagens que, ao meu ver, é cinematográfica. E a trilha sonora, que é bem presente, embala tudo isso”, conta a atriz, em entrevista ao Magazine.
Alessandra vive A, escritora solitária que encarna a metáfora kafkiana e, após sofrer uma perda, se metamorfoseia em uma árvore. A história é, como ela diz nas primeiras linhas deste texto, um relato poético que passeia pelo isolamento, pela esperança, pelo íntimo contato com o estranho e pelo desconhecido de um novo ser em um novo mundo.
Durante a pandemia, a atriz decidiu adaptar o texto em um experimento híbrido em seu primeiro solo. Não que ela sonhasse em fazer um monólogo. “Gosto do jogo e da brincadeira entre os atores, gosto de me divertir. “Solo” é como a palavra diz, solitário, ainda mais sem plateia”, diz.
Porém, os desafios e as responsabilidades em tocar a empreitada foram tão grandes que a atriz nem teve tempo de sentir pressões, frios na barriga e ansiedades de toda espécie. Se a pandemia não permite o encontro, paciência – ela tinha que dar conta do recado, e ponto. Segundo Alessandra, sempre há uma possibilidade de socorro com a arte: “Não dá para estar junto? Inventa sozinho mesmo, se descobre! E nisso a gente se mistura com a história da própria personagem. Ela inventa, relata, comunica a sua solidão. Precisamos nos comunicar para sobreviver”.
Por falar em pandemia, a atriz pondera que, no geral, tem passado bem o período com ajuda de muita meditação. Entretanto, pensar que daqui a poucas semanas completaremos um ano convivendo com esse vírus letal e revelador de tantas desigualdades faz com que ela se sinta ansiosa. “Gosto de pensar e ficar sozinha, mas agora já deu, né? Ninguém aguenta mais! Queremos vacina”, comenta.
A situação política do país também deixa Alessandra Negrini aflita. Ela afirma que todos somos impactados pelas ações do presidente Jair Bolsonaro, “mas o Brasil é maior que qualquer presidente e precisa voltar a se enxergar como um país forte e potente, e não são as armas que vão fazer isso por nós”.
A atriz sublinha que o contexto pede organização, e a cultura, essa sim, é quem nos dará consciência de quem somos e do quanto podemos criar: “É como um espelho. A melhor forma de validarmos nossa identidade e ampliarmos a visão de nós mesmos é através da cultura”.
Atriz também é destaque em série da Netflix
O extraordinário e a fantasia presentes em “A Árvore” também dão o tom de outra produção estrelada por Alessandra Negrini. A série “Cidade Invisível”, da Netflix, que estreou no início do mês, mistura folclore e suspense ao colocar o detetive Eric, interpretado pelo protagonista Marco Pigossi, em uma investigação de assassinato. É aí que ele descobre um mundo habitado por entidades míticas e invisíveis aos seres humanos.
Alessandra interpreta Inês, dona de uma boate e secretamente uma versão da Cuca, uma das principais personagens do nosso folclore. “A fantasia é uma necessidade básica. A gente precisa dela pra viver, e as duas produções passeiam por esse universo do imaginário”, comenta.
Em 2019, quando recebeu o convite para participar de “Cidade Invisível”, a atriz não titubeou: “Uma série do Carlos Saldanha falando de folclore brasileiro? E ter a chance de falar sobre nós para mais de 190 países? Incrível, um sonho. Quem não aceitaria participar de uma coisa assim?”. Sucesso no Brasil e em vários países mundo afora, o seriado tem rendido não só boas críticas ao elenco, mas muitas brincadeiras na internet.
Recentemente, ela abriu seus Stories no Instagram para perguntas dos seguidores, que fizeram piadas do tipo “a Cuca vem pegar?”. Alessandra Negrini entrou na onda. “Os memes são maravilhosos! Já tô dormindo, tá? Pode vir me pegar! (risos)”, diverte-se.
Programe-se
“A Árvore” estreia nesta sexta-feira (26) e fica em cartaz até 18 de abril – sexta e sábado, às 20h, e domingo, às 19h – na programação online do Teatro Faap. A produção está disponível na plataforma Tudus com ingressos a R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada)