Literatura

Renato Negrão lança neste sábado em BH 'Odisseia Vácuo'

Nome de destaque da poesia brasileira, poeta passeia por vários gêneros da poesia contemporânea

Por André di Bernardi
Publicado em 03 de abril de 2019 | 03:00
 
 
 
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O artista belo-horizontino Renato Negrão é poeta, compositor, artista visual e educador de arte. Autor de “Vicente Viciado” e outros cinco livros de poemas, ele apresenta agora seu mais novo trabalho, “Odisseia Vácuo”. Negrão fala sobre sua trajetória, seu processo criativo e sobre a importância do diálogo entre os múltiplos gêneros literários.

O que diferencia esse seu novo livro de outros projetos, como “Vicente Viciado”, por exemplo? 

Acho que refinei a experiência de composição em relação aos poemas anteriores, como do livro “Vicente Viciado”, que mantém uma atitude que dialoga com a poesia dos anos 70. Abordei a sutileza do humor para compor um poema um pouco mais longo, o que é menos comum na minha produção. No passado, era mais nítido um pensamento mais rítmico nos meus textos, hoje certamente identifico uma busca por mais plasticidade. 

Em que medida o livro flerta com a poesia concreta? 

São raros os de minha geração que não tenham referência minimamente na poesia concreta e em outros movimentos experimentais da poesia brasileira, poema-processo, práxis, neoconcretismo etc. \Nada é intencional mas, quando se vê, o diapasão está presente. O projeto gráfico, de uma maneira geral, tem referência das leituras do Décio Pignatari, do Júlio Plaza. A intenção de que o branco da página fosse um elemento ativo dialoga com Mallarmé, mas não é intencional.

Como surgiu o projeto, a ideia para o livro? Ele demorou para ser produzido? 

Demoramos uns oito meses entre o primeiro encontro e o lançamento em São Paulo. Procurei alguém que admirasse, que fosse também um escritor, que fosse rigoroso no capricho, que tivesse referências próximas. E encontrei no Preto Matheus, da SQN Edições, isso e muito mais. Matheus, que é um preto, é consciente como eu, e isso amplia e redimensiona conceitualmente o projeto de um modo muito mais sutil do que se possa imaginar.

Fale sobre o projeto gráfico do livro. 

A epígrafe é do poeta português Alberto Pimenta, os dados da edição, que são as datas e a numeração acabam aparecendo como um índice enigmático. Não há título e não há o nome da editora, e também meu nome não aparece na capa. Dentro do livro aparecem em contraposição dialógica renato/vácuo e negrão/odisseia. A partir do significado do meu nome e sobrenome (Renato = renascido, e Negrão = breu), me permiti fabular as relações entre buraco negro e o vácuo quântico, a aventura ínfima das partículas e dos astros e a aventura do signo linguístico.

Que dificuldades você encontrou na feitura do livro? Tentei dialogar com outros editores. A dificuldade durou até eu entender que era com o Preto Matheus que eu tinha que desenvolver o projeto. Depois desse processo, só houve desafios conceituais e financeiros.

Em que medida o seu périplo recente pelo Brasil ajudou no surgimento do livro?

O livro já estava pronto quando comecei a viajar. O nteressante foi perceber a recepção em lugares diferentes do Brasil.

Como você definiria o termo “livro-objeto”? 

Todo objeto que rompe com a forma tradicional do livro e se abre para relações em que a palavra requisite outros elementos plásticos, sonoros, materiais. Contudo, não me atenho muito a categorizações rígidas.

Fale um pouco sobre a performance que você vai apresentar no lançamento.

A performance com Miguel Javaral explora o universo da vocalização e do silêncio e convida o expectador a participar como ouvinte de uma leitura em que o desafio é dilatar o tempo da leitura até o limite em que ele, o ouvinte, não se disperse.

Resenha

Arte que extrapola conceitos, poesia que abrange o vasto

O universo do artista belo-horizontino Renato Negrão não se resume ao verso tradicional. Hoje, o poeta lança o livro-objeto “Odisseia Vácuo”, seu sétimo trabalho, com sessão de autógrafos, bate-papo e performance, com Miguel Javaral. Após um ano circulando pelo Brasil, no projeto Arte da Palavra, do Sesc, quando passou por 12 Estados brasileiros, o escritor está de volta a Belo Horizonte. A obra, com projeto gráfico realizado por Preto Matheus, já foi lançada em São Paulo, Rio de Janeiro, Goiânia e Olinda, entre outras cidades. 

Negrão, desde muito tempo, vem pesquisando uma literatura expandida, em diálogo com as artes plásticas, a música e o teatro, em recentes trabalhos com artistas como a cantora Juliana Perdigão (no disco “Folhuda”) e o ator Alexandre de Sena (do Grupo Espanca de Teatro). “Odisseia Vácuo”, feito artesanalmente, numa tiragem limitada, também pode ser lido como um livro-performance, que dialoga com os modos de fazer e pensar a poesia. “Trata-se de um poema que celebra a história e, ao mesmo tempo, questiona o modo com ela é contada”, explica Negrão.

“Odisseia Vácuo” traz apenas um poema. Um livro, uma obra, um troço inominável, um “algo” que prioriza a força e – mais que tudo – a fragilidade e a beleza das lacunas, das reticências, do não dito que grita, que sussurra, que sugere. Negrão inventa um rol de regras – o que não deixa de ser um belo paradoxo – para instaurar a desordem, o descontrole, o desmando. Uma espécie de acrasia, de intemperância lhe cai bem. 

Musicalidade e concretude, duas palavras que dizem muito sobre “Odisseia Vácuo”, duas forças que se fundem, que se adicionam. Negrão brinca com múltiplas associações de signos de mil sentidos. O poeta monta uma estratégia peculiar e meio que dança, numa justa luta de esgrima com o verbo e o verso solto.

Certas poesias subvertem as engrenagens, que nunca descansam numa dialética de claros e escuros, que pairam entre o óbvio e o nunca visto. Negrão parece que gosta do lúdico e convida o leitor para esse carrossel. Negrão procura liames e mostra que tudo pode estar interligado através da força da arte.

Em “Odisseia Vácuo”, Negrão domina e aborda o controverso e a descontrução do próprio conceito de livro através do silêncio, dos espaços em branco que atravessa, veja bem, as palavras, o verbo, a poesia. O poeta carrega algo de ambicioso que o auxilia nesse périplo. Ele sabe e não sabe. E quando percebe, nada diz; ele “apenas” deixa brechas, lacunas para que o leitor tome tento das possibilidades infinitas de um livro que prima pelo capricho e pela diferencial. Sim, é poesia, ainda que tenuamente poderosa. 

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