Trabalhando com turismo há três décadas, o empresário Eduardo Martins, fundador da Keep Company, enxergou nos “solteiros e solitários” um potencial de realizar negócios. Há cerca de 15 anos ele deixou de organizar roteiros de aventura e ecoturismo e passou a focar na organização de passeios no Brasil e no exterior voltados para grupos formados por desconhecidos que não teriam ânimo de encarar a empreitada sozinhos. Esse tipo de serviço tem ganhado ainda mais força com a chamada "economia da solidão"

“Minhas clientes são principalmente mulheres acima dos 50 anos, que se separaram dos seus companheiros ou ficaram viúvas, e que dificilmente viajaram sozinhas para alguns tipos de países - principalmente no Oriente Médio. Além disso, elas já têm uma carreira consolidada, já criaram os seus filhos e têm dinheiro para investir em si mesmas. O valor de um roteiro internacional na agência gira em torno de R$ 30 mil”, revela. 

Viúva e morando sozinha, a funcionária pública Eliana de Fátima Paula, de 65 anos, viaja com a Keep Company desde 2018 e já tem outros dois roteiros marcados para o ano que vem. O primeiro deles é em março de 2025, quando ela embarca com a neta para a Coreia do Sul e Japão. No total, ela vai investir 14 mil euros (cerca de R$ 85 mil) na empreitada. 

“Meu estilo de vida me dá esse privilégio de poder gastar com esse hobby. Meu filho já está criado e tem a sua independência. Além disso, não tenho carro, pois dá muita despesa. Prefiro andar a pé ou de ônibus e investir em outras coisas”, afirma. 

Além disso, a agência proporciona companhias que compartilham da mesma paixão que ela tem. “É claro que tenho meus amigos, mas nem sempre eles conseguem férias ou têm dinheiro para me acompanhar. Não gosto de viajar sozinha, então o serviço veio a calhar. Já fiz vários colegas nessas viagens, o relacionamento acaba continuando depois.”

A funcionária pública prefere não ter carro e investir em viagens. Foto: Flavio Tavares / O Tempo 

Não importa se o passeio acontece por meio de uma agência ou se o viajante organiza sua própria aventura, fato é que o turismo solo tende a aumentar nos próximos anos. De acordo com um estudo da Global Travel Insight, o número de pessoas viajando sozinhas deve subir 35% até 2030, atingindo cerca de 580 milhões de turistas em todo o mundo. 

Neste cenário promissor, a Keep Company segue faturando. Com uma média de 40 viagens por ano, 15 no país e 25 ao redor do mundo, a empresa tem crescido na casa dos 30% ao ano em faturamento e já planeja desbravar novos rumos. De acordo com Eduardo, com a “saturação da Europa” e os recentes protestos ocorridos por lá por conta do excesso de turistas, a agência pretende lançar em breve roteiros inéditos para Tibet, na China, e Galápagos, no Equador. 

“Outro fator que favorece o negócio é a recorrência. Quem experimenta o serviço geralmente volta para fazer outra viagem por já conhecer nosso trabalho, ter criado relações com outros viajantes e saberem quem são os guias. Aliás, temos funcionários que estão conosco há muitos anos e essa familiaridade também é vantajosa para fazer com que os clientes retornem”, aponta. 

É o caso da pesquisadora aposentada Vanusa Maria Delage, de 67 anos, que já fez seis viagens pela agência. Em cada uma, ela conta, investiu cerca de R$ 30 mil - cerca de R$ 180 mil ao todo. Para ela, as viagens também são uma forma de fazer novos amigos. “Uma delas mora em São Paulo e já nos visitamos. Ela veio a Minas e eu a levei ao Inhotim e também percorremos as cidades históricas”, relata. 

Morando só, Vanusa ocupa sua rotina com diversas atividades para não se sentir sozinha e seus hábitos de consumo também são impactados por seu estilo de vida. “Participo de grupos de literatura e faço ginástica no MInas Tênis Clube, onde almoço quase todos os dias. Não faz sentido cozinhar só para mim, então prefiro gastar cerca de R$ 400 por mês com a praticidade de comer fora”, garante. 

“Procura-se um amigo”

E se, no lugar de viajar com um desconhecido, você preferisse “alugar um amigo” no seu destino turístico? Essa foi a ideia que a jornalista Alice Moura teve, há mais de 10 anos, quando morou na Europa e percebeu que era muito mais divertido “dar rolê” nos locais onde ela conhecia alguém. Assim, surgiu a plataforma Rent a Local Friend - algo como “alugue um amigo local” - que reúne viajantes de 65 países. 

“O projeto nasceu inicialmente mais como um blog, uma rede social com o objetivo de conectar turistas a cidadãos locais que pudessem apresentar a cidade. A coisa foi crescendo e acabamos virando um negócio. A pessoa paga US$ 35 (cerca de R$ 192) por ano e pode se oferecer para ser o anfitrião ou contratar um amigo”, explica. 

A partir daí, o “amigo local” determina o valor que deseja receber pelo serviço ou faz uma permuta com o turista, que pode ensinar alguma atividade, lavar a louça ou oferecer uma futura hospedagem ao anfitrião. De acordo com Alice, a plataforma hoje conta com quase 4 mil pessoas cadastradas. Em uma conta simples, isso é equivalente a uma receita de R$ 768 mil por ano para a plataforma, ou, R$ 64 mil por mês. 

“Nosso plano é expandir os negócios na América Latina e aumentar em três vezes o número de usuários. Nosso grande diferencial é a humanização, estamos indo na contramão da onda de inteligência artificial. Roteiro de viagem muitos aplicativos já fazem, nossa aposta é nos encontros, na criação de laços e na forma ‘artesanal’ de viajar”, garante.