Você já pensou em pagar para jantar com desconhecidos? A situação, que pode parecer apavorante para alguns, tem instigado clientes a frequentarem restaurantes de algumas capitais do país - como Belo Horizonte e São Paulo - em busca de conhecer pessoas novas ou experimentar algo diferente. O jantar é apenas um entre os inúmeros exemplos de produtos que fazem parte de um movimento que tem sido chamado de “economia da solidão” - uma série de serviços voltada para consumidores que se sentem sozinhos em seu dia a dia ou em situações específicas. O pacote inclui agências de viagem para solteiros e "aluguel de amigos"

Um levantamento realizado pela BALT, empresa de pesquisa de tendências, em conjunto com a faculdade de negócios ESPM, aponta que o volume crescente no número de pessoas que vivem sozinhas tem trazido oportunidades de negócios e necessidades específicas desses consumidores. De acordo com Ana Catarina Holtz, sócia da BALT, são diversos os exemplos de produtos e serviços que se encaixam na “economia da solidão”. 

“Podemos citar o crescimento do mercado pet e o surgimento dos robôs que emulam animais de estimação. Também podemos citar o aplicativo Replika, em que o cliente configura um personagem para poder conversar e conviver, ou aplicativos de namoro, como Tinder ou Grindr. Para quem se sente sozinho, aparelhos para a casa como Alexa e Siri são capazes de manter conversas superficiais e responder perguntas”, afirma.  

Para se ter uma ideia do quanto os brasileiros interagem com a Alexa, dados referentes a 2024 da Amazon revelam o aparelho recebeu 12 milhões de elogios de clientes, como “Eu te amo” e “Você é a melhor assistente virtual”. Além disso, a Alexa também recebeu “bom dia” mais de 65 milhões de vezes.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a solidão vem deixando de ser vista como um problema pessoal para se tornar uma questão de saúde pública. A organização já declarou que vivemos em uma “epidemia da solidão” e que o sentimento pode trazer danos à saúde. Já um levantamento da Meta e do  instituto de pesquisa Gallup em 142 países revelou que 25% das pessoas no mundo se sentem só. No Japão e na Inglaterra, chegaram a ser criados “Ministérios da Solidão” para tratar do tema. 

A especialista também esclarece que, por ser um mercado muito pulverizado, não há um número exato de quanto a “economia da solidão” movimenta no Brasil ou no mundo. Porém, dados isolados de empresas podem dar uma dimensão do negócio. A Match Group, do aplicativo de relacionamentos Tinder, faturou cerca de US$ 475 milhões (cerca de R$ 2,6 bilhões) no segundo trimestre de 2023, um aumento de 6% em relação ao ano anterior. 

O levantamento da BALT também revela que as plataformas digitais destinadas a encontros e relacionamentos - como Tinder, Grindr e Bumble - devem atingir os US$ 4.3 trilhões (cerca de R$ 20 trilhões) de faturamento até 2027.

Ana ressalta ainda que a pandemia, com efeitos sentidos até hoje, também aumentou o sentimento de solidão e, consequentemente, aumentou a demanda por serviços relacionados ao bem-estar e saúde mental. “Podemos citar a telemedicina, que também abriu caminho para a terapia online, e os aplicativos de exercício físico”, detalha. 

Estar sozinho não é se sentir só 

É importante ressaltar, entretanto, que solidão e solitude possuem significados distintos. Uma pessoa que mora ou costuma sair sozinha não necessariamente se sente solitária. Enquanto a solidão é o sentimento de se sentir sozinho (mesmo que tenha pessoas por perto), na solitude a pessoa se sente bem em estar só e consegue aproveitar da própria companhia, não se sentindo sozinho de fato. 

É o caso da corretora de imóveis Tereza Brant, de 39 anos, que realizou o sonho de sair da casa dos pais em 2019 e foi morar em um apartamento de um quarto no Condomínio Flat Savane - composto majoritariamente de solteiros. Segundo ela, é difícil ali bater um sentimento de solidão, uma vez que ela trabalha fora o dia todo e “é um alívio chegar em casa no fim do dia e não ter ninguém”. 

“Também temos um grupo de WhatsApp e é comum que algum morador faça um churrasquinho na área comum e convide a galera para socializar. O ex-síndico fez até uma pequena boate na cobertura em que mora e sempre tem festinha lá. É um equilíbrio bom entre estar sozinha e acompanhada em alguns momentos”, garante. 

O desejo de morar sozinha não faz parte apenas da sua vida pessoal. Em sua carreira, Tereza relata que tem crescido a procura dos clientes por apartamentos de apenas um quarto - algo que, para ela, não era comum há alguns anos atrás. “Também percebi que a oferta desse tipo de moradia aumentou. Quando decidi me mudar não era tão fácil achar.”

A percepção da corretora faz sentido. De acordo com levantamento da plataforma QuintoAndar, o preço dos apartamentos de um quarto em BH voltou a registrar uma aceleração em 2024. A alta acumulada em um ano, fechada em junho, é de 15,2%. 

“Os dados refletem uma procura maior por esse tipo de imóvel. O fato de BH ter um estoque menor de apartamentos pequenos faz com que a demanda aquecida jogue o preço para cima. Nossos dados também mostram que só 10% dos imóveis na Região Metropolitana de BH têm apenas um quarto. O percentual é bem inferior ao registrado no Rio (27%) e em SP (26%)”, explica o gerente de dados Thiago Reis.

Outro levantamento, do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de Minas Gerais (Sinduscon-MG), que levou em conta apartamentos de 1 quarto com área média de 41 m² em BH e Nova Lima, revela que foram lançadas 230 unidades entre janeiro e abril de 2024. No mesmo período foram vendidas 298 apartamentos e 262 continuam disponíveis para venda. 

Flávia Vieira, diretora da Orcasa Netimóveis, afirma que tem percebido um movimento de jovens na casa dos 30 anos, com situação financeira estável, que se mudam dentro da própria cidade para sair da casa dos pais e alcançar sua independência. “As construtoras têm olhado para isso. Ao fazer apartamentos menores, elas aumentam as áreas sociais e projetam sauna, área de lazer, lavanderias e até coworkings”, afirma. 

Para Tereza, que já realizou o desejo de sair de casa, a decisão de não dividir seu espaço, porém, também implica em não dividir as contas. Com um custo mensal de R$ 2.700 - só com aluguel, condomínio e IPTU - ela diz que tenta economizar nas outras áreas da vida. 

“Sou autônoma, então preciso garantir esse equilíbrio. Uma das coisas que mais traz economia é não pedir delivery, tento cozinhar em casa o máximo possível. Para facilitar, o açougueiro já separa as porções de carne em saquinhos. Guardo tudo no freezer e vou descongelando no dia a dia”, diz. 

Varejo para o “mercado single”

Além do segmento imobiliário, a legião de pessoas que moram sozinhas ou são solteiras também causa impacto no varejo. É o chamado “mercado single”, ou mercado para solteiros, que estimula as empresas a adotarem estratégias específicas para captar esse público. De acordo com dados do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), representam 5,84% da população total e 13% do total de domicílios do país.

Augusto Teixeira, gerente de marketing e negócios digitais do Grupo Supernosso, afirma que a tendência da vez é o consumo da praticidade. “Não conseguimos saber se a pessoa mora ou não sozinha. Mas, percebemos um aumento nas vendas de produtos prontos ou pré-preparados, como os sanduíches naturais e legumes já picados. Assim, adaptamos nosso mix e passamos a aumentar a oferta de determinados produtos, como os congelados e os pães e pizzas pré-assados”, explica. 

A Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) estima que esse público movimente R$ 85 bilhões por ano com alimentos e bebidas e também aponta que essas pessoas estão cada vez mais conscientes do desperdício alimentar e optam por comprar apenas o necessário, aproveitando ao máximo os alimentos que adquirem.

“O uso de aplicativos de entrega de alimentos também tem crescido significativamente entre pessoas que moram sozinhas, devido à conveniência e à vasta gama de opções disponíveis”, afirma a associação. 

Já a Kantar, especializada em dados e insights do mercado, aponta que a transformação dos domicílios impactou o tamanho médio das embalagens. “Ao olhar um produto específico, como o leite em pó, é possível notar que os lares de uma ou duas pessoas preferem embalagens menores, com crescimento de 5% nas vendas entre 2022 e 2023. Na média, as embalagens menores representam 40% do total de embalagens compradas por esse público”, afirma a empresa.