As próprias companhias aéreas projetam que serão processadas 250 mil vezes em 2024 — uma média de 685 ações judiciais por dia. O número cresce desde 2020 e, segundo a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), custa R$ 1 bilhão às empresas. Ela culpa o marketing digital, as empresas que compram direitos de processo e diz que o serviço prestado pelas companhias não justifica esse volume de reclamações na Justiça. A própria Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), responsável por regulamentar o setor, afirma que tantos processos deixam a passagem mais cara.

Para o advogado especialista em direitos dos passageiros Rodrigo Alvim, produtor de conteúdo sobre o tema nas redes sociais, as empresas exageram sobre os efeitos dos processos contra elas. Alvim lembra que, de acordo com dados da Anac, o custo total das aéreas no Brasil foi de R$ 58,2 bilhões  — para honrar decisões judiciais, R$ 1 bilhão. O advogado coloca em dúvida se uma redução do bilhão gasto com processos — que incluem também as acusações ambientais e trabalhistas, além das reclamações de passageiros — reduziria o preço da passagem.

Ele sugere uma conta hipotética. Se todo esse bilhão gasto em processos deixasse de ser pago e fosse dividido entre todas as 112,6 mil passagens vendidas em 2023, cada uma ficaria pelo menos R$ 8,88 mais barata. “Na prática, isso nunca será repassado como desconto, isso nunca acontecerá e não haverá ninguém fiscalizando isso. Se houver qualquer desconto, será imperceptível frente à tragédia que seria a perda de direitos, a redução de condenações e uma carta em branco para as companhias fazerem o que quiserem com os passageiros no Brasil. Se com processo já é assim, imagina com impunidade”, comenta Alvim.

Nessa quarta-feira (29/08), a Anac e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) assinaram um acordo de cooperação técnica para trocar informações sobre os principais conflitos entre clientes e companhias e reduzir a judicialização do setor no Brasil. Ao mesmo tempo, também nessa quarta, a Câmara dos Deputados aprovou a Lei Geral do Turismo. Inicialmente, ela previa a redução do teto das indenizações a passageiros, mas essa cláusula foi retirada do projeto.

Empresas que compram direitos de processo contra aéreas entram na mira da Anac

Nesta semana, viralizou o tuíte de uma mulher que conta que, após um atraso de três horas de um voo, cadastrou-se em uma plataforma de compra de direitos de processo e, em dez minutos, recebeu um ressarcimento.

A história se passa na Europa, mas, no Brasil, empresas similares são o principal alvo de críticas da Abear e da Anac. Essas plataformas compram ativos judiciais — isto é, a possibilidade de entrar com um processo contra a companhia aérea. Em geral, funciona assim: o passageiro sofre um dano, como o atraso de um voo, e, em vez de ele próprio entrar com um processo, fornece seus dados e conta sua história a uma dessas empresas. Ela paga um valor a ele na hora e, depois, segue com o processo por conta própria.

Para a Abear, essa é uma “litigância predatória”. “Por trás dos processos, existe um provável esquema envolvendo ferramentas de marketing digital, captação irregular de consumidores, compra de créditos judiciais e comércio irregular de vouchers de viagens”, diz, em nota. Na prévia de um estudo divulgada neste mês, ela analisou 400 mil processos e concluiu que 10% das ações ajuizadas contra as quatro maiores companhias aéreas foram realizadas por 20 escritórios de advocacia.

Ela justifica que, em 2023, apenas 3% dos voos foram cancelados e 85% pousaram pontualmente. “Ou seja, o índice de judicialização no setor é anormal e desproporcional em relação a outros países”, diz. Ela cita um dado de 2019, que compara o número de ações no Brasil (uma a cada 227 passageiros) ao dos EUA (uma a cada 1,2 milhão de passageiros).

O advogado Rodrigo Alvim completa que, diferentemente dos profissionais do direito, que têm restrições mais rígidas sobre o uso de marketing, essas empresas aproximam-se dos clientes com anúncios patrocinados, por exemplo. Ele defende, ainda assim, o direito de os consumidores continuarem a lutar por cada direito e acionar a Justiça contra as companhias aéreas.

Quer entender como agir contra problemas como voos atrasado, cancelado ou com overbooking? O TEMPO explica nesta reportagem sobre os direitos dos passageiros