Com exceção do trio “política, religião e futebol”, poucos assuntos dividem tanto os brasileiros quanto o horário de verão. Enquanto alguns anseiam pelo retorno da medida, extinta em 2019 pelo governo de Jair Bolsonaro, outros torcem para que tudo permaneça na mesma. Fora do terreno da “opinião pessoal”, a volta do horário de verão foi recomendada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para evitar um possível apagão no país por causa do baixo volume de chuvas neste ano. A medida também poderia reduzir até 2,9% da demanda máxima, gerando uma economia de R$ 400 milhões entre outubro e fevereiro, nos cálculos do governo. 

O estudo foi apresentado ao Ministério de Minas e Energia (MME) e agora cabe ao Planalto resolver se adotará a medida ou não. No entanto, antes mesmo de qualquer decisão, setores da sociedade se dividem. Enquanto bares e restaurantes projetam aumento nas vendas, especialistas alertam que adiantar o relógio em uma hora pode acarretar danos à saúde e aumentar o risco de acidentes de trabalho. É o que aponta João Gabriel Pio, gerente de economia da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg). 

“A mudança no ciclo do sono pode causar cansaço, irritabilidade, prejudicar a produtividade e elevar o número de acidentes de trabalho. Um estudo publicado no Journal of Applied Psychology revelou que, em média, houve 3,6 ferimentos a mais nas segundas-feiras após a mudança para o horário de verão, em comparação com outros dias nos EUA, reforçando os impactos negativos dessa adaptação”, diz. 

Especialistas alegam que horário de verão podem aumentar acidentes de trabalho. Foto: DedMityay/ iStockphoto

A visão é corroborada por Walnéia Cristina de Almeida, presidente da Associação Mineira de Medicina do Trabalho e diretora da Associação Médica de Minas Gerais (AMMG). Segundo ela, os efeitos podem durar até duas semanas e incluem sonolência, dor de cabeça e presenteísmo - quando um trabalhador comparece ao trabalho, mas não consegue se dedicar às suas tarefas

“Até que ocorra a adaptação, o cansaço e a diminuição da atenção podem propiciar aumento de acidentes de trabalho. É importante que as empresas propiciem mecanismos de conscientização e sensibilização dos trabalhadores sobre o tema”, alerta. 

Fora do ambiente de trabalho, Pio alerta ainda que também aumentam os riscos de acidentes de trânsito, especialmente nos primeiros dias. “Estudos publicados no New England Journal of Medicine e no USClaims mostram um aumento de 6% a 8% no número de ocorrências. Apesar de não haver estudos brasileiros, as evidências internacionais mostram que a mudança no horário pode trazer riscos à segurança”.

Do outro lado da mesa, donos de bares e restaurantes não veem a hora de adiantar o relógio. “Para nós, essa volta é muito positiva. Ganhamos uma hora a mais de luz, incentivando os happy hours e estimulando os clientes a tomarem um chopinho”, argumenta o empresário Diogo Manfredini, sócio do Porks e do Quermesse.

Comerciantes alegam que uma hora a mais de sol aumentaria o consumo. Foto: Flavio Tavares / O Tempo 

Segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), a estimativa é que o horário de verão eleve o faturamento do setor em até 15%. “Além disso, o horário de verão contribui para a redução do consumo de energia”, afirma Paulo Solmucci, presidente da entidade.

Essa visão é compartilhada pelo empresário Vitor Cestaro, um dos sócios do All Mar, restaurante especializado em frutos do mar localizado na região da Pampulha. Apesar de não estimar quanto economizaria na conta de luz, ele afirma que “o período extra de luminosidade” ajudaria nas despesas. “Além disso, a noite de BH mudou muito nos últimos anos. O público 30+, que é o foco do meu restaurante, tem preferido eventos diurnos”, diz. 

Economiza. Mas, compensa?

Outro ponto levantado por especialistas é se a economia projetada pelo ONS, que gira em torno de R$ 400 milhões, compensaria os transtornos causados. Alexei Vivan, diretor presidente da Associação Brasileira das Companhias de Energia Elétrica (ABCE) e presidente do Sindicato das Indústrias de Energia do Estado de São Paulo (SindiEnergia), argumenta que, na prática, adiantar o relógio não faz diferença no bolso do consumidor. 

"O horário de verão não interfere no valor da conta de energia ou da tarifa. A conta ficará mais barata somente se o consumidor economizar no uso de equipamentos elétricos. A economia no consumo de energia com o horário de verão é residual. O principal objetivo é a preservação do sistema elétrico, que é bastante exigido no horário de pico de consumo (ou de demanda de energia)", afirma.

Wadaed Uturbey da Costa, professora do departamento de engenharia elétrica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), vai além e questiona a importância da economia diante dos outros problemas que o setor elétrico brasileiro enfrenta. 

“É claro que é um valor considerável, economizar é sempre bom. Mas, temos outros problemas maiores. Um deles é a falta de investimentos em linhas de transmissão, que poderiam trazer energia de outros estados para cá, por exemplo. O Brasil tem muitos recursos naturais, mas a extensão do território é um desafio. É preciso aumentar a eficiência da operação.”

Demanda extra para a tecnologia

Além dos efeitos na saúde e do aumento do risco de acidentes de trabalho, a volta do horário de verão também vai implicar em trabalho adicional para profissionais da área de tecnologia. “Dispositivos que não estão conectados a nenhuma rede precisarão ter seus horários alterados manualmente pelo operador, o que vai implicar em custos adicionais para a empresa”, explica Euclides Chuma, membro sênior do Instituto de Engenheiros Elétricos e Eletrônicos (IEEE) e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Ele aponta que equipamentos na indústria também podem precisar desta atualização de data e hora de forma manual. “Nesse caso, há custos ainda maiores, uma vez que isso precisa ser feito muitas vezes, máquina por máquina, já que esses equipamentos não estão conectados à rede.” Já os dispositivos conectados à redes podem ter seus horários atualizados automaticamente. “Porém, desde que eles estejam habilitados para isso”, alerta. 

Preocupação nas alturas: medida cria mais fusos horários no Brasil 

Nas regiões Norte e Nordeste, entretanto, o discurso é oposto. Como não há horário de verão nesses locais, entidades argumentam que o retorno da medida acarretaria prejuízos - uma vez que aumentaria ainda mais a diferença de horário em relação às outras regiões. 

"Se tivermos horário de verão, que seja em todos os estados. Já temos dificuldade em contatar fornecedores dos estados com mesmo fuso horário de Brasília. Com o retorno do horário de verão, o Acre ficará com 3 horas a menos que outros estados. Vamos ter prejuízos, principalmente, no que diz respeito a contatos com fornecedores", afirma a nota da Associação Comercial, Industrial, de Serviço e Agrícola do Acre (Acisa). 

A lista dos descontentes também conta com as associações de empresas aéreas, que classificam o retorno do horário como “tempestivo”. As entidades defendem um prazo mínimo de 180 dias, entre a publicação do decreto e o início efetivo da mudança, para que as companhias consigam fazer as adaptações necessárias.

“A entrada súbita do horário de verão causará alterações de horários em cidades brasileiras e internacionais que não aderem à nova hora legal de Brasília. Isso mudará a hora de saída e chegada dos voos, podendo gerar a perda do embarque pelos clientes por apresentação tardia e eventual perda de conectividade", afirma a nota.

Entre as adaptações necessárias, as entidades citam reprogramação de voos, acomodação de última hora e alterações de planos de viagem dos passageiros. Outros impactos diretos afetarão a escala de tripulantes, a disponibilidade de slots e a capacidade dos aeroportos, principalmente aqueles com restrições e escassez na alocação de novos horários.

Com informações da Folhapress e Agência Estado 

Como os estados ficam com quais horários com o horário de verão?* 

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Acre

*Observatório Nacional