O Carnaval abre uma via de mão dupla no turismo de Minas Gerais. Por um lado, aumenta o fluxo de turistas hospedados nos hotéis da capital, que se transforma em uma festa a céu aberto por dias seguidos. Por outro, belo-horizontinos insatisfeitos com a folia escapam da cidade e se hospedam em outros municípios mineiros para se refugiar. Nesse vai e vem esperado para o início de março, ganham tanto os hotéis de BH quanto os do interior, que preveem alta ocupação e escalada do faturamento em 2025.
A empresária Camila Ferreira, de 36 anos, é um exemplo desse movimento. Ela viajará de Três Corações, no Sul de Minas, para BH e decidiu garantir a reserva do hotel alguns meses antes da folia. “Vou ficar em um hotel na Savassi. Me planejei para ficar em um quarto melhor e pagar menos, porque, no ano passado, fechei de última hora, e o lugar não era tão bom. São Paulo está mais perto da minha cidade, mas BH me pega pela segurança e por aquela coisa acolhedora de Minas, mais próxima das minhas raízes”, diz ela. Sua previsão de gastos com a viagem é de R$ 3.000 a R$ 3.500.
Camila incorpora uma tendência assinalada pelo setor hoteleiro de Belo Horizonte. Diferentemente de anos anteriores, os hóspedes têm feito reservas com meses de antecedência. A mudança é sinal da consolidação do Carnaval de BH, que se firma não mais como uma opção de última hora para os curiosos, mas um destino tradicional da folia no Brasil, na visão do consultor hoteleiro da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis de Minas Gerais (ABIHMG), Maarten Van Sluys.
“Em novembro, começamos a perceber uma busca interessante para o Carnaval. Alguns hotéis já estão com quase 70% de ocupação para o período. Ficamos com 58% de ocupação em BH no Carnaval passado e podemos chegar a 75% neste ano. Na zona Sul, com certeza bateremos 90%. O Carnaval de BH está ficando mais consolidado na agenda dos brasileiros”, detalha.
A expectativa de hotéis localizados mais perto do epicentro da folia, na região central de BH, é que as vagas se esgotem. No hotel Dayrell, na rua Espírito Santo próximo à avenida Afonso Pena, 80% dos 215 quartos estão reservados, segundo o supervisor de hospedagem, Allyson Miranda. “Este ano está atípico, até pelo Carnaval ter ido para março, o que fez o pessoal ter mais fôlego econômico após o final do ano”, pondera ele. O preço médio da diária no Dayrell é R$ 700, de acordo com o supervisor.
O Carnaval é o ponto máximo do turismo de lazer em BH, que também ganha fôlego com os festivais de música da cidade. Na folia de 2024, 262 mil turistas visitaram a cidade, e a movimentação econômica na capital foi de R$ 943 milhões, segundo a Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte (Belotur). O gasto médio de cada visitante com hospedagem foi de R$ 1.250,28. Para este ano, a expectativa da Belotur é uma movimentação de R$ 1 bilhão.
Um desafio da hotelaria — e da cidade — é manter os turistas por mais tempo em BH. De acordo com um levantamento amostral da Belotur, quase 29% dos visitantes passaram quatro diárias na cidade. Para o consultor Maarten Van Sluys, o percentual precisa aumentar.
“Os nossos hotéis não têm muita cultura de venda de pacotes de três, quatro diárias, porque a programação do Carnaval de BH é mais ou menos igual todos os dias. Para a pessoa ficar os quatro dias aqui, precisa de outros atrativos, como atrelar a uma visita ao Inhotim ou a alguma programação gastronômica”, diz.
Saída de Brasília, a servidora pública Rafaella Penedo, 41, reservará somente uma diária em um hostel de BH, e nos demais ficará na casa de uma amiga. Será seu primeiro Carnaval belo-horizontino, conta: “gosto do povo de BH e da animação da galera. Fazia tempo que eu tinha vontade de ir, porque vi que o Carnaval está crescendo. Ainda não tenho a programação, vou deixar para saber lá”.
De malas prontas para deixar BH no Carnaval
Do outro lado da moeda do turismo no Carnaval, estão belo-horizontinos em busca de sossego que arrumam as malas e deixam a cidade durante a folia. A Associação Mineira de Hotéis de Lazer (AMIHLA), que representa 30 das maiores empresas mineiras da área, projeta que a ocupação chegará a 100% neste ano, após gravitar em torno de 92% em 2024.
“A maioria dos turistas é de BH buscando opções no interior. É uma tendência que tem se consolidado nos últimos anos, e recebemos pais com crianças e pessoas da terceira idade. São quase sempre hóspedes que buscam o pacote completo de hospedagem no Carnaval”, diz o presidente da entidade, Alexandre Santos.
O último Carnaval que o casal de produtores de conteúdo Marcella Maia, 31, e Flávio Sapori, 41, passou em BH foi em 2020, quando os dois tinham uma lanchonete na região central que mantiveram aberta para os foliões. Agora, especialmente após o nascimento do filho do casal, Henrique, de três anos, a opção da família durante a folia é escapar para hotéis-fazenda. “Para nós, o Carnaval é um feriado. Aproveitamos para descansar em família e criar memórias”, diz Marcella.
Família de Flávio e Marcella ainda define o destino do Carnaval em 2025. (Crédito: FlávioTavares/O Tempo)
Uma boa temporada no Carnaval pode compensar o movimento fraco da primeira quinzena de janeiro, quando as fortes chuvas que atingiram o Estado afugentaram os hóspedes. É a esperança do sócio proprietário do Hotel Fazenda Igarapé, na região metropolitana, Filipe Fernandes. “Esperamos lotação máxima. A maioria dos hóspedes é de BH querendo um lugar perto. Estamos a 45 km da capital”.
Cidades históricas tentam atrair público magnetizado pela folia de BH
O equilíbrio da balança entre o Carnaval de BH e do interior de Minas ficou mais delicado na medida em que a dimensão da folia da capital aumentou. Agora, as prefeituras tentam reforçar a identidade da festa nas cidades históricas. “O que não podemos esquecer é que foi nelas que o Carnaval de Minas se consolidou, durante décadas, quando não havia Carnaval em Belo Horizonte e nem nas cidades dos grandes centros urbanos. Nosso Carnaval tem uma demanda própria, um público próprio, que, mesmo com a diminuição do público jovem, não afetou nossa ocupação na rede hoteleira e nem em serviços. Podemos dizer que essa demanda até ficou mais seleta nos últimos anos”, avalia o presidente da Associação das Cidades Históricas de Minas Gerais (ACHMG), Wirley Reis.
O secretário de Cultura e Patrimônio Histórico de Diamantina, Alberis Mafra, confirma a diminuição de público. “Diamantina sofre impacto do Carnaval de rua não só de BH, mas do Rio e de São Paulo, que têm ganhado força”. Em 2024, o choque foi mais acentuado, e o público despencou após a retirada da folia do centro histórico do município, segundo ele. “O público teve uma boa diminuição e chegou a 5.000 foliões por dia. Para este ano, esperamos um aumento para 20 mil, próximo ao habitual”.
O investimento na folia deste ano gira em torno de R$ 3,5 milhões, com previsão de uma movimentação de R$ 10 milhões no município, estima Mafra. A cidade é uma das dezenas de municípios mineiros que decretaram situação de emergência devido às chuvas de janeiro, um alerta que, na visão de Mafra, não interferirá no Carnaval diamantinense.
Já em Santana do Paraíso, no Vale do Aço, o que começava a se tornar uma data importante no calendário municipal foi interrompido devido às chuvas. “O Carnaval não é tradição na cidade, tem dois anos que realizamos a festa temática com shows. Agora, cancelamos o Carnaval, um festival gastronômico e a festa de aniversário da cidade. Temos que escolher prioridades, e a nossa é cuidar das pessoas e voltar à normalidade”, explica o prefeito, Bruno Morato (Avante).