O presidente do Conselho de Administração da Rede Mater Dei de Saúde, Henrique Salvador, será empossado, nesta sexta-feira (14), como Membro Titular da Academia Nacional de Medicina (ANM). O médico especialista em ginecologia e mastologia ocupará a vaga da Cadeira nº 61, na Secção de Cirurgia, que tem como patrono Luís da Cunha Feijó, pioneiro na prática da cesariana no Brasil.
Portador de um currículo extenso, aos 66 anos, Henrique Salvador, filho de José Salvador, fundador do Mater Dei em Belo Horizonte, possui uma trajetória de estudos, pesquisas e diversas contribuições para a medicina. Com mais de 1.200 participações em eventos nacionais e internacionais, possui mais de 241 publicações, incluindo 12 livros nas áreas de ginecologia, mastologia e gestão. Antes de presidir o Conselho, foi diretor do hospital por 30 anos e atuou para o crescimento da rede Mater Dei, que, em suas mãos, passou de uma para nove unidades, incluindo outros estados, como Bahia e Goiás.
À reportagem de O TEMPO, Salvador conta um pouco de sua trajetória e fala sobre a honraria que é receber o título de Imortal da ANM.
Dr. Como a gente pode dar dimensão da relevância desse título? É a honraria máxima que um médico pode receber?
Hoje eu ouvi um médico muito conhecido num grupo de médicos dizendo que ser membro titular da Academia Nacional de Medicina é o topo da carreira de um médico. Estavam se referindo à minha eleição. Na verdade não é nomeação, é uma eleição, né? A Academia é uma entidade muito respeitada no Brasil. Fundada em 1829, por Dom Pedro I, é uma entidade quase bicentenária. E ela foi fundada com o objetivo de assessorar o governo na época, em questões relacionadas à área médica. Existia já a academia de medicina da França, de Paris, e um médico brasileiro, estando lá, viu a importância da academia na época na França e fundou a Academia Nacional de Medicina, que já teve outros nomes antes. Ela chegou a se chamar Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, depois Academia Imperial de Medicina e, por fim, quando o Império caiu e veio a República, ela passou a se chamar Academia Nacional de Medicina. Ao longo das décadas, o que a academia sempre fez foi emitir pareceres e assessorar os governos. Por exemplo, agora, por ocasião da pandemia, 5 anos atrás, a academia foi muito ativa (...) são 100 cadeiras para acadêmicos titulares. No momento, o único mineiro sou eu. Eu estou sucedendo o professor Alcino Lázaro da Silva, que era um cirurgião geral muito respeitado no Brasil inteiro, professor titular de cirurgia da UFMG.
Como é o processo para entrar?
Existem eminências médicas que fazem parte hoje da academia e, realmente, é muito difícil de entrar, não é fácil, é um processo longo, em que a gente tem que apresentar um memorial com currículo, com história de vida. A gente apresenta também um trabalho científico inédito. Na verdade, realmente, de tudo que eu já fiz na minha vida, talvez seja um dos principais passos, se não o principal na minha carreira, porque, depois de 42 anos de formado, essa é a primeira oportunidade para que eu possa contribuir de alguma forma para essas discussões mais estratégicas da saúde no Brasil. Segundo, é uma oportunidade para que eu mesmo possa me atualizar permanentemente. Terceiro, uma oportunidade também para fazer um link entre tudo aquilo que o Mater Dei fez durante décadas, na área da formação médica, indo muito além de ser uma entidade simplesmente prestadora de serviços hospitalares para ser realmente uma entidade na vanguarda do atendimento médico hospitalar do Brasil. Eu acho que até sobre esse aspecto tem esse simbolismo também que eu acho importante. Então, eu fiz o concurso, fui aprovado em outubro, depois a academia entrou em recesso, voltou agora em março as atividades e agora será a minha posse.
O senhor falou sobre um trabalho científico inédito. Qual foi esse trabalho?
Para o câncer de mama e cirurgia da mama, nós fizemos uma comparação entre radioterapia aplicada durante a cirurgia e radioterapia aplicada após a cirurgia. É um trabalho que já tinha sido realizado na Europa, nos Estados Unidos e em outros países, uma técnica que outras instituições usam, mas nós iniciamos o uso dela aqui em 2008.
Quando alguém recebe um título, ocupa uma posição, vem junto responsabilidades. Quais são suas atribuições a partir de agora, as suas responsabilidades?
O que se espera de um acadêmico é que, primeiro, seja presente nas atividades da academia. Segundo, que possa contribuir, na sua área de expertise, com dados e com informações para poder permitir que outros especialistas acompanhem os avanços na sua especialidade. O que se espera é principalmente isso, que haja uma participação efetiva nas atividades e na produção que a academia realiza.
É mais uma forma também de compartilhar experiências, pesquisas, dados, né?
E é interessante porque o processo de admissão de um acadêmico, além desses dois, que é o memorial e o trabalho científico, faz parte também uma visita a cada um dos acadêmicos, é um processo semelhante ao que ocorre na Academia Brasileira de Letras [...] Nessas visitas, na verdade, cada um dos acadêmicos que teve oportunidade de votar ou não na minha entrada, eles procuram conhecer o candidato e entender se os valores do candidato estão alinhados com os valores da academia, porque uma das funções da academia também é ser guardiã dos valores da atividade médica. Na verdade, esse conhecimento mútuo é importante também, porque a gente passa a conviver muito proximamente, seja em atividades científicas, seja em atividades sociais, em atividades associativas, com os demais acadêmicos.
O senhor fez parte da equipe do primeiro bebê de proveta em Minas. O senhor deve considerar um marco na carreira, mas esse foi o marco ou há um outro momento nesses 42 anos?
Eu procurei exercer a medicina com foco em cinco fronteiras de atuação. Eu poderia colocar para cada uma delas um marco. A primeira delas é a atividade acadêmica. Eu publiquei centenas de artigos científicos, 12 livros, sou professor livre docente. Depois, a medicina da liderança e da representatividade setorial. Eu fui presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia, que é a principal entidade da minha especialidade no Brasil. Eu fui presidente da Associação Nacional de Hospitais Privados, a Anahp, que é a entidade que congrega 170 hospitais privados no Brasil hoje. Outra questão importante também é a medicina da gestão. Para você ter uma ideia, lá pelos anos 2010, nós lançamos um programa de gestão clínica de levar para a prática clínica indicadores e o modelo de gestão que a gente pudesse objetivamente dizer se aquilo que a gente faz nos hospitais gera valor ou não, através de números, de indicadores e de acompanhamento. E lançamos, inclusive, um livro que chama Gestão de Corpo Clínico: Experiência dos Hospitais da Anahp. Isso foi um marco porque mudou o conceito da gestão clínica em hospitais do Brasil, sabe? Depois, a quarta frente que eu sempre atuei muito intensamente foi a do empreendedorismo. Eu fui diretor médico do Mater Dei durante mais de 30 anos. Quando eu deixei de ser diretor médico para ser presidente do Mater Dei, nós saímos de um para nove hospitais [...]
Sob o aspecto da medicina empreendedora, eu pude atuar bastante, mas, talvez, o mais importante em toda a minha carreira tenha sido da minha atuação clínica mesmo, atendendo as pacientes. No final dos anos 80, não existia tão facilmente como existe hoje os recursos e insumos para realizar a fertilização in vitro, que é o bebê de proveta. Eu e mais dois colegas fomos cada um para um país, eu fui para Alemanha e Canadá, um foi para Inglaterra e o outro para França, e voltamos e montamos um laboratório de fertilização em vitro no Mater Dei. Durante uns 2 anos nós apanhamos muito, até pegar o jeito da coisa. Fizemos o primeiro bebê de proveta de Minas Gerais e, depois, virou até um procedimento corriqueiro.
Mas a outra especialidade minha que eu mais me dediquei ao longo da minha vida foi a mastologia. Eu publiquei nove livros, introduzi técnicas novas no Brasil e Minas Gerais de cirurgia conservadora, seja conservação da mama, seja conservação da axila. A própria radioterapia intraoperatória que eu acabei de citar foi um um dado novo, porque, em vez da mulher precisar de depois da cirurgia ficar vindo 1 mês e meio para fazer aplicação de radioterapia todo dia, com a aplicação única durante a cirurgia, a gente resolvia a questão da radioterapia. Enfim, uma série de ações no campo da mastectomia, a gente introduziu também. Eu atendi milhares de mulheres com câncer de mama.
Minha vida médica é uma vida assim, de muito trabalho, equilibrando vários pratos. Tem a medicina empreendedora também, eu liderei o IPO da Rede Mater Dei. Nós abrimos o capital do Mater Dei na bolsa em abril de 2021. Em cada vertente da minha atuação médica, eu teria marcos.
Uma vida muito intensa, muito rica. Estou com 66 anos, acho que ainda posso produzir muito e pretendo. Essa questão da academia vai ajudar nisso também, vai ajudar que eu continue ativo, produzindo e me sentindo útil.
É aquela máxima, né? Conhecimento bom é aquele que você passa pra frente, né?
Com certeza.
Já que o senhor citou sobre a rede Mater Dei. O hospital é referência para muitas pessoas e, muitas vezes, quando saem listas dos melhores hospitais do Brasil, o Mater Dei está sempre ali, só não figura ainda entre os primeiros. A que você atribui esse espaço que o Mater Dei está ocupando hoje? E o que falta para estar entre os primeiros?
Se você for ver objetivamente, nesses rankings, a qualidade percebida é importante. Nós inauguramos um hospital em Nova Lima muito focado nesse conceito. Ele tem conceitos muito avançados de acolhimento, de hotelaria hospitalar, de automação, para exatamente facilitar a utilização do usuário, muito alinhado com o que existe de melhor no mundo hoje. [...] Recentemente, eu visitei uma rede hospitalar nos Estados Unidos, visitei o serviço de saúde da Holanda. O José Henrique, que é o nosso CEO, está fazendo um curso em Harvard [...] nós sempre tivemos uma visão muito grande com o que acontece no mundo. Não adianta você ficar só muito focado no que está acontecendo a nível local. Você tem que ter um olho muito importante no local, onde presta o atendimento, mas tem que ver muito o que está acontecendo no entorno.
Nós temos uma coisa que é o vírus da inquietude. Nossa empresa é familiar, 80% das ações são de uma família ainda. Nós sempre estivemos à frente do negócio, isso aqui é a nossa vida, a nossa paixão, a gente se dedica fim de semana, feriado, de manhã, tarde, noite [...] quando eu recebo um telefonema no fim de semana, eu aciono imediatamente alguém dentro do Mater Dei para apoiar, nós temos um canal médico que permite isso, eu estou evitando que aquele problema se transforme numa bola de neve e seja muito maior na segunda-feira. Isso implica uma série de acordos que eu tenho que fazer com a minha mulher, com a minha família. É uma opção de vida. Uma atuação mais próxima do paciente. Isso sempre diferenciou o Mater Dei. Esse talvez seja um dos segredos do Mater Dei.
Não adianta o médico ser a maior sumidade técnica do mundo, se, na hora que o paciente precisar dele, ele não estiver disponível, ele não vai conseguir ter sucesso profissional. O meu celular, por exemplo, sempre está à disposição.
Esse é um aspecto que o Materdei sempre procurou desenvolver. A família foi crescendo ao mesmo tempo que o negócio foi crescendo. A família não é mais só a de sangue. A família são pessoas, por exemplo, que trabalham aqui há muitos anos, muitas delas foram formadas aqui dentro. Há pouco tempo, nós fizemos levantamento, mais ou menos 70% das lideranças do Mater Dei foram formadas aqui dentro. São pessoas que entendem direitinho esse conceito, essa filosofia e que atuam conforme. Tem pessoas que trabalham aqui a 10, 20, 30 anos, 40 anos e não é da família Salvador, é da família Mater Dei. Tem médicos aqui que estão conosco desde a fundação. [...]
É um misto do seguinte: primeiro, essa essa paixão pelo negócio, segundo, estar à disposição do cliente, terceiro, investir em qualidade intrínseca do negócio. Os nossos hospitais são certificados por certificadoras internacionais, como a JCI, que é Joint Commission Internacional. Que quer dizer isso? Quer dizer que todo ano vem aqui um grupo de auditores, pegam os nossos processos e vêem se eles estão conforme as melhores práticas mundiais. E nos dá um selo de qualidade. Isso quer dizer que a gente tem menos chance de ter eventos adversos, de errar, de ter indicadores de qualidade assistencial melhor. [...]
Essa cultura de gestão clínica, de gestão do negócio também foi ficando cada vez mais robusta na rede Mater Dei. Isso foi diferenciando o Mater Dei, tornando, inclusive, benchmarking para outras instituições.
Além disso, é oportunidade, a gente identificou que cabia outro hospital em Belo Horizonte, nós fizemos o da Contorno, identificamos que na região de Betim e Contagem cabia um hospital para atender um determinado tipo de público, empreendemos lá. Vimos que Nova Lima tinha oportunidade com o hospital mais elitizado, empreendemos lá. Vimos que em Salvador não tinha há muitos anos o hospital com as características do Mater Dei. Abrimos o capital do Mater Dei na bolsa, com esse recurso compramos cinco hospitais. Então, na verdade, nós fomos construindo as condições para o Mater Dei pudesse ser uma referência hoje. Então, o que nos move é isso. [...]
O senhor citou sobre essa expansão. O que o Mater Dei vislumbra nos próximos anos?
A gente tem a plena convicção que a rede Mater Dei hoje é muito importante na vida de muitas pessoas, né? São 8.500 empregados, 10 mil médicos no corpo clínico, milhares de pessoas que usam o serviço do Mater Dei para tratar da sua saúde e das suas famílias. [...]
Nós temos investido muito em tecnologia, compramos uma empresa de tecnologia chamada A3Data, que é uma empresa de data analytics, inteligência artificial. Ela tem suportado muito as nossas atividades hoje.
Vamos construir a partir do ano que vem um hospital em São Paulo, da cidade de São Paulo, em conjunto com a Bradesco Saúde, na região de Santana, na zona norte de São Paulo, nós vamos construir um hospital de mais ou menos 280 leitos.
Nós estamos em fase de projeto e de aprovação desse projeto. Esse é um dado importante porque o principal mercado do Brasil, não apenas a saúde, mas também em outras áreas, é São Paulo. E a gente precisava ir para lá com responsabilidade. A maneira que nós encontramos foi trazer um operador que é muito respeitado, que é o Bradesco.
Qual é o investimento com esse projeto?
Eu não tenho esses números, porque ainda estamos na fase de projetos. A gente pretende terminar este ano as aprovações na prefeitura, em meio ambiente, Anvisa, para poder iniciar as obras.
Para finalizar, eu vi que a porcentagem de parto vaginal no Mater Dei é quase o dobro do registrado na rede privada. São 39% contra uma média de 24% na rede. Isso é uma questão que o Mater Dei tem trabalhado?
Com certeza, Raissa. Mais ou menos uns dez anos atrás, nós chegamos à conclusão de que era momento de encarar essa questão das cesarianas indiscriminadas de uma maneira mais efetiva. Nós estabelecemos programas muito claros de como lidar com isso. Nós temos uma residência médica em ginecologia obstetrícia que hoje tem 16 residentes só em Belo Horizonte. Esses médicos passam por um programa de formação muito intenso. São três anos de residência em ginecologia obstetrícia. Nós participamos de um programa chamado Parto Adequado da Agência Nacional de Saúde, a ANS, e fomos, inclusive, o hospital que mais partos vaginais fez no Brasil, juntando hospitais privados e públicos. Por quê? De 15 em 15 dias, a equipe de ginecologia e obstetrícia, que hoje tem 50 médicos, se reúne e analisa criticamente os casos. Pega-se um caso de cesariana e analisa aquele caso. Tinha indicação de cesariana mesmo? Por que tinha? Por que foi feito? O que poderia ter sido feito melhor? Isso é gestão clínica, né? Aquele médico que, por acaso, por insegurança ou por qualquer outro motivo, indica a cesariana, cuja indicação não está muito clara, ele passa por uma fase de reciclagem.
[...] Por trás desse indicador de quase 40% que você trouxe, tem todo um trabalho estruturado de gestão clínica.
Ou seja, tem toda uma estrutura, né? Faz parte da cultura e da gestão.
Na verdade, é uma governança clínica. Da mesma maneira que você tem a governança empresarial, você tem a governança clínica, né? Não adianta você ter resultado financeiro diferenciado, você ter resultado de perda de estoque diferenciada, você ter resultado de ciclo financeiro diferenciado, se você não tem resultados assistenciais diferenciados. Isso é o que eu acho que sustenta a organização ao longo do tempo. Isso é que dá consistência com a organização.