Há quem acredite ainda que agropecuária e meio ambiente ficam em lados opostos quando o assunto é desenvolvimento, mas para que o planeta não continue aquecendo e sofrendo cada vez mais por causa das mudanças climáticas, é fundamental entender que os dois setores precisam estar de mãos dadas. Por sinal, tanto ambientalistas quanto líderes do agronegócio hoje entendem que a produção de alimentos pode muito bem deixar de ser apontada como vilã ambiental, para se tornar a maior aliada na luta para a redução na emissão de gás carbônico na atmosfera. 

Federações e associações ligadas à agropecuária devem levar para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima - Conferência das Partes (COP30), que será realizada em novembro, em Belém (PA), as mais diferentes pesquisas, projetos e soluções que mostram como é possível produzir alimentos de maneira escalonada e sustentável, retendo o carbono no solo e limpando um ar tomado por gases produzidos pelas mais diferentes queimas - veículos, indústria, queimadas etc. Afinal, todas as plantas realizam fotossíntese e podem reter carbono em suas raízes e caule durante o processo natural, a partir do gás carbônico absorvido por elas. 

Especialistas explicam que, investindo na ampliação de práticas sustentáveis para agricultores e pecuaristas e todo o país, o Brasil garante melhor rentabilidade para a produção de alimentos e maior resiliência do solo, possibilitando uma maior sobrevivência do cultivo em relação às mudanças climáticas, como chuvas intensas ou estiagem mais forte do que era registrado anteriormente. 

Thais Ferraz, diretora programática do Instituto Clima e Sociedade (iCS), organização filantrópica que apoia projetos de enfrentamento às mudanças climáticas, afirma que o Brasil tem toda a condição de aumentar a quantidade de alimento produzido sem abrir mão de requisitos de sustentabilidade - especialmente se ocupar de forma inteligente os mais de 100 milhões de hectares de áreas degradadas, sem precisar expandir áreas de plantio ou pastagem para onde hoje existe vegetação nativa. 

“Essas áreas podem ser recuperadas com práticas muito mais sustentáveis. Isso pode ampliar o volume de produção do Brasil e já com critérios de sustentabilidade, podendo  agregar ainda mais valor para esse tipo de transação comercial”, afirma Thais, para quem o Brasil pode muito bem liderar um debate internacional sobre a importância da agropecuária para a agenda climática. “Também não se pode esquecer do papel fundamental que o agro tem na garantia do controle do desmatamento, que ainda é o principal impacto em termos de emissões na matriz brasileira”.

De acordo com Kamyla Borges, líder em agricultura sustentável do iCS, uma estimativa da Universidade Federal de Goiás (UFG) indica que o Brasil possui cerca de 179 milhões de hectares de pastagens, sendo que cerca de 60% apresentam algum nível de degradação (108 milhões de hectares). Minas é o estado com maior área degradada (17,2 milhões de hectares), seguido de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.  

A especialista indica que essas áreas podem ser transformadas em áreas sustentáveis e mais produtivas para a pecuária “desde que realizada com uma boa estrutura de manejo, que tenha uma profissionalização, um pasto bem cuidado, que tenha adoção de práticas como rotação das áreas de pastoreio por parte do gado”. 

“Esse rebanho precisa de suplementação com ração, uma boa qualidade vacinal, algum melhoramento genético. Ou seja, um conjunto de cuidados que indicam que essa pecuária está caminhando para uma estrutura de manejo adequada e um manejo que olha também os aspectos de sustentabilidade, como, por exemplo, a redução de metano e assim por diante”, explica Kamyla Borges.

Embora o país já detenha muito conhecimento sobre soluções sustentáveis e tecnológicas para os 108 milhões de áreas degradadas, colocá-lo em prática demanda planejamento. Por isso, o iCS, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e outras entidades se uniram para desenvolver um Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis, publicado no ano passado. 

O documento faz um mapeamento das áreas degradadas a partir de critérios técnicos, jurídicos e climáticos. “Tentou-se fazer algumas avaliações econômicas na perspectiva de avaliar, por exemplo, quais áreas estão bem servidas com frigoríficos. Então, se no raio de 100 km houver frigorífico, isso é um indicativo positivo, econômico de que aquela área tem um bom potencial para a pecuária”, exemplifica Kamyla.

De acordo com Antônio de Salvo, presidente da Federação de Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg), o Brasil pode mostrar ao mundo que possui soluções sustentáveis ao produzir culturas de grande importância comercial, como soja, milho, café, cana de açúcar e eucalipto - além da pecuária bovina. 

“Se existe alguém que pode barrar as mudanças climáticas no mundo e se existe alguma atividade que é a principal responsável para atenuar isso é a agricultura brasileira. Porque nós estamos fazendo isso 365 dias por ano, diferentemente da Europa ou dos Estados Unidos, que produzem num curto período e depois lidam com neve”, afirma o presidente da Faemg. “Nós alimentamos 1 bilhão de pessoas e ainda limpamos o ar”.

Segundo Daniel Trento, coordenador executivo do Grupo de Trabalho da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para a COP30, o debate sobre a agropecuária passou a ter maior relevância na Conferência das Partes em 2023, quando a COP28 foi realizada em Glasgow, na Escócia. 

Agora, o Brasil poderá protagonizar um debate relevante sobre ampliação da agricultura sustentável. A Embrapa, por exemplo, vai levar para a COP30 os resultados de suas pesquisas sobre agricultura de baixo carbono,  lavoura-pecuária-floresta (ILPF), plantio direto, bioinsumos, sistemas florestais na Amazônia, entre outros.

“Boa parte das tecnologias hoje utilizadas na produção agropecuária são com base em ciência, vem com base em muita pesquisa da Embrapa, de institutos de pesquisa e universidades. Isso já chega no produtor e tem feito a diferença”, afirma Trento, garantindo que muitos projetos de adaptação e mitigação já vêm colocados em prática nos últimos anos.

Questão de sobrevivência

Seguir por um caminho sustentável é uma questão também de sobrevivência para o setor agropecuário, justamente por ser o mais afetado pelas mudanças climáticas (como excesso ou falta de chuvas), de acordo com Gabrielle Ferreira Pires, líder do Grupo de Pesquisas em Climatologia Aplicada da Universidade Federal de Viçosa (UFV).

“Por um lado, a gente precisa se adaptar a esse clima, por isso é importante estar atento às questões climáticas e ao rumo que as coisas estão tomando, segundo a ciência. E, por outro, existem as oportunidades relacionadas a contribuir para a mitigação das mudanças climáticas”, diz a professora.

 

Cultivo de soja combinado com eucalipto em Mato Grosso. Foto: Gabriel Faria / Divulgação

Para que a agropecuária possa, ao mesmo tempo, se preparar para o pior e ainda contribuir para mitigação do aquecimento global é preciso pensar em três pilares, de acordo com a especialista: adaptação, mitigação e economia. “Então o que seria a adaptação climática? É considerar que a gente tem um clima adverso e a gente vai continuar dentro nas próximas décadas e a gente precisa se adaptar a essa situação. Muitas decisões precisam ser tomadas no sentido de adaptar os sistemas produtivos. Já a mitigação seria buscar diminuir as emissões de gases de efeito estufa, ou seja, diminuir, reduzir, zerar e até remover o carbono da atmosfera. Mas também tem que ter um pilar econômico, precisa fazer sentido para o produtor, ele precisa ter uma segurança econômica”, conclui.

Para que as adaptações possam ser feitas com sucesso, pesquisas são realizadas em diversas universidades públicas do país. Na meteorologia agrícola da UFV, por exemplo, estão sendo realizadas pesquisas sobre efeitos do desmatamento, múltiplas safras, efeitos das mudanças climáticas no solo, entre outros.

Plantio direto é uma boa solução

Existem várias técnicas para tornar uma propriedade mais sustentável tanto para o meio ambiente quanto para o bolso do produtor, como combinar pastagem para pecuária com o plantio de eucalipto ou promover rotações de culturas. Uma das principais tecnologias empregadas em sistemas sustentáveis, tanto para pequenos quanto grandes cultivos, é a do plantio direto - que consiste em não revolver o solo com arado e aproveitar a matéria orgânica de produções anteriores para retenção do carbono no solo - e reter carbono significa menos gás carbônico na atmosfera e, consequentemente, menos efeito estufa. 

“Quando você tem sistemas que são bem manejados, quando se mantém essa matéria orgânica, a gente pode considerar como carbono neutro ou até com um balanço negativo de carbono, ou seja, está sequestrando mais carbono do que jogando ele para a atmosfera”, explica José Mário Lobo, pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig).

De acordo com o especialista, os microorganismos no solo geram uma “cola” natural que não retém o carbono, mas também a água da chuva, que depois será escoada naturalmente para o lençol freático. “E a gente tenta minimizar outros componentes que podem gerar distúrbios, que são os pesticidas, e diminuir a dependência de insumos externos. Hoje o Brasil é muito dependente da importação de fertilizantes de potássio, nitrogênio e fósforo. Para se ter uma ideia, em 2020, 96% dos nitrogenados eram importados”, argumenta Lobo, apontando ainda que as propriedades que adotam esse sistema agrícola são mais resilientes sobre as mudanças climáticas - ou seja, suportam mais os efeitos das temperaturas altas, das chuvas escassas ou das tempestades. 

Aos poucos, essa técnica vai chegando aos produtores. Em 2021, a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG) deu início ao projeto Construindo Solos Saudáveis, levando o plantio direto para unidades demonstrativas em diversas partes do estado. 

Uma delas é a propriedade do Daniel Capella, de 45 anos, em Itatiaiuçu, na região metropolitana de Belo Horizonte. No fim do ano passado, ele cultivou diversas hortaliças, como alface, quiabo, repolho, vagem e mostarda, usando a técnica ensinada pela Emater. Primeiro ele plantou sementes de leguminosas e usou as plantas para gerar uma “palhada” - a matéria orgânica que deixou o solo poroso e perfeito para semear as hortaliças.

Daniel Capella (à esquerda) recebe capacitação de técnico da Emater-MG. Foto: Rafael Soal/Emater-MG

 

“Estou fazendo a primeira colheita e posso adiantar que a densidade dos repolhos foi muito maior, ou seja, ficou mais pesado. Como o repolho a gente vende no quilo, foi um benefício muito grande para a gente”, relata Capella, acrescentando que percebeu também uma grande economia na hora de adubar o solo no processo. “Usei muito menos esterco”.


O que falta para todo mundo adotar a sustentabilidade?

Se as tecnologias sustentáveis oferecem ao produtor muitos ganhos econômicos, por que todos os agricultores e pecuaristas brasileiros ainda não aderiram às soluções sustentáveis? Para José Mário Lobo, é preciso engajar especialmente os grandes produtores, fazer chegar a eles esse conhecimento. “A gente precisa de capacitação, principalmente de técnicos que podem dar assistência para esses produtores e orientar na adoção dessas práticas. Isso depende de política pública, de mobilizar federações, associações e cooperativas de agricultores”, opina. 

Segundo ele, é preciso acabar com o antigo pensamento que coloca agro e meio ambiente em lados opostos. “As mudanças climáticas estão mostrando para os produtores que se eles não mudarem os modelos mentais, eles vão aumentar a vulnerabilidade em relação aos aos eventos extremos que estão acontecendo por causa das mudanças climáticas”.

Para Kamyla Borges, do iCS, é preciso engajar os produtores através de incentivos econômicos, como o recém-lançado Caminho Verde, um programa nacional de conversão e recuperação de pastagens degradadas. A ideia é que, no final da linha, cheguem ao produtor rural linhas de financiamento atrativas. Para que o produtor possa converter a sua pastagem num uso mais produtivo, sustentável, ou melhorar a qualidade da sua atividade pecuária”, diz a especialista, lembrando que no Plano Safra já existe uma linha de financiamento voltada para recuperação de pastagens. 

Mas Kamyla faz um alerta: o recurso ofertado tem realmente que ser usado para a recuperação ambiental da propriedade, para que não haja perpetuação do problema. “Um estudo recente da Agroícone sobre pastagens degradadas mostra que, a concessão do crédito está indo para a aquisição de gado e para áreas com um alto nível de degradação das pastagens. Então, assim, os bancos e o Plano Safra não estão enxergando de fato a finalidade desse crédito, porque não faz sentido você conceder crédito para aquisição de mais bois, se esse gado vai estar localizado numa pastagem ruim”.

Já o presidente da Faemg, Antônio de Salvo, afirma que os produtores não querem ter propriedades degradadas, mas muitas vezes não se sentem confiantes o suficiente para tomar empréstimo para investir em melhorias nas pastagens. Para ele, os governos precisam fazer os investimentos certos, para que os produtores se sintam incentivados a fazer o mesmo. “Como posso investir, se não sei se a BR-381 vai ser duplicada e vai trazer o que eu preciso para a minha região? Como posso ter confiança em investimento se eu não tenho confiança no que o governo faz, por que ele gasta mais do que arrecada?”, questiona.

Para Daniel Trento, da Embrapa, o  produtor rural é muito pragmático em suas escolhas e isso deve ser levado em conta ao se apresentar propostas a ele. “Essas práticas têm que ter viabilidade e fazer sentido para o seu dia a dia. Incentivos econômicos reais, como acesso a crédito, pagamento por serviços ambientais (PSA), prêmios por produção sustentável e valorização no mercado externo, entre outros mecanismos, são exemplos de como isso é possível”, explica Trento.

O especialista da Embrapa reforça que é fundamental o país investir em assistência técnica e capacitação continuada, porque muitos agricultores ainda desconhecem boa parte das tecnologias. Além disso, deve-se oferecer reconhecimento e valorização social. “Mostrar que quem produz de forma sustentável é protagonista da solução climática, e não vilão. Isso inclui dar visibilidade aos bons exemplos e integrar os produtores aos fóruns de decisão climática. Para isso, ter uma estratégia de comunicação eficaz é essencial, deve-se traduzir os conceitos da agenda climática para a linguagem do campo e mostrar ganhos concretos de produtividade, rentabilidade e resiliência”, completa.

Ações em Minas

Destaque nacional na geração de energia limpa, especialmente solar, Minas também tem investido estrategicamente no setor agropecuário para cumprir a meta de zerar as emissões líquidas de carbono até 2050. Entre os planos estão a aceleração da implementação do Plano ABC+, que prevê não só a recuperação de pastagens, mas também a adoção de tecnologias como integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) e sistemas agroflorestais; o fomento à suplementação alimentar do rebanho, melhoria genética e manejo de dejetos, que são práticas reconhecidas por reduzir significativamente as emissões de metano entérico; e o estímulo à geração de créditos de carbono no setor agropecuário.

“O agro pode e deve ser parte da solução (para os efeitos do aquecimento global), conciliando produção, geração de renda e sustentabilidade climática”, afirma a secretária de Meio Ambiente, Marília Carvalho de Melo, que vai apresentar o que o estado tem feito durante a COP30.