Julho começou com a conta de luz tomando protagonismo no noticiário. A bandeira permanece vermelha, e a tarifa, portanto mais cara, por determinação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Ao mesmo tempo, milhares de famílias em Minas e em todo o Brasil passarão a ficar isentas do pagamento devido a uma nova Medida Provisória (MP) que começa a valer neste sábado (05/07). Paralelamente a todas essas mudanças, caminha uma tendência que não dá mostras de desacelerar: o preço da energia elétrica para as indústrias continua a subir e, desde os anos 2000, aumentou quatro vezes mais do que a inflação.

De 2000 a 2024, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), número oficial da inflação no Brasil, aumentou 326%. Já o custo unitário da energia elétrica paga na indústria escalou 1.299% no mesmo período, segundo um estudo recém-divulgado pela Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace Energia), elaborado pela Ex Ante Consultoria Econômica.

Sem o repasse do custo integral ao consumidor, o resultado é a perda de competitividade industrial. No longo prazo, isso pode significar menos investimentos e oportunidades de emprego, argumenta o consultor de mercado de energia da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) Sérgio Pataca. “A energia é um grande fator de perda de competitividade industrial. No Brasil, tivemos um aumento muito acima da inflação, enquanto na Europa e nos EUA houve preços razoáveis”, explica o consultor. Nesses lugares, a inflação é em média 375%, pouco menos de um terço do índice brasileiro. “Temos um ditado no setor elétrico: o Brasil é o país da energia barata e da conta cara”.

O impacto da inflação da energia recai também sobre as contas de luz de toda a sociedade — a energia elétrica exclusivamente residencial aumentou 393,41% de 2000 a 2024, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas as consequências indiretas para o consumidor final podem ser ainda maiores. O estudo da Abrace estima que dois terços do que os brasileiros gastam com energia não é para pagar a conta diretamente, e sim para arcar com os custos que são embutidos em outros produtos e serviços.

Isso ocorre porque, como os consumidores residenciais, a indústria e o comércio também pagam pela energia e repassam parte desse custo para os clientes. O valor da energia — também considerando gás natural e outros energéticos — representa quase 30% do preço médio do pão francês, por exemplo, de acordo com a pesquisa da Abrace. Em um serviço básico, de água e esgoto, a porcentagem chega a 53,5%.

“Uma cadeia que materializa isso é do saneamento básico. Para recebermos água na nossa casa, uma companhia precisa de cloro e de outros produtos químicos, em que se usa gás natural. Depois, todo o processo de tirar a água do rio e bombear até nossas casas utiliza muita energia elétrica”, exemplifica o diretor de energia elétrica da Abrace, Victor IOcca. “A regra geral é que a indústria não repassa o custo de uma única vez. Ela vai absorvendo parte dele”.

Isso não passa despercebido aos consumidores. “Pesa bastante. As coisas estão muito caras, então a gente fica em uma situação muito desconfortável. Você paga as contas e tem que priorizar água, luz e gás e quase não sobra nada para alimentação. A conta sempre fica para nós, a parte mais desfavorecida”, opina a auxiliar de limpeza e serviços gerais Sandra Bernardes, de 51 anos. O entregador Matheus Filipe, de 30, concorda que o custo da energia é alto e pondera que economizar é um desafio. “A gente precisa de energia para tudo, até para se comunicar. Então, é muito difícil tentar economizar. A gente tenta, mas é muito complicado”.

Impacto da alta de energia é maior sobre os mais pobres

O impacto do preço da energia elétrica é diferente em cada camada socioeconômica — para famílias mais pobres, o valor da conta de luz, afinal, representa uma fatia maior do orçamento.

Isso é comprovado pelos números. A Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas Administrativas e Contábeis de Minas Gerais (Ipead/UFMG) calcula dois índices da inflação em BH: o IPCA, que considera a população como um todo, e o Índice de Preços ao Consumidor Restrito (IPCR), que considera somente famílias com rendimento de até cinco salários mínimos.

Entre 242 itens considerados na composição do IPCA, a energia elétrica é o nono com maior peso — de 3,32%. No caso do IPCR, ela sobe para a quarta posição e tem um peso de 5%. “Só ônibus, aluguel e automóvel usado estão acima dela. Qualquer variação na energia elétrica, tanto para cima quanto para baixo, afeta muito o índice”, pontua o gerente de pesquisa do Ipead/UFMG Eduardo Antunes. 

Mercado questiona MP do setor elétrico

A partir deste sábado, passa a valer uma das novidades da Medida Provisória (MP) 1.300/2025, assinada pelo presidente Lula (PT) em maio. Ela amplia o público da Tarifa Social de Energia, que isenta famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) do pagamento. Para financiar essa conta, estimada em R$ 3,6 bilhões, o governo federal precisará ampliar a arrecadação da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo que é pago por todos os consumidores por meio das tarifas.

Nesta semana, a Aneel reajustou a previsão da conta para R$ 49,2 bilhões em 2025 — inicialmente, ela era de R$ 40,6 bilhões. A ampliação do benefício social pode aumentar a conta para os não beneficiados em 0,9%, avalia o Ministério de Minas e Energia (MME). Mas outras medidas, como revisão de alguns subsídios também custeados pela CDE, devem equalizar o impacto ao longo dos anos, de acordo com a pasta.

O consultor de mercado de energia da Fiemg, Sérgio Pataca, defende a isenção para as camadas mais pobres da população; contudo, argumenta que esse custo deveria ser gradualmente transferido para o Tesouro Nacional — hoje em uma situação orçamentária delicada, como demonstrado pelas polêmicas sobre o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

“O principal ponto é que a CDE virou um meio fácil para colocar interesses do poder público, Executivo e Legislativo”, diz Pataca. Ele critica, por exemplo, que os subsídios para a geração distribuída (produção de energia solar local) sejam sustentados pela CDE. “Não é uma conta social. Quem tem acesso à geração distribuída é uma classe média com maior poder aquisitivo”, pontua.

O diretor de energia elétrica da Abrace, Victor IOcca, também propõe uma revisão da CDE. “[A MP 1.300/2025] dá com uma mão e retira com duas no médio a longo prazo, porque voltará como inflação, desemprego ou não criação de empregos”, conclui.

Inflação do gás natural também supera o IPCA

O estudo da Abrace também calculou a variação do preço do gás natural utilizado pela indústria — que é diferente do gás de cozinha (GLP). Sua alta foi ainda maior do que a da energia elétrica e chegou a 2.251%, quase sete vezes mais do que o IPCA.