Em contatos com pesquisadores, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico Sustentável do Ministério da Fazenda não usa a palavra "retaliação". Fala em "resposta". O órgão tem encomendado estudos sobre a possibilidade de o país ter a sua própria taxação de carbono.
Seria reciprocidade ao CBAM, sigla em inglês para Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira, criado pela União Europeia. São certificados a serem comprados por empresas do bloco que importem de fabricantes internacionais emissores de CO2.
A taxa está em fase de adaptação e entrará 100% em vigor em de 1º de janeiro de 2026.
Os importadores terão de declarar o carbono emitido pelas companhias estrangeiras e comprar os papéis CBAM para compensar as emissões. Isso, em teoria, serviria para colocar pressão em quem exporta para a União Europeia.
O Ministério da Fazenda quer saber qual a melhor forma de o Brasil implantar a sua versão do CBAM e quais possíveis parceiros para formar blocos comerciais de carbono.
A iniciativa dos europeus é mero protecionismo, acreditam as autoridades brasileiras. Tanto que excluiu, em um primeiro momento, as companhias de energia por perceberem que elas perderiam competitividade.
Consultado, o Ministério da Fazenda não quis comentar.
Em abril deste ano, os países que formam os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Indonésia) publicaram resolução rechaçando o CBAM.
"Rejeitamos medidas protecionistas unilaterais, punitivas e discriminatórias, sob o pretexto de preocupações ambientais, como mecanismos unilaterais e discriminatórios de ajuste de carbono na fronteira", diz a declaração conjunta divulgada pelos governos.
Questionada sobre a declaração dos Brics, a assessoria da União Europeia não respondeu.
A partir de janeiro, serão afetados pelo CBAM sete setores: ferro, aço, alumínio, químicos, cimento, fertilizantes e eletricidade.
"Eu vejo como um desafio custoso [para a indústria exportadora]. Novas tecnologias são caras e vai ser desafiador para as empresas. Mas entendo que há setores que já vêm desenvolvendo uma expertise para amortecer o impacto", afirma Thais Diniz Oliveira, pesquisadora da Cornell University, nos Estados Unidos.
Economista e especialista nas conexões entre políticas econômicas, mudanças climáticas e sistemas alimentares, ela publicou estudo que sugere ao Brasil pensar em novos parceiros comerciais considerando fatores ligados ao mercado de carbono.
"Existe uma discussão teórica sobre acordos bilaterais [envolvendo emissões]. Cabe entender a participação desses parceiros e traçar uma estratégia: se é defensiva, proativa, de liderança...", completa.
O Ministério da Fazenda fez acordo de cooperação com a ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial). O objetivo é ter um diagnóstico de como o CBAM vai afetar a indústria brasileira e apontar estratégias para o país enfrentar regulamentações internacionais deste tipo.
De acordo com a agência, serão elaborados relatórios, oficinas e feitas consultas públicas.
"Precisamos estar bem atentos a algumas políticas como CBAM, que se parecem muito com protecionismo e barreiras tarifárias. Uma forma de enfrentar quaisquer ações que venham prejudicar as exportações da nossa indústria é medindo os riscos dessas exigências e fazendo também as nossas. Por que não termos o CBAM brasileiro?", pergunta Perpétua Almeida, diretora de economia sustentável da ABDI.
No ano passado, o Brasil exportou cerca de US$ 50 bilhões para a União Europeia (R$ 273 bilhões pela cotação atual). É o segundo maior parceiro comercial nacional, com 15,9% do volume de comércio exterior.
Na lista das exportações do país que mais serão afetadas pelo CBAM estão aço (US$ 1,35 bilhão em 2024) e alumínio (US$ 267 milhões). A reportagem entrou em contato com o Instituto Aço Brasil e com a ABAL (Associção Brasileira de Alumínio), mas as entidades não quiseram se pronunciar sobre a nova taxa.
Outra preocupação é possível extensão do CBAM para o agro. A União Europeia iniciou grupos de discussão para tratar do tema. Produtos agrícolas representaram 38% das vendas para o bloco em 2024.
"Se a Europa quiser incluir os grãos, acredito que temos um balanço final de emissão de carbono na cadeia de grãos que nos é muito favorável. Ainda mais com empresas adotando caminhões híbridos, elétricos ou movidos a biodiesel na logística de distribuição", afirma Frederico Favacho, consultor jurídico da ANEC (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais).
Para se antecipar a esta possibilidade, o Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil) tem missão em Bruxelas, sede da União Europeia, para tratar do assunto. O CBAM vai usar uma metodologia própria para medir emissões, que não leva em conta a penetração do carbono no solo.
"Em ambientes temperados, o carbono está estabilizado, tem uma realidade diferente das áreas tropicais. A gente incorpora todos os anos o carbono no solo porque tem sol e chuva o ano inteiro. A gente precisa que esse conhecimento seja mostrado na Europa", diz Marcos Matos, diretor-geral Cecafe.
A taxação inverte o que seria a lógica do mercado de carbono, a de captura e comercialização, sem impostos. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, já anunciou a intenção de criar um para as emissões. A Dinamarca determinou a cobrança de taxa pelos gases produzidos por vacas, porcos e ovelhas, a ser implementada em 2030.
"É um erro. O objetivo do mercado de carbono e do Acordo de Paris [tratado das mudanças climáticas] é que haja uma redução global e não esse tipo de disputa. O que vem acontecendo no comércio internacional é uma interiorização do mercado, o contrário da globalização. É a necessidade de cada país criar suas próprias barreiras comerciais e usar o carbono como instrumento para isso", define Nelson Rocha, diretor da Cisbra (Câmara de Comércio, Indústria e Serviços do Brasil).
"Nós vivemos um momento de regulação unilateral. É uma barreira comercial, nada mais do que isso. E é um tema que não tem regulação específica na OMC (Organização Mundial do Comércio). O CBAM vem em um momento de enfraquecimento de um sistema de comércio multilateral", avalia Roberta Portella, mestre em Direito Internacional e professora do FGV (Fundação Getúlio Vargas).