Dependente crônico dos fertilizantes químicos importados, principalmente da Rússia, o agronegócio brasileiro pode ser obrigado a intensificar o uso de alternativas domésticas. Soluções como bioinsumos e pó de rocha já estão no horizonte, mas ainda representam fatia tímida nos métodos de produção de alimentos no país.

Em 14 de julho de 2025, Donald Trump anunciou que, sem um acordo de paz da Rússia com a Ucrânia, os EUA aplicariam penalidades indiretas a compradores de petróleo, gás, urânio ou outros bens russos, como fertilizantes.

Na semana passada, Trump determinou a aplicação de uma taxa adicional de 25% sobre as importações da Índia em retaliação pelo país adquirir petróleo da Rússia, levando a tarifa imposta ao país para 50%.

O Brasil importa hoje cerca de 76% do nitrogênio (N) utilizado na agricultura, 55% do fósforo (P) e 94% do potássio (K). A Rússia é o principal fornecedor de NPK ao país, especialmente potássio.
"Nossa dependência em fertilizantes é absurda para um país cuja principal vertente econômica é a agropecuária. É um passivo de longa data, mas há alternativas", diz Reginaldo Minaré, à frente da Abbins (Associação Brasileira de Bioinsumos).

Clenio Pillon, diretor de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), explica que "por muito tempo os preços dos fertilizantes representavam pouco no custo de produção, mas agora o momento é outro".

Não apenas porque os custos aumentaram - dependendo da cultura, os fertilizantes hoje representam de 15% a 30% do custo de produção -, mas também porque há um reconhecimento mundial do problema das emissões de gases de efeito estufa.
"Há pressão cada vez maior da sociedade por alimentos com saudabilidade e menor impacto ambiental possível. Produzir insumos químicos demanda combustível fóssil, transporte de longa distância, o que transforma o setor em um grande emissor de carbono", afirma Pillon.

O governo federal já identificou alternativas, mas previu um movimento de desmame de longo prazo. No Plano Nacional de Fertilizantes, que começou a ser elaborado em 2021 e foi publicado em 2023, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços fez um diagnóstico do setor e estabeleceu uma lista de estratégias para diminuir a dependência estrangeira.

O documento define uma meta de reduzir em 50% a importação de fertilizantes até o ano de 2050. "O plano foi um pouco conservador, mas está dentro desta realidade atual, de baixa capacidade de investimento e ainda precisa fazer o convencimento do agricultor [para reduzir o insumo químico]", diz Minaré.
A resistência do agronegócio está ligada a fatores diversos, que vão da falta de incentivo fiscal ao baixo engajamento de universidades, na avaliação do agrônomo Rogério Vian, membro do GAAS (Grupo Associado de Agricultura Sustentável).

"A regra hoje é o adubo químico. O ensino na universidade não dá atenção ao pó de rocha. Hoje há poucos consultores que entendam do processo e olhem o sistema como um todo", diz ele, que já adota alternativas há quase 15 anos.

Produtor rural na cidade de Mineiros, sudoeste de Goiás, Vian utiliza remineralizadores (pó de rocha) na plantação de soja, milho, entre outras. "Todo pó de rocha é rico em silício. É o que tem de mais abundante na crosta terrestre, o que dá resistência à planta. Ensinaram que era o potássio, mas não é", afirma ele.

Para Vian, esta crise gera uma oportunidade para o país. "No início da guerra entre Rússia e Ucrânia, que prejudicou a vinda de potássio, o setor de remineralizadores explodiu. É um assunto relativamente novo no Brasil, mas eu trabalho com isso há anos." A lei que classifica o pó de rocha como fertilizante para a agricultura foi assinada em 2013.

O período de transição de troca do adubo químico pelo pó de rocha leva no mínimo três anos, já que deve ser feito aos poucos, com a utilização de microrganismos e outros processos.
Vian aponta que uma das vantagens é o sequestro e armazenamento de carbono. Há outras. "Existem remineralizadores com até 98 elementos, é quase a tabela periódica inteira. A maioria dos pós de rocha nacionais tem em torno de 50 minerais. É muito mais completo do que ficar usando NPK", afirma ele.

O plano nacional de fertilizantes inclui tanto bioinsumos como remineralizadores no campo das cadeias emergentes, tratadas como alternativas viáveis para a redução da importação.
Mas os bioinsumos e os remineralizadores ainda precisam receber investimento para que a produção deles ganhe escala.

Uma das barreiras hoje para uso de remineralizadores, por exemplo, tem relação com a logística, porque o manejo dos pós de rocha implica o desenvolvimento de cadeias produtivas regionais. A Embrapa entende que esses produtos, transportados a granel, têm viabilidade econômica apenas em um raio de 300 km da origem.

Apesar disso, o Plano Nacional de Fertilizantes cita um estudo desenvolvido pelo Serviço Geológico do Brasil no qual se constata que no país "existe a disponibilidade de remineralizador para qualquer área agrícola a menos de 300 km de distância do fornecedor". "Nesse sentido, são necessários o apoio e o desenvolvimento ao setor mineral para ampliar a produção desses insumos", continua o documento.

Segundo Minaré, da Abbins, o importante no cálculo é "ver o quanto de fertilizantes químicos o agricultor deixou de usar pelo fato de adotar bioinsumo e remineralizador". "Os números que temos da prática indicam uma economia de 30%", diz ele.

Um caso conhecido de uso do bioinsumo é o da soja de Mato Grosso. "Lá, a alternativa foi a bactéria que pega o nitrogênio do ar e entrega à planta. A substituição do nitrogenado químico pelo nitrogenado via inoculação. Isso evitou que o agricultor tivesse que pegar a ureia importada no porto de Paranaguá ou Santos. Um caso de sucesso", afirma Minaré, ao destacar a economia na produção e a redução de impacto ambiental.

A tecnologia foi desenvolvida pela Embrapa, que atualmente tem 331 projetos ligados a bioinsumo, de acordo com Clenio Pillon.
Mas ele reforça que a ideia central do plano nacional de fertilizantes deve ser a adoção de um conjunto de estratégias que incluem desenvolvimento de bioinsumos e aproveitamento de rochas e de resíduos orgânicos, mas também o fortalecimento das boas práticas de manejo, como sistema rotacionado e o plantio direto de qualidade.

"Não existe solução mágica de curtíssimo prazo. Precisamos considerar todas as possíveis fontes de nutrientes", diz ele. "Uma frente que buscamos fortalecer é a base da agricultura de conservação, como o sistema de plantio direto [só revolve o solo no momento da semeadura]. A remoção do solo é danosa porque estimula uma maior decomposição da matéria orgânica. E aí, a cada ano, o agricultor precisa colocar mais fertilizantes para garantir o mesmo nível de fertilidade naquela área", explica Pillon.
"Há um evidente e intenso processo de transição da agricultura de base química para uma agricultura de base biológica. O que não quer dizer que possamos prescindir dos químicos, inclusive os próprios fertilizantes sintéticos", diz ele.

No plano de negócios da Petrobras de 2025 a 2029, a previsão é investir US$ 900 milhões no segmento de fertilizantes, com a comercialização de produtos nitrogenados, conciliando com a cadeia de produção de óleo e gás natural.

A petroleira tenta recuperar quatro fábricas (em Camaçari/BA, Laranjeiras/SE, Araucária/PR e Três Lagoas/MS) que, juntas, têm capacidade de produção em torno de 35% do mercado consumidor de ureia no Brasil. A reportagem pediu entrevista ao Ministério da Agricultura e Pecuária sobre o tema, mas não houve resposta até o fechamento do texto.