De biodigestores e barraginhas a estações de tratamento de soro de leite e projetos de proteção de nascentes, os grandes players do agronegócio têm implantado inúmeras ações para mitigar os impactos ao meio ambiente e, principalmente, ao principal recurso que alimenta o setor: o hídrico. De acordo com estimativa do Banco Mundial, a agricultura responde por 70% da retirada de água doce do seu curso natural. No Brasil, segundo relatório da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), a irrigação corresponde à metade da retirada de água dos corpos hídricos no país. Pensando nesse cenário, empresas do agro mineiro têm investido em iniciativas de reaproveitamento - resultando em uma economia de até 30 piscinas olímpicas, por ano, com projetos de sustentabilidade.

“O reuso de água nas fazendas significa economia para o produtor rural, pois ele precisa captar e transportar toda a água utilizada, e isso pesa também na conta de energia. O reaproveitamento da água, especialmente em atividades como lavagem de equipamentos, ordenha e fertirrigação, reduz significativamente a demanda por novas captações”, comenta a Gerente de Sustentabilidade da Faemg, Mariana Ramos.

Ela explica que práticas sustentáveis no campo não apenas preservam os recursos hídricos, como também devolvem água potável para a natureza de alguma forma. “Ela não é ‘consumida’ no sentido de ser perdida. Aliás, dizemos que o produtor rural também é produtor de água, já que está sob seu domínio adotar boas práticas que tornam isso possível. Um solo bem manejado, com cobertura vegetal, práticas conservacionistas e florestas em pé, contribui para o aumento da infiltração da água, promovendo a recarga dos aquíferos e a manutenção dos fluxos hídricos”, diz.

A Sekita Agronegócios adota, entre outros projetos, o uso de biodigestor e barragens para captação da água da chuva | Foto: Sekita Agronegócios/Divulgação

Biodigestor e barragens

Na Sekita Agronegócios, localizada no Alto Paranaíba, boa parte da água captada por meio de poço artesiano é reaproveitada. A fazenda, que trabalha com um mix de produção, incluindo laticínios e hortaliças, conta com um biodigestor para tratar principalmente a água utilizada no manejo das vacas, o que inclui aspersão, resfriamento dos animais e limpeza do curral.

De acordo com o sócio-fundador Makoto Sekita, para cada vaca são reaproveitados 100 litros de água por dia. Isso significa que, considerando as 2.100 vacas leiteiras da fazenda, são recuperados, em um mês, 6,3 milhões de litros de água - o equivalente a 30,4 piscinas olímpicas por ano. Um trabalho que reduz a captação direta da natureza.

“Todo esse material, inclusive fezes, são direcionados para uma caixa, onde são separadas por uma máquina a parte sólida e a líquida. A parte sólida vai para a compostagem, e a líquida passa no biodigestor, como tem as bactérias benéficas que geram gás, esse gás movimenta motores para gerar energia para a agropecuária. Depois, a água é utilizada para agricultura por meio da irrigação de pivô central”, explica Makoto Sekita.

A propriedade também capta água da chuva por meio de piscinões, que ajudam no abastecimento em época de seca. O proprietário da fazenda ainda trabalha com projetos de barragens de contenção de água junto a outros produtores da região, por meio da Associação dos Irrigantes do Alto Paranaíba. Makoto explica que, em época de chuva, o excesso de água pode causar problemas a jusante. 

“A associação trabalha para que os produtores possam fazer as barragens para contenção de água, o que é essencial para evitar enchentes. Essa água retida é usada na época da seca, e isso ajuda a manter o rio no seu curso natural. Se cada produtor tivesse a responsabilidade de fazer as coisas serem sustentáveis, isso seria uma vantagem para o Brasil e para o mundo inteiro”, frisa Makoto Sekita. 

São Francisco protegido 

Ação parecida acontece na fazenda do produtor Edvaldo Lôpo, que tem uma propriedade às margens do Rio São Francisco, na cidade de Manga, no Norte de Minas. Por lá, a água, que inicialmente foi bombeada do rio, é armazenada em “piscinões”, onde também é realizada a atividade de piscicultura. E, desses locais, ela sai para ser usada na irrigação e em outras demandas da propriedade. 

Edvaldo cria 120 vacas, que produzem de 3.000 a 4.000 litros de leite por dia - usados na fabricação de Queijo Minas Artesanal. A fazenda também conta com biodigestor para tratar o líquido residual da lavagem do curral. Do biodigestor sai biofertilizante para as plantações e resíduos sólidos para compostagem. A fazenda também cuida do próprio esgoto. Com todas essas ações, segundo Edvaldo, a propriedade segue em um projeto 100% sustentável. “E um total de zero efluentes para o Rio São Francisco”, afirma.

Para Edvaldo, trata-se de ações básicas que deveriam ser adotadas por todos e valorizadas pelos órgãos ambientais. “Quando queremos falar de meio-ambiente, temos que respeitar a sustentabilidade e levar em consideração o econômico, o social e o ambiental. Se não tiver essas três coisas, para mim é demagogia”, diz o produtor.

Proteção de nascentes: regeneração que favorece a economia

Além de reutilizar a água, as ações das grandes empresas também servem para mitigar danos que são comuns ao agronegócio - como a compactação do solo devido ao uso de máquinas pesadas (o que pode prejudicar a infiltração da chuva), o pisoteamento de nascentes pelo gado deixado solto e o assoreamento causado pelo desmatamento que carrega sedimentos aos cursos d’água.

O professor Flávio Gonçalves de Oliveira, do Instituto de Ciências Agrárias (ICA/UFMG), lembra que as empresas têm trabalhado em diversas soluções. “Em alguns locais a construção bacias de captação, que as pessoas chamam de barraginhas, permite que a água que incide sobre a região (chuva) se infiltre. E, ao infiltrar, ela evita erosão, assoreamento e abastece o lençol freático, que vai abastecer tanto os rios quanto a água dos poços tubulares que estão em profundidade”, explica.

E quem tem feito um trabalho nesse sentido é a Cenibra, do ramo de celulose. Após reflorestar mais de 106 mil hectares e recuperar mais de 4.500 nascentes em sua área privada, a empresa iniciou o apoio aos vizinhos. Muitos deles sobrevivem da pecuária, um tipo de atividade que pode levar à degradação do solo. Sem a presença de vegetação, a água escoa e leva fezes de gado para o rio - o que contamina a água e compromete a sustentabilidade.

O projeto, batizado de “Corredores ecológicos”, começou em 2017 e tem beneficiado o município de Peçanha e diversas cidades do entorno, todas localizadas na região do Rio Doce. Por meio dele, a Cenibra fornece materiais variados, como mourões e arames, e mão de obra para que os proprietários rurais cerquem suas nascentes - que ficam protegidas do gado. Assim, as nascentes conseguem se regenerar, garantindo a disponibilidade de água para a região.

Até 2023, mais de 400 proprietários foram beneficiados e 969 nascentes foram regeneradas em uma área de 1903 hectares. Para fins comparativos, cada hectare equivale a uma área de campo de futebol. A água preservada ou recuperada pode ser usada para pecuária e irrigação de áreas dos próprios pecuaristas. 

“Isso é muito relevante, principalmente em épocas de seca, quando a produção de leite diminui. Com água disponível, o proprietário consegue manter o pasto, garantindo o alimento para os animais, e diversificar a produção agrícola, o que é muito benéfico para a economia rural. Além disso, as nascentes beneficiam a manutenção da fauna local, muito importante no combate às pragas e na polinização das plantações”, explica Jacinto Moreira de Lana, especialista master da assessoria de sustentabilidade da Cenibra.

Desde 2024, a empresa realiza a mesma iniciativa em Belo Oriente e outras cidades do entorno, na região do Vale do Aço. Até agora, 41 nascentes foram cercadas - beneficiando 40 proprietários rurais. “Nossas ações em busca da sustentabilidade precisam ser expandidas para além das nossas fronteiras”, diz Edson Valgas de Paiva, coordenador de responsabilidade social e institucional e diretor executivo do Instituto Cenibra.

Soro do leite vira água potável

No Norte de Minas, o laticínio Nova Esperança, que existe desde 2011 no município de Porteirinha - polo de produção leiteira que está 582 km distante de Belo Horizonte - implementou há menos de dois anos uma estação de tratamento para os resíduos gerados pela produção.

A empresa compra leite de bovinocultores de mais de 20 municípios vizinhos. Com a iniciativa, a maior parte do soro que antes era doado para criadores de porcos da região, agora tem dois destinos. O soro concentrado é vendido para a indústria produtora de bebidas proteicas e a água é reaproveitada dentro da própria empresa. A cada três litros de soro, são gerados dois litros de água e um litro de soro concentrado. Por dia, são utilizados em média 65 mil litros de leite e gerados de 20 a 25 mil litros de água. 

“Diminuímos a necessidade de captação de água potável, o que gerou economia de recursos e reduziu os custos de produção. Essa água tratada pode ser usada para diversas finalidades, como lavagem de pisos, pátios e equipamentos. Também pode ser usada na irrigação, em plantações de milho e capim. Toda a água destinada à agricultura vem da estação, nada é extraído da natureza”, explica o diretor Renan Martins Soares. 

No total, foram investidos quase R$ 3 milhões na estação de tratamento e em veículos próprios para a distribuição do soro concentrado para a indústria. “Valeu a pena, pois tínhamos só despesa. Agora, economizamos água e ainda encontramos outra fonte de renda. A sustentabilidade é economicamente viável e traz benefícios palpáveis para o caixa das empresas”, garante. 

O laticínio comercializa 200 toneladas de muçarela por mês, o produto carro-chefe. O Nova Esperança também oferece queijos prato, coalho, minas, ricota, manteiga, requeijão e bebidas lácteas. A produção é vendida em Minas Gerais, Bahia e São Paulo. O laticínio gera 140 empregos diretos e tem planos de expansão para outras regiões do estado. 

Comitês de bacias, os guardiões dos recursos hídricos

Na esteira das ações de proteção de cursos d’água, vale destacar a atuação dos comitês de bacias, que exercem papel importante junto ao agronegócio. Atualmente, as empresas do agro que utilizam água direto de bacias precisam pagar um valor por essa retirada, conforme previsto na Lei das Águas (Lei 9.433/97). Esse recurso, arrecadado pela ANA, financia as ações dos comitês de bacias - que são fóruns de debates e tomada de decisões sobre recursos hídricos, com participação de sociedade civil, poder público e usuários de água.

Na Bacia Hidrográfica do Rio Doce, onde a agricultura está presente em 10,9% de sua extensão, por exemplo, os comitês mantêm, desde 2021, a Iniciativa Rio Vivo. O projeto conta com ações como cercamento de nascentes para aumentar a disponibilidade de água, além de aporte de recursos para projetos de esgotamento sanitário e controle de atividades que geram sedimentos em propriedades rurais. Para essas atividades já foram aplicados  pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce (CBH Doce) mais de R$ 120 milhões, captados por meio da cobrança pelo uso da água.

“O envolvimento de produtores rurais na iniciativa é essencial para a preservação do meio ambiente e da qualidade da água. Um exemplo é a proteção de nascentes, que evita que o gado e outras criações pisoteiem seus arredores e que máquinas venham a causar algum prejuízo. Até o momento, mais de 1.900 nascentes foram cercadas na bacia”, afirma José Carlos Loss Júnior, presidente do CBH Doce.