Odara, uma vira-lata, precisou passar por uma cirurgia de retirada de tumor nos últimos dias. A situação pegou de surpresa Aline Paixão, assistente social e protetora que resgata animais em Belo Horizonte. A cuidadora tem um custo fixo mensal de cerca de R$ 2.500, incluindo aluguel de espaço, água, ração, medicamentos, dentre outras coisas, para sustentar os 14 cães que estão com ela, aguardando para serem adotados. Mas os gastos com o procedimento cirúrgico da cadela pesaram no orçamento de Aline, que não recebe apoio governamental e conta apenas com apadrinhamento financeiro de pessoas próximas.

“A conta não fecha porque, quando você tem muitos animais, sempre vai ter uma eventualidade. Por exemplo, com a Odara não foi uma emergência, mas é algo que eu não esperava. A conta de aproximadamente R$ 2 mil está lá para ser paga. Sempre tem uma questão, porque são muitos cães, e faz parte do processo da vida deles adoecer. Por maior cuidado que a gente tenha, vão surgir situações de emergência, fora os custos programados que temos. Gasto muito com rações, os mais velhinhos tomam medicações de uso contínuo e sempre tem algum exame para ser feito,” enfatiza a cuidadora. 

Um levantamento da Quaest — O Mercado Pet no Brasil: Afeto, Cuidados e Desafios — divulgado em 2024, mostrou que gastos com os pets são considerados altos ou muito elevados para 52% dos tutores. O estudo revelou ainda que 55% dos donos desembolsam até R$ 300 ao mês para cuidar dos animais, e que 50% dos 1 mil entrevistados já deixaram de fazer algum procedimento para o pet por falta de dinheiro. Já a pesquisa norte-americana Pet Lifetime of Care Study 2025 — Estudo sobre cuidados ao longo da vida dos animais de estimação— destacou que metade dos 5 mil tutores analisados afirmou que despesas inesperadas geram preocupação significativa, e que apenas 31% se sentiam preparados para lidar com custo veterinário de grande dimensão. 

Os gastos com os animais constantemente comprometem o planejamento financeiro de Aline. “A gente costuma dizer que pessoas que ajudam estão sempre pedindo ajuda. Porque não tem como fazer isso sem contar com apoio. Então é bem desgastante essa parte. Acabo ficando sempre endividada. É um círculo sem fim. Porque quando você termina de quitar uma dívida de um cão que precisou de atendimento veterinário, acontece com outro e aí é uma nova dívida. Então estou sempre no negativo,” realça. 

Aline ainda ressalta que a falta de mais centros que disponham de especialidades torna os serviços ainda mais caros. “Uso o serviço público para castração, mas internações, medicações e vacinas tenho que fazer na rede particular. Por exemplo, recentemente outra cadelinha precisou fazer uma endoscopia. E como não é um serviço oferecido por todas as clínicas, tive dificuldade de achar especialista, com boa indicação e que tivesse um preço que eu conseguisse pagar. Mas no final, o valor saiu bem mais alto do que imaginava.” 

Custos estão atrelados a serviços de qualidade, diz Conselho 

“Quando um animal precisa de atendimento médico-veterinário mais complexo, como consultas especializadas, cirurgias e exames mais complicados, os valores podem ser bem mais elevados. Esses serviços, na medicina humana, muitas vezes são subsidiados pelo SUS ou por planos de saúde. Então os preços praticados no mercado privado refletem aquilo que um atendimento veterinário de qualidade exige: infraestrutura, tecnologia e mão de obra especializada,” enfatiza Bruno Divino, chefe de gabinete do Conselho Regional de Medicina Veterinária de Minas Gerais (CRMV-MG). 

Para quem não consegue arcar com os custos dos serviços veterinários, Bruno dá algumas dicas. “Buscar o atendimento em clínicas-escolas e hospitais veterinários universitários é um bom caminho, uma vez que esses estabelecimentos são mantidos por instituições de ensino, que oferecem consultas, exames e tratamentos por preços reduzidos ou até gratuitos. Outra alternativa é buscar os serviços públicos veterinários, muitas cidades promovem campanhas regulares de castração gratuita, vacinação antirrábica e atendimento clínico e cirúrgico.” 

Serviços veterinários públicos ou mais acessíveis em BH 

O Complexo Público Veterinário de Belo Horizonte (CPVBH) oferece atendimento gratuito, incluindo exames, urgências, cirurgias e internações. A estrutura conta com o Centro Médico Veterinário Odete Ferreira Martins, o Instituto Médico Veterinário Legal – o primeiro do Brasil –, além do Grupo de Resgate Animal, que possui ambulância própria. O local tem capacidade para atender até 30 animais por dia, com distribuição de senhas às 8h. O endereço é Rua Pedro Bizzoto, 230 – Bairro Madre Gertrudes.

Na semana passada, a prefeitura da capital também lançou o projeto Bem-Estar Animal sobre Rodas. Trata-se de uma clínica móvel adaptada para prestar serviços veterinários a tutores de baixa renda. O trailer vai percorrer todas as regionais de BH para realizar, gratuitamente, consultas mensais e castração de cães e gatos, além de oferecer vacina, exames e remédios.

O Hospital Veterinário da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) realiza mais de 35 mil atendimentos por ano, com valores reduzidos. O serviço funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h, e aos fins de semana até as 17h, no Campus Pampulha. Os contatos são: (31) 3409-2000 e (31) 3409-2276.

Já o Hospital Veterinário do Uni-BH, no Campus Buritis, possui estrutura completa, com consultórios, exames de imagem, UTI, blocos cirúrgicos e baias. Entre as especialidades, estão clínica médica, cirurgia, anestesiologia e terapias integrativas. O contato pode ser feito pelo WhatsApp (31) 99879-9956, e há condições especiais para alunos e colaboradores.

Variação de preços chega a 100%

Uma leitora de O TEMPO enviou ao jornal um questionamento sobre o custo de um raio-x para pet. Conforme a mulher, que optou por não ser identificada, ela teve que pagar R$ 400 em uma clínica na região Centro-Sul de BH para fazer um exame de coluna em sua cadela, o que considerou caro. A reportagem entrou em contato com uma dezena de centros veterinários, de várias regiões da cidade, para verificar o preço do procedimento. O levantamento mostrou que os valores variam de R$ 235 a R$ 400 —  para duas projeções — e de R$ 175 a 300 — para uma projeção. A variação dos dois serviços chega a 70%.

Uma pesquisa do site Mercado Mineiro, divulgada em março deste ano, também trouxe análise de preço de outros serviços em pet shops da capital mineira. A maior discrepância foi observada na taxa para buscar e entregar os animais, que apresentou variação de 150%, com valores indo de R$ 10 a R$ 25. As consultas clínicas também registraram diferença considerável entre estabelecimentos, alcançando 85%, já que o serviço custava de R$ 100 a R$ 185. No caso das vacinas, as variações ficaram entre 44% e 55%: a vacina contra a gripe canina, a V-10 e a da giárdia tiveram alta de 44,29% entre o menor e o maior valor, enquanto a antirrábica apresentou a maior oscilação do grupo, com 54,55%.

“Os dados demonstram que os preços podem variar até mais de 100% entre os estabelecimentos de Belo Horizonte, principalmente em serviços como consulta clínica e taxa de transporte. Por isso, a pesquisa de valores é fundamental para que o consumidor economize sem abrir mão da qualidade no atendimento ao seu pet,” destaca o diretor do site Mercado Mineiro, Feliciano Abreu. 

Regulação e tabelamento de preços 

De acordo com o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), não existe uma tabela oficial de preços para consultas, exames ou procedimentos veterinários. “As clínicas e profissionais têm autonomia para definir seus valores, de acordo com a realidade do mercado em que atuam. O CFMV não acompanha nem interfere na política de preços dos estabelecimentos. O que cabe ao Conselho é zelar pelo exercício ético da profissão. Eventuais desvios de conduta são analisados sob o ponto de vista ético,” afirmou o gerente técnico do CFMV, Fernando Zacchi.

Ainda conforme Zacchi, “práticas abusivas, enganosas ou anticompetitivas, que possam configurar crime contra o consumidor ou contra a ordem econômica, são vedadas tanto pelo Código de Ética quanto pelas normas de publicidade do CFMV.” 

Planos de saúde para pets 

Uma alternativa para lidar com os gastos mais altos ou inesperados com os pets é o plano de saúde veterinário. O Brasil é considerado o terceiro país com a maior população de pets — atrás apenas de China e Estados Unidos — com um total estimado entre 150 e 160 milhões de animais de estimação do mundo. Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet), os cães lideram esse ranking, somando aproximadamente 60 milhões. Em seguida vêm as aves, com 40 milhões; depois os gatos, com 30 milhões; e, por fim, os peixes ornamentais, que chegam a 20 milhões. Apesar disso, 92% dos brasileiros não têm plano de saúde para seus pets, conforme o estudo da Quaest — O Mercado Pet no Brasil: Afeto, Cuidados e Desafios — divulgado em 2024. 

O levantamento aponta ainda que entre quem não tem ou deixou de ter, 69% gostariam de ter um convênio de saúde para garantir o bem-estar e bom atendimento do seu animal. Dentre os 81% de tutores que já tiveram pets falecidos, 56% afirmam que um cuidado veterinário de melhor qualidade resultaria numa maior longevidade do bichinho de estimação.

No mercado, há várias empresas que disponibilizam planos de saúde para pets, como a Petlove (a partir de R$ 19,90), Dog Life (a partir de R$ 49,90), Plamev (a partir de R$ 59,99) e APet (a partir de R$ 24,90). As coberturas oferecidas vão desde consultas e vacinas até exames mais complexos, cirurgias e internações. A escolha do plano mais adequado deve considerar tanto o orçamento do tutor quanto as necessidades do animal. Por isso, é importante comparar opções com e sem coparticipação, observar os prazos de carência e avaliar a rede credenciada, garantindo assim o cuidado mais completo para o pet.

Setor defende criação da ANS da Veterinária

O setor pet defende a criação de uma Agência Nacional de Saúde da Veterinária (ANS da Veterinária) para regulamentar planos de saúde animal no Brasil. Conforme o CFMV, hoje o mercado é visto como desorganizado e sem regras claras, o que gera riscos para os animais, insegurança jurídica para os veterinários e falta de proteção ao consumidor. A proposta, que já tem apoio inicial de deputados, está em fase de estruturação técnica e deve ser encaminhada ao governo, com foco em fiscalizar condições sanitárias, padronizar estabelecimentos e regulamentar convênios.