O setor da moda em Minas Gerais dá sinais de recuperação após passar por crises como a pandemia da Covid-19 e ser impactado pelo crescimento das compras em e-commerces internacionais. Um levantamento realizado pelo Núcleo de Estudos Econômicos da Fecomércio-MG mostra que o setor de Tecidos, Vestuário e Calçados teve uma trajetória de recuperação expressiva, entre agosto de 2024 e julho de 2025. Agentes do setor apontam que a moda local, principalmente a de roupas, busca caminhos em que a interferência dos produtos importados tenha pouco impacto. Nesse sentido, as marcas mineiras se destacam com peças autorais, exclusivas e para nichos selecionados.
Conforme a análise da Fecomércio, com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), desde novembro de 2024, as vendas desse setor iniciaram uma trajetória de taxas positivas: após registrar desempenho de -3,5% em agosto, -2,3% em setembro e 0,5% em outubro, o setor registrou aumento de 1% em novembro.
Os melhores meses foram maio e junho de 2025, com altas de 6,6%, impulsionadas pelo inverno. Neste ano, inclusive, o inverno trouxe “fôlego” para o setor - diferente do ano passado, quando o frio quase não apareceu, prejudicando toda a cadeia produtiva (indústria, confecções e varejo).
O número de estabelecimentos também cresceu. De acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), entre 2013 e 2022, houve uma queda de aproximadamente 38% no volume, reflexo das crises econômicas ao longo desse período e da concorrência internacional. No entanto, entre 2022 e 2024, o setor cresceu 28%, alcançando aproximadamente 65,2 mil estabelecimentos em 2024, com destaque para os pequenos. Em Minas Gerais, os MEIs respondem por 46,1% dos negócios de moda e as microempresas por 48,2%.
“O principal fator para a recuperação do setor da moda em Minas Gerais é a capacidade de adaptação às novas dinâmicas de consumo e a integração entre canais digitais e físicos”, comenta a economista da Fecomércio-MG, Fernanda Gonçalves. Ela explica que o mercado passou por um período de retração acentuada entre 2014 e 2022, marcado por crises econômicas, mudanças nos hábitos de consumo e avanço do comércio digital.
No entanto, o setor demonstrou resiliência e iniciou uma retomada significativa nos últimos dois anos. Conforme os dados levantados pela Fecomércio, o volume de vendas de tecidos, vestuários e calçados acumulado em 2024 foi de 4,2%, acima da média nacional, que foi 2,9%. Em 2023, o volume registrado em Minas havia sido -12,5%.
‘Taxa das blusinhas’ e mercado segmentado podem ajudar o setor
Outro ponto que pode ter influenciado a retomada do setor é a “taxa das blusinhas”, lei em vigor desde agosto de 2024 que estabelece tributação de 20% para compras internacionais de até US$ 50 em e-commerces. A medida atacou principalmente as compras feitas diretamente pelo consumidor.
“As políticas de incentivo ao consumo, como a taxação de compras internacionais de até US$ 50, e também as sazonalidades favoráveis, como o inverno rigoroso, são alguns dos fatores que contribuem para os índices melhores, além da digitalização dos negócios, que foram determinantes para o reaquecimento do setor”, comenta Fernanda.
O vice-presidente do Sindicato das Indústrias Têxteis de Malhas Estado de Minas Gerais (Sindimalhas), Gilberto Mairinques, acrescenta que a taxação no e-commerce ajudou muito o setor, no entanto, as tarifas de 50% impostas pelos Estados Unidos aos produtos brasileiros este ano impactaram o mercado da moda de forma indireta.
“O tarifaço derrubou vários projetos antidumping que a gente tinha dentro do governo federal para poder proteger alguns setores do nosso negócio. A gente já vinha plantando isso há anos, e agora caiu por terra”, diz. Gilberto acrescenta que isso acontece porque o Brasil, neste momento, não quer ter problemas com a China, de onde chegam tanto itens de vestuário quanto tecidos importados, principalmente o poliéster - que é mais barato. “Isso [o tarifaço] se tornou uma forma de o Brasil buscar novos mercados”, diz.
Mas, na visão de Gilberto, o setor da moda consegue contornar esses desafios porque a indústria têxtil mineira segmenta os setores. “Ela precisa segmentar mercados específicos onde a gente tem menos concorrência com os produtos importados”, diz. Ele cita caminhos que a moda consegue passar sem ser impactada pela importação. “Moda rápida, a chamada fashion fashion, precisa lançar rápido, não dá tempo da importação chegar. Ou mesmo um produto de uniforme, específico, homologado. Ou algodão, a gente produz muito algodão e, no Brasil, ele é competitivo. Comprar produtos importados de algodão sai mais caro que produzir no Brasil”, exemplifica.
Quem aposta na moda segmentada e exclusiva é a Dama Quitéria. Voltada ao público feminino, a empresa mineira nasceu em 2023 e viu um crescimento de 50% nas vendas entre 2024 e 2025. A fundadora, Joice Luiza dos Santos, de 43 anos, conta que a marca está “ligada à ancestralidade e a valores de empoderamento feminino”, um nicho que atrai públicos selecionados. “Acho que pessoas que valorizam esse diferencial são clientes que estão focados em produção local, qualidade, sustentabilidade. Não é preço, é valor agregado”, diz.

Pequena, a confecção trabalha com costureiras parceiras da Grande BH e volume enxuto de peças. Uma dessas costureiras é a Helena Loures de Abreu Marques, de 69 anos. A profissional, que atua na área há mais de 50 anos, atende vários tipos de clientes e vê um aumento da demanda este ano. “Eu nunca tive uma semana que dissesse que estava tranquila. Sempre tive muito trabalho. Mas este ano parece que a procura está maior”, revela. “Pessoas que têm confecção ligam, perguntam se eu indico alguém, mas não tem, não está achando costureira não”, afirma.
A Dama Quitéria tem ponto fixo de venda na loja colaborativa Endossa, que trabalha essencialmente com empreendedores locais, uma parceria que ajuda muito na divulgação da marca. Para Joice, pequenas confecções são muito impactadas pelas grandes varejistas e pelas importações. “Grandes varejistas, marcas online, roupas vindas da China, elas têm um custo muito baixo, né? Então, houve uma dificuldade muito grande para as pequenas confecções, enquanto o poder de compra do consumidor diminuiu devido à inflação. Esses últimos anos foram de muito desafio para as pequenas confecções”, diz.
“A partir de 2023, que foi o ano em que a Dama Quitéria entrou no mercado, para as confecções, têm sido anos de adaptação, marcados por desafios e também por grandes oportunidades”, diz. Na visão de Joice, as confecções precisam se adaptar às mudanças do mercado e aproveitar as oportunidades para crescer. “[Elas precisam] se digitalizar, usando as redes sociais para vender, criar conexão com o cliente e valorizar seu diferencial - que é focado em produção local, qualidade e sustentabilidade, atendendo a necessidades específicas. Elas têm que ser ágeis, oferecendo personalização, coleções pequenas, baseado na demanda direta”, opina. “Eu acho que a chave é sair da produção massificada”, resume.
Além do conceito (Dama remete à classe, poder e estilo e Quitéria evoca tradição, brasilidade e força feminina), a marca também segmenta a estação do ano. “A Dama Quitéria não investe no inverno. A gente trabalha com tecidos voltados para o verão, que são a viscose, o linho, o viscolinho”, cita.
APLs se destacam no estado
Destaque também está nos Arranjos Produtivos Locais (APL), que são um conjunto de empresas e instituições que atuam em um mesmo setor e território, promovendo cooperação, inovação e desenvolvimento. Conforme a Fecomércio, os APLs ajudam no fortalecimento das Micro e Pequenas Empresas, gerando emprego e renda, fomentando inovação e competitividade, promovendo desenvolvimento sustentável e inclusão social e aumentando a arrecadação municipal.
Segundo a Fecomércio, Minas tem 18 APLs de moda, impactando 87 municípios. Entre eles, cabe destacar os calçados de Nova Serrana, com 2.915 empresas e 17 mil empregados diretos, vestuário da Grande BH, com 49 mil empresas (incluindo MEIs) e 23 mil empregados diretos e vestuário em Divinópolis, com 5.607 empresas e 12 mil empregados diretos.
Quem faz parte do APL de Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas, é a confecção Doce Veneno, voltada para moda feminina. A marca aposta em peças atemporais, o que dá solidez ao negócio para driblar os altos e baixos do mercado. Por lá, são 24 funcionários internos e cerca de 80 em facções e bordados produzindo 60 mil peças anualmente.
“A nossa moda é mais clássica, atemporal. Isso nos ajudou muito, porque as peças não saem de moda, são peças mais sofisticadas, a gente tem colocado vários tecidos diferentes em prática. Eu acho que deu muito certo”, conta a fundadora e diretora da empresa, Janaine Milagre Couto Maia, de 41 anos. “A gente aposta muito na temporalidade, na singularidade e na exclusividade”, diz.
Janaine conta que, no passado, ela vendia as peças a pronta-entrega e, após receber consultoria do Sebrae, organizou a empresa e passou a trabalhar com pedidos, enviando o produto com prazo de até 60 dias. “Depois que a gente migrou para o pedido, eu praticamente aumentei meu faturamento em 80%”, revela.
Na pandemia, um momento que prejudicou bastante o comércio e consequentemente as confecções, ela começou a fazer pijamas e oferecer para os clientes com condições especiais, mesmo os que não vendiam esse tipo de roupa. “Foi o que não deixou a gente cair no buraco”, comenta.
Apesar de trabalhar no segmento b2b (business to business), ou seja, direto com o lojista, ela conta que o foco é o consumidor final, pensamento que ajudou a empresa a se manter e crescer no mercado. “Nós trabalhamos com lojistas, mas o nosso foco, a nossa atenção está voltada lá para o consumidor final. Não adianta o lojista comprar e não vender. Porque depois ele vai falar: sua roupa não vende. Se você já faz campanhas voltadas para o público final, o lojista fica mega satisfeito com você”, argumenta. Janaine viu o movimento de melhora recente para o setor e tem boas expectativas para o futuro. “Para o ano que vem a gente tem que crescer no mínimo 30%. É a meta”, afirma.
Apesar da retomada, mercado pede atenção
Conforme a análise da Fecomércio, o IBGE aponta que, mesmo com o avanço nos últimos anos, ao comparar com o período antes da pandemia, o setor de moda obteve uma desaceleração de 47%. Além disso, o comércio da moda tem visto sua participação relativa diminuir, pressionada pelo avanço do comércio digital, mudanças nos hábitos de consumo e pela concorrência internacional.
A indústria da moda também sofreu forte desaceleração, com fechamento de milhares de estabelecimentos e queda expressiva na sua representatividade. Já os serviços ligados à moda despontam como segmento estratégico, com potencial de diferenciação e inovação, especialmente em áreas como design, consultoria e economia criativa.
O presidente da Câmara da Indústria de Insumos e Transformação do Vestuário, Calçados e Acessórios da Fiemg, Rogério Vasconcelos, faz uma ponderação quanto à indústria de vestuário. Ele explica que as vendas para o verão de 2026, que aconteceram em abril de 2025, foram boas. Mas o mercado vive um momento de instabilidade por conta de uma crise política e econômica, ou seja, o consumidor está cauteloso para comprar. “A primeira coisa que a pessoa corta em um momento de crise econômica e de insegurança política é justamente o vestuário”, diz Rogério. O resultado do inverno, inclusive, só será percebido quando as encomendas para o inverno do ano que vem chegarem, em outubro.
Além disso, segundo ele, a taxa das blusinhas não necessariamente inverteu a lógica de consumo. Ou seja, o consumidor diminuiu as compras online internacionais, mas não passou a comprar localmente. Apesar disso, as expectativas para o Minas Trend são as melhores, inclusive por conta das apostas no mercado infantil, que está em ascensão. “O empresário está apostando no Minas Trend”, diz.