A decisão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de trocar o comando da Petrobras na última sexta-feira para conter a alta dos combustíveis pode não influenciar tanto no controle da inflação. Segundo especialistas, a interferência pode levar a uma aceleração dos preços, devido à desvalorização do real frente ao dólar. Nesta segunda-feira (22), além da Ibovespa cair 4,87%, e as ações da estatal recuarem 20%, a moeda norte-americana teve alta de 1,26%, chegando a R$ 5,4554.

“Foi um erro crasso, é uma medida que visa a reeleição, de caráter populista, que desconsiderou todos os fatores econômicos, porque a base do mercado é a confiança. Além de tudo, esses preços não são sustentáveis, porque o petróleo subiu e o câmbio subiu, não adianta intervir. Não tem como dar certo, porque esse controle depende de fatores externos”, analisa o sócio-fundador do Grupo MBK, Marcio Cadar, especialista em finanças estruturadas e mercado de capitais.

Segundo a pesquisa Focus do Banco Central, analistas do mercado já elevaram a estimativa de inflação em 2021 para 3,82%, acima da meta central, que é de 3,75%. A expectativa para a taxa Selic no fim de 2020 subiu de 3,75% para 4% ao ano e a projeção para a alta do Produto Interno Bruto ( PIB) de 2021 foi reduzida de 3,43% para 3,29%.

Para Felipe Leroy, professor de economia do Ibmec-BH, a taxa de câmbio influencia o preço de todas as commodities e a conta final acaba sendo repassada para o consumidor. “Precisamos do petróleo para tudo, ele é determinante na intervenção de todos os preços. Você não pode ter interferência no preço do commodities, temos que partir do pressuposto que o mercado dá conta do mercado, ele é autor regulamentado, porque quando você interfere no preço, ele quadruplica, ainda mais no cenário que de alta volatilidade que estamos vivendo”, avalia. “A economia está interconectada. Com uma medida dessa, em vez de segurança você gera fuga de capital. É uma medida que teoricamente seria para a classe mais baixa, mas essa é a classe que mais vai sofrer, porque não tem correção salarial equiparada com a escalada da inflação”.

De acordo com o conselheiro da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (ANEFAC), Andrew Frank Storfer, ainda não é possível saber a extensão da guinada intervencionista do governo, mas as perspectivas não são muito otimistas, principalmente depois de Bolsonaro dizer a apoiadores que também agirá na energia elétrica. Storfer lembra que, no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o controle de preços dos combustíveis pela Petrobras foi usado como uma forma de controlar artificialmente a inflação, gerando desequilíbrio no setor e causando prejuízos bilionários. “Mais do que a interferência na Petrobras, temos um efeito potencializado que irá continuar, que é uma ameaça de mais interferências. Isso é ruim, tira a confiança do mercado”, explica.

“O governo deveria focar em gastar menos, nas reformas administrativas e tributárias Aí, o dólar cairia, a confiança subiria e os preços iriam recuar consequentemente. Você não tem justificativas para interferir nos preços, porque quando você interfere você quebra a confiança”, completa Marcio Cadar.

Entenda

Para combater as novas altas nos preços dos combustíveis — a  quarta da gasolina e a terceira do diesel, que estão 34,78% e 27,72% mais caros, respectivamente, somente neste ano —, na última semana, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que pretende usar recursos fiscais para interferir nos preços. O governo irá suspender por dois meses a cobrança de tributos federais sobre o óleo diesel, além de diminuir o ICMS, que é de competência dos Estados. Na última semana, o presidente enviou ao Congresso um projeto de lei para nivelar o imposto cobrado nas unidades da federação. 

Em meio às críticas, na última sexta-feira (19), o presidente anunciou ainda a indicação do general Joaquim Silva e Luna, atual diretor da Itaipu Binacional, para a presidência da Petrobras, no lugar de Roberto Castello Branco. A mudança foi desaprovada entre os agentes financeiros que enxergaram a intervenção como alto risco de ingerência governamental nas demais estatais.

Na ocasião, o presidente afirmou que é preciso "trocar as peças que porventura não estejam funcionando" e que vai "meter o dedo na energia elétrica". "Na semana que vem teremos mais", disse Bolsonaro. 

A escolha do governo, porém, precisa ser aprovada pelo Conselho de Administração da Petrobras, e a companhia informou, após o anúncio feito por Bolsonaro, que o mandato de Castello Branco se encerra no dia 20 de março.