Em 2012, o Airbnb chegou ao Brasil. Dois anos depois, foi a Uber. Ao longo desses sete anos, aplicativos de mobilidade, hospedagem e prestação de serviços vêm espalhando facilidades e desafios, principalmente na esfera jurídica.
Ainda não existem leis específicas, tampouco jurisprudências foram formadas a respeito de questões como se o condomínio residencial pode fazer locação compartilhada ou se motorista de aplicativo tem vínculo trabalhista. Portanto, a cada problema, uma sentença.
“O Poder Judiciário tem se encarregado de decidir, por exemplo, se é legal ou não um apartamento residencial ser compartilhado. Mas o Congresso Nacional é quem deveria estar criando leis específicas”, destaca o diretor do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG), Marcelo Romanelli.
Enquanto a legislação não vem, as decisões vão variando. No dia 10 de outubro deste ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a julgar um caso no qual a proprietária de um imóvel em Porto Alegre luta pelo direito de alugar seu imóvel pelo regime de compartilhamento.
O relator do processo, ministro Luis Felipe Salomão, votou a favor da operação, considerando que a proibição violaria o direito de propriedade.
Porém, o ministro Raul Araújo pediu vistas e ainda não há data para que o caso volte à pauta.
Na primeira instância, o juiz do Tribunal Regional de Porto Alegre decidiu pela proibição, alegando que seria uma atividade com fins comerciais, vetada pela convenção do condomínio da proprietária.
“Acreditamos que o recurso deva ser votado ainda neste ano, e, tão logo isso aconteça, dará maior segurança para todas as pessoas que queiram alugar um imóvel dessa forma”, diz.
Na Justiça
Em Belo Horizonte, os moradores de um edifício residencial na região Centro-Sul conseguiram na Justiça o direito de impedir a construtora, dona do prédio, de alugar os apartamentos vazios por meio de contratos de locação compartilhada.
A decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais foi dada em setembro, determinando multa de R$ 1.000 por dia de descumprimento.
Essa foi a segunda tentativa dos moradores, que recorreram à Justiça depois de vários inconvenientes relacionados à segurança. Na primeira tentativa, a Justiça havia negado o pedido de proibição da prática.
De 20 apartamentos, a construtora é dona de aproximadamente metade e, segundo o processo judicial, vinha anunciando as unidades em mais de 30 plataformas digitais.
Ainda segundo o processo, os reclamantes alegam que, em um único mês, janeiro de 2018, registraram um fluxo de 361 hóspedes temporários.
Também são citados casos do uso de um apartamento para prostituição, apreensão de um hóspede agravada por tráfico de drogas e disponibilização de um imóvel para um grupo de cerca de 50 pessoas, para uma festa.
“Nossa maior preocupação é com a segurança”, destaca uma moradora, que pediu para não ser identificada.
Regulamentação pode evitar conflitos
Na falta de lei para locação compartilhada de imóveis, surgem conflitos até mesmo na legislação em vigor. O presidente da Comissão de Direito Imobiliário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), Kênio Pereira, ressalta que a convenção deve prevalecer e, se há previsão de uso residencial, qualquer atividade de cunho não pode não ser aceita.
Ele recomenda que a vedação seja devidamente expressa na convenção, que pode ser modificada em assembleia do condomínio.
“O papel da convenção é possibilitar o convívio comum. O artigo 1.332 do Código Civil possibilita que ela venha a regulamentar a destinação. Isso é um preceito legal que não afeta o direito de propriedade e deve ser cumprido. Quem compra um imóvel para morar não pensa em ocupação diária afetando a segurança. Vamos pensar o contrário: se alguém quiser morar em um prédio só com salas comerciais, pode atrapalhar o equilíbrio, pois não é essa a destinação”, avalia.
O sócio do BMA Advogados Vitor Butruce, consultor do Airbnb, esclarece que esse modelo não é comercial e está coberto pela Lei 8.245/1991, que regulamenta as locações.
“Essa lei considera que uma estadia por menos de 90 dias é locação temporária, que tem fins residenciais. Só seria comercial se fosse instalado no imóvel um escritório, consultório ou uma loja”, afirma.
“A Constituição garante o direito de propriedade, o Código Civil garante o direito de o proprietário usufruir o bem, e a lei das locações reconhece o direito de alugar por temporada. Portanto, o condomínio não pode se sobrepor às leis e à Constituição”, destaca Butruce.
Vínculo de motoristas é questionado
Quando o assunto é relação trabalhista, a insegurança jurídica aparece como personagem da nova economia. Enquanto alguns tribunais regionais reconhecem o vínculo de motoristas com as empresas de aplicativos de mobilidade, outros não.
Em setembro deste ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que esses trabalhadores são autônomos. Mas não há jurisprudência.
O professor de direito da UNA Cássio Brant ressalta que, para configurar vínculo empregatício, tem que ter remuneração, não eventualidade e subordinação.
“A visão clássica entende que subordinação está restrita ao comando, mas também acontece economicamente. Quem não consegue voltar para o mercado de trabalho pode ficar submisso àqueles que são os detentores das ferramentas de tecnologia”, avalia Brant.
O que dizem as leis
Lei do Inquilinato (8.245/1991)
Art. 48: Considera-se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário, contratada por prazo não superior a 90 dias, esteja ou não mobiliado o imóvel.
Código Civil
Art. 1.348: determina ser competência do síndico defender os interesses da coletividade e exigir o cumprimento da convenção.
Art. 1.351. A convenção pode ser alterada com aprovação de 2/3 dos votos.