Há um ano o chef de cozinha Túlio Montenegro, 73, passa os dias contando e recontando os prejuízos. Dono, há 25 anos, de um restaurante no bairro Horto, na região Leste de BH, de um ano para cá, o empresário precisou demitir mais de 20 funcionários. Mas nem os cortes, nem o delivery e nem os três meses que pode funcionar no último ano foram suficientes para pagar os custos.

"Eu não tenho mais vontade nem de cozinhar em casa. O sentimento é de desgosto, tristeza e impotência em ver a vida sendo levada pelo ralo”, lamenta o chefe, que atualmente está com o restaurante completamente fechado e cheio de dívidas. 

Assim como ele, 78% dos empresários do segmento de bares e restaurantes em Minas Gerais estão com algum tipo de pagamento em atraso, principalmente impostos, aluguéis e fornecedores. Segundo uma pesquisa da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), 90% das empresas mineiras estão com problemas em pagar integralmente até os salários dos funcionários do mês de março. Sem ter como honrar as dívidas, o setor teme uma onda de demissões. Na pandemia, pelo menos 250 mil pessoas no setor perderam emprego no Estado. 

"O número de fechamentos e demissões pode ser muito maior na verdade, porque os empresários não estão conseguindo fechar as empresas, não tem caixa nem para encerrar o negócio e demitir os funcionários. Para se ter uma ideia, nos três primeiros meses deste ano, 74% dos donos de bares e restaurantes tiveram que demitir”, explica o presidente da entidade em Minas Gerais, Matheus Daniel.  

Os principais motivos para o colapso no setor, segundo os entrevistados da pesquisa, estão atrelados à interrupção da Medida Provisória do governo federal, que permitia a suspensão de contratos e a redução da jornada de trabalho, além do faturamento zerado em março por conta dos fechamentos impostos no último dia 17.

“De todas as cidades mineiras pesquisadas, a situação mais complicada é em BH, em que o comércio sempre é o primeiro a parar de funcionar. Atualmente, somente Minas Gerais e mais três capitais estão fechadas”, desabafa Daniel. "As contas, os impostos, tudo vêm normalmente. Nós queremos ajuda e ter o direito de trabalhar de volta", completa o empresário. 

Segundo a pesquisa, dois em cada três estabelecimentos estão tentando manter algum faturamento com delivery, mas mesmo assim 82% dos empresários tiveram prejuízo em março contra 60% em janeiro. "Eu tenho dois sócios, o governo e o delivery. Com as taxas acima de 30%, você não paga os custos. O que eles (aplicativos) oferecem não consigo vender", diz Montenegro, que desistiu dos serviços. 

Restaurante fecha, e sommelier trabalha em loja de vinhos
Ao som de música clássica, sob luz baixa e esbanjando simpatia, o sommelier Thiago Maurício Fernandes, 36, passou os últimos 11 anos explicando as sofisticadas opções de garrafas de vinho ao clientes do renomado Vecchio Sogno, no bairro Santo Agostinho, na região Centro-Sul da capital, até altas horas da madrugada. Hoje trabalha em uma loja de vinhos na Pampulha, já que o restaurante, comandado pelo chef mineiro Ivo Faria, encerrou suas atividades em janeiro, após 25 anos.

"A equipe já estava trabalhando apenas alguns dias da semana, com horário reduzido e salário reduzido. Foi muito difícil e complicado conviver com a incerteza, mas eu sinto muita falta", conta o sommelier, que sonha em voltar ao mundo dos restaurantes. "Muitas vezes eu começava a trabalhar às 10h e largava às 1h. Era muito trabalho, mas muito prazeroso o contato com diferentes tipos de pessoas. Eu gostaria muito de voltar", confessa.

Uma das questões que agravam a situação do setor, segundo os empresários, é a demora na prorrogação do prazo de carência do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe). 

"Não temos como pagar esses financiamentos, e, a cada demissão, é uma tristeza ver uma família que precisa muito sem emprego”, afirma a sócia da rede Assacabrasa, Gabriela Furtado da Costa. A rede fechou dois restaurantes e demitiu 30% dos funcionários. 

Por meio de nota, o Ministério da Economia informou que já está em tramitação no Congresso a volta do Pronampe, que permite o uso do programa, de forma permanente, como política oficial de crédito. A pasta destacou ainda que foi aprovado recentemente a ampliação do prazo de carência, por mais três meses, das operações contratadas por micro e pequenas empresas. 

Sobre a volta do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, o ministério informou que estuda um projeto no moldes do que foi o programa do ano passado. 

A Prefeitura de Belo Horizonte informou que prorrogou, por três vezes, o pagamento das parcelas de abril a dezembro do IPTU/2020. Ainda de acordo com a PBH, o prefeito Alexandre Kalil (PSD) encaminhou um Projeto de Lei para a Câmara Municipal, que estabelece que pessoas físicas e jurídicas que estavam em dia com taxas e impostos de Belo Horizonte em 31 de dezembro de 2019 poderão pagar em até 60 meses eventuais débitos de 2020 – sem a cobrança de juros e multas.

Já o governo de Minas destacou o adiamento de 90 dias para o recolhimento do Simples Nacional, ao microempreendedor individual, micro e pequenas empresas mineiras, além de ter encaminhado à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) uma proposta de regularização de dívidas do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias (ICMS). O projeto alcançaria todos os débitos do imposto, em aberto ou parcelados, inscritos ou não em dívida ativa, ocorridos até dezembro de 2020.

Outro lado

Procurada, a 99Food informou que desde o início da sua operação tem como característica o apoio aos pequenos e médios restaurantes locais, oferecendo alternativas que impulsionam o negócio. Um exemplo, segundo a empresa, é a campanha chamada "Compre do Pequeno", que oferece benefícios como o repasse semanal.

A companhia ainda destacou que tem como política não cobrar taxa de adesão e nem mensalidade dos restaurantes cadastrados na plataforma e reforçou que a taxa de serviço segue a atual média do mercado. 

O Rappi por sua vez afirmou que reduziu, desde o início deste mês, o valor das comissões cobradas dos restaurantes cadastrados pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) e pela Associação Nacional de Restaurantes (ANR).

Entre outras médias, a plataforma destacou a isenção de taxas por 90 dias para novos estabelecimentos, a antecipação dos pagamentos e a criação de um fundo de marketing voltado a pequenos e médios estabelecimentos.

Já o Uber Eats anunciou novas medidas que visam reduzir e, em alguns casos, até isentar as taxas dos restaurantes parceiros da plataforma. As ações do novo pacote de auxílio começaram a valer ontem.

Os novos restaurantes com rede própria de entregadores que se cadastrarem na plataforma durante o mês de abril terão 30 dias para testar a plataforma sem pagar nenhuma taxa. Já para os restaurantes que entrarem optando por utilizar os entregadores parceiros do Uber Eats, a taxa por pedido será reduzida e fixada em 18%, também por 30 dias.

Até o fechamento desta edição, o Ifood não havia se manifestado. 

A crise em bares e restaurantes
Entenda a situação econômica do setor em Minas Gerais

Empregos e salários
90%
dos empresários alegam ter problemas para pagar integralmente os salários em Abril 
76% já tiveram problema para pagar a folha em março
82% das empresas afirmam estar trabalhando no prejuízo 

Suspensão contratos de trabalho
77% dizem que pretendem usar a medida de suspensão de contratos / redução de jornada se a MP for reeditada pelo governo federal
74% das empresas tiveram que demitir seus funcionários nos primeiros três primeiros meses do ano
80% afirma que irão recontratar se a reabertura do estabelecimento for permitida

Dívida e crédito
78% das empresas estão com algum tipo de pagamento em atraso
69% devem o simples nacional
65% têm medo de sair do simples por causa das pendências 

Faturamento
72%
dos estabelecimentos estão tentando manter algum faturamento com o delivery 
27% estão fechados
1% funcionam com o salão reaberto

Fechamento
39 mil
bares e restaurantes fechados desde o início da pandemia no Estado
Queda de 250 mil empregos

Belo Horizonte e região metropolitana
3.500 bares e restaurantes fechados desde o início da pandemia
7.050 pessoas foram demitidas

Fonte: Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel)