Aprendizado

Empresas têm dificuldade para contratar e abrem cursos para formar candidatos

Brasil tem 8,5 milhões de desempregados, mas empregadores dizem ter dificuldade em encontrar talentos compatíveis com as vagas abertas


Publicado em 18 de setembro de 2023 | 06:00
 
 
 
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O Brasil tem cerca de 8,5 milhões de desempregados, mas isso não quer dizer que seja fácil encontrar candidatos para preencher as vagas abertas. Tanto é que 80% dos empregadores brasileiros afirmam ter dificuldade em encontrar talentos, segundo uma pesquisa da consultoria de gestão de pessoas ManpowerGroup, divulgada em 2023. A tendência é global, mas o número é maior no Brasil — no mundo, alcança 77%. Na encruzilhada entre a necessidade de mão de obra qualificada e a dificuldade em encontrar trabalhadores capacitados no mercado, grandes empresas lançam elas próprias cursos de capacitação abertos ao público para tentar formar os profissionais de que precisam.

As vantagens são uma via de mão dupla. Para os trabalhadores, a capacitação é uma oportunidade de desenvolver habilidades sem pagar nada por isso. Para as empresas, uma forma de encontrar candidatos mais preparados para vagas que elas não conseguem preencher. Um exemplo é a parceria entre a Amazon Web Services (AWS, braço de tecnologia em nuvem da Amazon), e a locadora de veículos mineira Localiza. Juntas, elas abriram 21 mil vagas para uma formação online de computação em nuvem.

A área cresce na medida em que a inteligência artificial se desenvolve, já que trabalha com os grandes bancos de dados necessários para que essa tecnologia funcione. Mas esbarra em um obstáculo no Brasil. “Hoje, sou gerente de treinamentos massivos, uma área que surgiu em 2022 porque tínhamos grandes clientes migrando para a nuvem e não conseguiam contratar. As empresas não conseguem adotar novas tecnologias se não tiverem pessoal qualificado”, argumenta Andrea Leal, porta-voz da AWS no país.

O programa da empresa com a Localiza tem duas frentes: a primeira, com 20 mil vagas, ensina os fundamentos da computação em nuvem. A segunda, limitada a 1.000 alunos e com duração de quatro meses, aprofunda os conceitos técnicos e dá direito a uma certificação profissional gratuita que, geralmente, custa cerca de US$ 100. “Temos percebido que as empresas no setor têm uma carência de mão de obra tão grande que não têm mais tempo de esperar a pessoa se formar em quatro, cinco anos. Se tiver um curso técnico, uma certificação como essa, o empregador tem certeza sobre o tipo de habilidade do empregado”, defende Leal.

A Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom) estima que haja um déficit de cerca de 106 mil profissionais se formando na em tecnologia todos os anos. É um problema que afeta não somente o setor de TI diretamente, mas todos os que dependem dele de alguma forma. Com foco no mercado de mineração, por exemplo, a AWS também lançou um curso de computação em nuvem com a mineradora de zinco Nexa, que atua em Minas Gerais.

Além de técnica, empresas buscam habilidades comportamentais em candidatos

A maioria dos empregadores (82% deles) afirmam que investem nos colaboradores que já têm para contornar a escassez de talentos no mercado, segundo a pesquisa do ManpowerGroup. Já 49% dos entrevistados investem na contratação de novos colaboradores — e é aí que entram os cursos de capacitação. A diretora de gestão estratégica de pessoas no ManpowerGroup Brasil, Wilma Dal Col, avalia que a iniciativa é importante, mas também é preciso se atentar às soft skills, as habilidades comportamentais dos trabalhadores, que não se limitam a aprendizados técnicos.

“Preparar pessoas profissionalmente, tecnicamente, é uma ação bastante válida, mas ela talvez não seja suficiente. Talvez também exista aí um aspecto de preparar pessoas para lidar e desenvolver cada vez mais as soft skills. Isso tem feito a diferença nos profissionais que têm conseguido avançar e ter mais sucesso na carreira”, reflete. 

É uma preocupação dos cursos de capacitação da Gerdau, segundo a gerente geral de pessoas da usina Ouro Branco da empresa, Graziella Maso. “Antes, ao buscarmos um líder, por exemplo, decidíamos muito pela habilidade técnica. Hoje, contrata-se pelo técnico e demite-se pelo comportamento. Na entrada operacional e administrativa, também buscamos capacidade de suporte e resiliência”, diz. 

Em Minas, a Gerdau abriu 40 vagas de capacitação em Barão de Cocais e em Ouro Branco, na região Central do Estado, em parceria com o Instituto Ser+. Elas são voltadas a jovens de 17 a 22 anos nas áreas de tecnologia e administração. Não garantem uma vaga na empresa, mas abrem portas para o programa de aprendiz da companhia. “O ganho para a empresa é imediato, porque acelera o processo de integração, a pessoa vem em alinhamento com a nossa cultura. Tenho ali um celeiro extremamente mais férfil do que buscar uma pessoa ‘crua’. O ganho é mútuo”, pontua a gerente geral de pessoas da usina Ouro Branco da Gerdau, Graziella Maso.

A gigante das bebidas Ambev investiu em uma plataforma de ensino tanto para colaboradores quanto para o público externo. A AmbevOn oferece cursos sobre temas como presença feminina na inovação e transformação da cultura organizacional para disseminar seus valores a possíveis candidatos. “Isso facilita as pessoas se identificarem com nossa cultura e modelo de negócio”, pontua a diretora de atração e desenvolvimento da Ambev para América do Sul, Illana Kern.  

“Atualmente, um dos nossos maiores desafios é encontrar pessoas com expertise e competências mais especialistas, mas que também consigam trabalhar de forma colaborativa com problemas do negócio e capacidades que mesclam criatividade e planejamento estratégico. Um exemplo é a necessidade de encontrar pessoas com conhecimento profundo de tecnologia, mas que consigam aplicar isso para tratar problemas e tocar projetos dentro do negócio”, completa.

A necessidade de pessoal qualificado não se restringe à área de tecnologia da informação. A Coca-Cola abriu, neste ano, um curso para mulheres empilhadeiras em suas fábricas em Divinópolis, Ipatinga e na região metropolitana de Belo Horizonte, e recebeu 373 inscrições. 

Um exemplo antigo dos cursos de capacitação são as unidades de escolas móveis do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg). Em parceria com empresas e a administração pública, as 11 unidades oferecem capacitação técnica para a indústria e para comércio e serviços. O projeto se depara com desafios comuns a outras empresas, porém: “o mais difícil é o engajamento das pessoas. Temos dificuldade em ter algumas turmas gratuitas porque as pessoas não querem fazer”, diz o gerente de unidade de escolas móveis, Elmar Rodrigo Vieira.  

Empresas usam capacitação como ferramenta para ampliar diversidade

A capacitação também é uma ferramenta para as empresas ampliarem a diversidade de seu quadro de funcionários, exigência das políticas de ESG. O programa profissionalizantes da AWS com a Localiza, por exemplo, privilegia grupos minorizados na seleção. “A pessoa tem que estar cursando ou ter concluído o ensino médio em uma escola pública. Priorizamos mulheres, pessoas negras e a comunidade LGBTQIAPN+. É importante aumentar a diversidade. Hoje, com dados do IBGE, a população negra é 56% dos brasileiros, mas só 30% da área de TI”, diz a gerente de treinamentos massivos da AWS, Andrea Leal.

No programa da Gerdau com o Instituto Ser+, os candidatos também precisam ter estudado em escola pública. “O foco são jovens em vulnerabilidade econômica, pessoas que não têm linguagem do mercado de trabalho, que não tiveram acesso a essa formação. São pilares pessoal e profissional, integral, desde saber lidar com email, planilha, usar linguagens adequadas na comunicação corporativa”, acrescenta a gerente geral de pessoas da usina Ouro Branco da Gerdau, Graziella Maso.

A empresa de consultoria PwC Brasil é mais uma com foco no desenvolvimento de soft skills. Ela lançou o programa Access Your Potential (“Acesse Seu Potencial”, em inglês) para jovens com renda familiar de até R$ 3.000. São atividades com foco no desenvolvimento da autoestima, autoconhecimento e desenvolvimento de talentos de trabalhadores de 18 a 26 anos. “Sabemos que há ainda muitos desafios, mas temos a missão de ajudar a diversificar o mercado de trabalho, promovendo inclusão de perfis variados”, comenta o sócio e líder de sustentabilidade corporativa da PwC Brasil, Leandro Ardito, em comunicado à imprensa.

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