“O Brasil é consistentemente apontado como um dos piores países em termos de índices de burnout no mundo, em geral, competindo apenas com o Japão”. Quem alerta é Paul Ferreira, professor de Estratégia e Liderança da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP). Mas este cenário, após a pandemia, pode estar prestes a mudar. Um levantamento da consultoria Think Work mostrou que a saúde mental se tornou a principal preocupação para os responsáveis pelas áreas de recursos humanos das empresas no país.
Segundo a pesquisa “Desafios do RH para o 2º Semestre”, nos primeiros seis meses deste ano, saltou de 17% para 38% o número de profissionais preocupados com doenças como ansiedade, depressão e síndrome do pânico entre seus funcionários.
O diretor de conhecimento (Chief Knowledge Officer - CKO) da Think Work e responsável técnico pela pesquisa, Matthias Weneger, de 33 anos, explica que houve grandes mudanças pós-pandemia. “O retorno ao modelo presencial causou um grande impacto na forma como as pessoas estavam acostumadas a viver nos últimos anos. Isso interfere na saúde mental”, explica. Segundo ele, as empresas estão entendendo que esse sofrimento existe e virou uma questão do RH, antes negligenciada.
Uma pesquisa de abril deste ano, do Infojobs e do Grupo Top RH, mostrou que 85,3% dos profissionais trocariam de emprego por mais dias de home office. Grande parte daqueles que voltaram ao trabalhos nas empresas (64,4%), ainda disseram que a qualidade de vida piorou substancialmente devido aos deslocamentos diários.
Confira os 5 principais desafios citados na pesquisa ‘Desafios do RH para o 2° semestre’, da Think Work:
- 38% – Saúde mental dos funcionários;
- 27% – Atingir metas de diversidade e inclusão;
- 23% – Fortalecer a cultura organizacional;
- 21% – Manter/melhorar o clima organizacional/engajamento;
- 17% – Atrelar a gestão de pessoas à dados (people analytics).
Outro ponto importante da pesquisa da Think Work foi o aumento expressivo da preocupação com o clima organizacional/engajamento na empresa, que pulou de 3% para 21%. Weneger explica que, durante a pandemia, houve um movimento mundial de demissão voluntária em massa, que ficou conhecido como “Grande renúncia”. Ao pesar na balança o que tinham de benefício e remunerações no trabalho X a qualidade de vida que almejavam, muitas pessoas abriram mão de seus cargos. “Houve uma questão de grande volume de trabalho aparecendo e a carga emocional ficando maior. Aí as pessoas começaram a se questionar ‘quanto quero estar lá?’”, detalha o CKO.
Ainda segundo a pesquisa, a saúde mental dos funcionários é a preocupação de 45% das indústrias contra 29% das empresas de serviço.
Empresas devem ter programa além do ‘Setembro Amarelo’, diz especialista
Para Leandro Souza de Pinho, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos, seção Minas (ABRH-MG) e superintendente de RH do Verdemar, a realidade pós-pandemia obrigou as empresas a criarem políticas e práticas voltadas para o cuidado da saúde mental do colaborador. “O indivíduo é um ser integral. Não há um ambiente de trabalho saudável onde não existe espaço para que o colaborador trabalhe suas dificuldades mentais. Esta conscientização é um tema muito ligado à ESG”. A sigla ESG, em inglês, significa Governança ambiental, social e corporativa (Environmental, Social and Governance) e trata-se de uma abordagem que prevê o trabalho em prol de uma série de objetivos ligados à sustentabilidade, a questões sociais e de transparência da gestão do empreendimento.
No Verdemar, além de diversas atividades com o intuito de prevenir o adoecimento mental, Leandro conta que há cinco psicólogos para atender funcionários, tanto para demandas de cunho profissional quanto pessoal. A empresa também tem parceria para o acompanhamento da família. Além disso, o empreendimento inclui em seu quadro de empregados pessoas com transtornos mentais. O supermercado foi a primeira empresa a aderir a um projeto da Prefeitura de Belo Horizonte, criado em 2019, que incentivava a contratação de pessoas com sofrimento mental. Mais de 80 pessoas já passaram por ele.
Pinho explica que o cuidado da empresa com esta questão, além de criar um ambiente mais saudável, está diretamente relacionado a um menor índice de afastamento e impacta na produtividade e nos resultados. “Todos os RHs têm percebido. É um cuidado mais que necessário”, afirma.
Para o presidente da ABRH-MG, mais do que campanhas pontuais, as empresas precisam ter programas estruturados de acompanhamento da saúde mental de seus colaboradores, com espaço para escuta e acompanhamento. “Não adianta ter campanha de ‘Setembro Amarelo’ e quando o funcionário manifestar ‘desejo de suicídio’ ele ser dispensado”, critica. Ele diz que é preciso, primeiro, fazer um estudo epidemiológico e entender quem são as pessoas que estão adoecendo, de quais setores e por quais motivos. “Espaço para yoga é importante, mas antes tem tanta coisa que ainda não fazem. Entender a realidade da organização é o primeiro passo”, explica.
Pinho lembra ainda que o cenário econômico, à medida que impacta financeiramente o colaborador, pode também comprometer a saúde mental. “Ter ou não ter alimentação, educação e condições para sobrevivência dignas fazem diferença. Quanto mais falta, mais motivos para ansiedade e depressão”, lembra. Por isso, pagar em dia, valorizar o empregado e ter uma relação justa de trabalho, são também ações que contribuem para a saúde mental do colaborador.
Segundo o levantamento da Think Work, a política de remuneração e benefícios foi apontada como um desafio pelas empresas, indo de 1% para 13% dos entrevistados.
Empregados acham que iniciativas de saúde mental são insuficientes nas empresas
Uma pesquisa divulgada em abril, pela FGV EAESP, mostrou que, quando o assunto é saúde mental, há uma divergência entre o que a empresa comunica e o que de fato é aplicado no cotidiano de trabalho. As iniciativas também foram vistas como insuficientes pelos entrevistados.
Segundo Paul Ferreira, professor que participou da pesquisa, as empresas mais reativas começaram a abordar a saúde mental, primeiramente, com soluções clínicas e preventivas mais acessíveis. “Embora valiosa, essa abordagem de benefícios tem uma importante limitação. Conforme nossa pesquisa mostra, os colaboradores visam apoio holístico [integral] de saúde mental. No papel de gerente de benefícios, o setor de recursos humanos (RH) estará continuamente preocupado com o custo dos programas”, explica.
Para ele, a solução passa por uma abordagem proativa que coloca os funcionários em primeiro lugar e redesenha os arranjos de trabalho, processos e objetivos para que sejam mais humanos e saudáveis para os trabalhadores. “Isso traz benefícios positivos de longo prazo, incluindo maior engajamento, produtividade e lealdade dos funcionários”, complementa.
O professor explica que o cenário de doenças mentais no país mudou após a pandemia: se tornando crítico e atípico. No primeiro ano, houve um forte aumento nos relatos de casos de ansiedade, depressão e síndrome de pânico. “No período anterior, o burnout tinha ocorrência semelhante à ansiedade, agora a síndrome do pânico ultrapassa os níveis de burnout e a ansiedade aumentou consideravelmente”, diz.
Segundo ele, os níveis altos de ansiedade são um alerta importante porque podem estar tanto na raiz do estresse e depois do burnout, quanto de crise de pânico e depois depressão. O professor explica que o estresse e o burnout estão na mesma “família”, sendo o último mais severo. “A crise de pânico, por sua vez, é uma manifestação extrema da angústia acompanhada de medo intenso da morte e outros sintomas físicos importantes, como a taquicardia e dificuldades para respirar. Crises de pânico não tratadas podem levar a depressão, que é uma doença psiquiátrica”, detalha.
Para Ferreira, a maior competitividade no mercado e o cenário econômico ruim dos últimos anos podem ter levado os trabalhadores a se deixarem sobrecarregar pelos seus gestores com medo de perderem o emprego. “Existe uma tendência anterior sustentada pela crença de que longas horas no escritório e sobrecarga de trabalho, geralmente, são necessárias para alcançar o que muitos esperam tanto, em primeiro lugar, impressionar o chefe”, diz.
Segundo ele, a pressão por resultados e metas, ou até o efeito da síndrome do impostor - eu não mereço a responsabilidade que tenho e por isso preciso trabalhar mais - veio amplificar o fenômeno, abrindo o caminho para maior estresse, perda de criatividade e de energia, esgotamento e uma vida familiar prejudicada.
Além de Paul Ferreira, a pesquisa contou com a participação de Taynã Appel (Graduanda em Administração de Empresas pela FGV EAESP e Universidade Bocconi) e Ines Hungerbühler (Head of Clinical Strategy na Gympass). Foram entrevistados 572 profissionais.
Você pode conferir o estudo completo da FGV sobre saúde mental no trabalho neste link: periodicos.fgv.br.