Em Brumadinho e Mariana, a lama já levou memórias, abalou o presente e ameaça o que está por vir. Em Barão de Cocais e em Macacos, distrito de Nova Lima, as barragens ainda não estouraram, mas somente a mudança da rotina já coloca o futuro em risco. Para agricultores e comerciantes das regiões afetadas, acabou a água, acabou a terra, acabou a renda. Sobraram dívidas e incertezas sobre o amanhã. Em agosto de 2019, vence a primeira parcela do financiamento que a família de Bruna Campos Nunes, 18, pegou para investir na produção da horta onde plantavam havia dez anos, no Parque da Cachoeira, distrito da zona rural de Brumadinho. Mas, sem plantar desde o rompimento da barragem da mina de Córrego do Feijão, em 25 de janeiro, não há dinheiro para honrar o compromisso. “A Vale fez uma doação de R$ 15 mil, mas isso não paga nem o empréstimo do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf)”, lamenta Bruna.
A mãe dela, Soraia Campos Nunes, 42, explica que é comum os agricultores contarem com o recurso financeiro para capital de giro. “Nossa dívida é de aproximadamente R$ 30 mil, com juros”, explica. Pelo menos metade do terreno que eles dividiam com outros dez meeiros foi tomada pela lama. A outra metade ficou imprópria para o plantio.
O prefeito de Brumadinho, Avimar de Melo (PV), explica que o Banco do Brasil, que opera o Pronaf, já se comprometeu a refinanciar as dívidas. O BB afirma que o pagamento de empréstimos para custeio já feitos, com vencimento até dezembro de 2019, poderá ser prorrogado por até três anos.
Os agricultores ainda não foram indenizados pelos danos, mas, além da doação, estão recebendo ajuda emergencial mensal da Vale, que se comprometeu a pagar até dezembro deste ano.
Na avaliação do professor de economia do Ibmec e pesquisador da Fundação João Pinheiro (FJP) Glauber Silveira, o problema virá quando essa ajuda acabar. “Quando a transferência de renda chegar ao fim, a economia e o mercado de trabalho serão fatalmente atingidos”, observa Silveira.
Com o produtor de leite Marino D’Ângelo Júnior, 50, a quebra da renda já aconteceu há três anos e sete meses, com o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. Mas ele ainda não se recuperou. Até 2015, faturava R$ 20 mil por mês, produzia mil litros de leite por dia, tinha 140 cabeças de gado, 40 porcos e 24 cabras de leite. Tudo nas quatro pequenas propriedades que tinha no distrito de Paracatu de Baixo, distrito de Mariana, que foram atingidas pela lama. “A cidade acabou. Tive que sair da minha casa, meus porcos foram amontoados em uma propriedade alugada, adoeceram e morreram”, lamenta. Ele contava com empréstimos do Pronaf desde 2004. “Nunca tive problema, porque o maior bem que a gente tem é o crédito e a palavra, mas em 2017 fiquei inadimplente”, diz.
Há cerca de dois anos, D’Ângelo conseguiu que a Renova arcasse com o aluguel da terra que ele arrendou, que representa pouco mais de um terço da área que ele tinha antes. Mas só conseguiu retomar 25% da produção. Já Soraia e Bruna não têm nem terra para voltar a plantar. “Sempre contamos com o Pronaf para custear insumo, maquinário, irrigação. Mesmo com dificuldades, sempre pagamos em dia. Agora estamos parados e não temos como pagar. Por isso, eu peço todo dia para Vale quitar a dívida do Pronaf. O que eu mais queria ouvir dela é uma proposta sobre um lugar para voltarmos a plantar”, desabafa Soraia.
Por meio de nota, a Vale disse que existe previsão de indenização extrajudicial para perda de renda e para casos específicos de prejuízos financeiros, dentre os quais dívidas com o Pronaf. Os atingidos podem escolher a via extrajudicial, buscar atendimento da Defensoria Pública ou procurar diretamente os escritórios de indenização da empresa, acompanhados de advogado.
Indenizações são insuficientes
Em Brumadinho, além da doação de R$ 15 mil, feita a 95 pessoas com negócios afetados ao longo do Córrego do Feijão, a Vale paga um auxílio emergencial aos agricultores, o mesmo dado a todos os moradores da cidade. Por mês, cada adulto ganha um salário mínimo (R$ 998), cada adolescente recebe meio salário (R$ 499) e, para cada criança, a Vale paga 25% (R$ 249,50).
“A vida inteira mexemos com horta e estamos sem trabalhar. A gente não precisava de nada disso, tinha renda suficiente”, conta Bruna, que está no terceiro período de enfermagem.
Já Marino D’Ângelo Júnior, de Paracatu de Baixo, precisou entrar na Justiça para receber a ajuda emergencial da Fundação Renova, entidade criada para reparar os danos do rompimento de Fundão. A decisão foi proferida em dia 10 de junho”, conta.
Foram três anos e sete meses para receber o benefício, que é de um salário mínimo por mês. “A minha propriedade foi atingida pela lama, mas a casa não caiu. Só que a Defesa Civil não deixou a gente viver lá e a Renova não me reconhecia como atingido”, relata o produtor.
A esposa de D’Ângelo, Maria do Carmo D’Ângelo, recebe a ajuda emergencial por ter perdido uma plantação.