Faltou um leite na hora de fazer o bolo, uma massa de tomate para aquele prato que você resolveu fazer de última hora ou, quem sabe, até aquele refrigerante 2L, geladinho, para o almoço de domingo: basta descer de elevador, entrar no mercadinho do prédio, pegar, pagar e levar. É esta praticidade que levou o condomínio da advogada e síndica profissional Rose Stuart, de 52 anos, a implantar um minimercado autônomo há quatro anos. Localizado na Vila da Serra, em Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, o supermercado mais próximo está, pelo menos, a quatro quilômetros de distância. 

Estes estabelecimentos, inseridos tanto em condomínios quanto em escritórios, funcionam 24 horas, sete dias por semana, sem atendentes. A empresa arca com toda a instalação e operação, com exceção da conta de luz, de responsabilidade do residencial. O modelo de negócio é baseado na honestidade do consumidor e pressupõe que o cliente irá pagar por tudo aquilo que adquirir. Normalmente, o percentual de “desonestidade” é baixo, entre 1% e 2%.

A maioria dos negócios no segmento no país funciona por meio de franquias e, segundo a Associação Brasileira de Franchising (ABF), o ano de 2023 encerrou com cerca de 2.666 unidades ativas no país. Destas, 2.100 são apenas da Market4You, de São Paulo, a maior do mercado. Em 2022, eram 1.477 minimercados em operação no Brasil, o que representa um crescimento de mais de 80% em apenas um ano. Mas para se ter uma ideia do “salto gigantesco” da área, em 2021 existiam três marcas, totalizando apenas 12 lojas nacionais. Hoje, já são onze empreendimentos associados à ABF. 

Antônio Bortoletto, diretor da Associação Brasileira de Franchising Minas (ABF-MG), conta que o Estado cresceu 21,7% no número de franchising no último ano, índice bem maior do que a média nacional de 13,8%. Para ele, a cultura do mineiro em comprar tudo em um único lugar, visto os mercadinhos de bairro e a própria Drogaria Araujo, tradicional em BH, tem impulsionado o crescimento dos negócios dos minimercados em condomínios. “Ah, os meninos querem tomar um sorvete num dia quente, estão jogando bola na quadra do prédio, vão lá e pegam… [..] Eu, particularmente, acho um negócio excelente para o condomínio”, diz. 

Segundo ele, o modelo de franquias assegura que cada minimercado terá um padrão de qualidade de atendimento porque haverá um responsável local, acompanhando de perto o negócio, que seguirá regras e procedimentos da empresa. “Imagine o dono tendo que visitar todas as lojas, todos os dias, o que é humanamente impossível… O método do franchising vem para isso e para tantos outros benefícios. [...] Se ele quiser crescer, ele cresce muito mais rápido e em escala”, diz. 

 

Desafio de logística

No início deste mês, a mineira Be Honest, fundada em 2020 e integrante do Grupo Supernosso desde 2021, comprou 12 micromercados da Snackin no Triângulo Mineiro. A empresa faturou R$ 23 milhões no ano passado e projeta um aumento de 50% na receita para este ano. 

Segundo Marcelo Pereira, de 22 anos, sócio-fundador da empresa ao lado de Vitor Castro, de 23, o grande desafio da área é o abastecimento. “A comodidade não é só ter mercado, mas boa operação com mix de produtos”, explica. Ele afirma que, quando a empresa tinha poucas lojas, era possível conseguir atender as solicitações de cada unidade de forma mais rápida, mas com o crescimento dos negócios, esta dinâmica foi ficando cada dia mais difícil. 

Em BH, este impasse foi resolvido a partir da parceria com o Grupo Supernosso. A partir desta mudança, a Be Honest começou a escalar muito rápido, especialmente porque toda a logística do grupo foi internalizada, facilitando a reposição nas lojas e propiciando condições especiais para adquirir os produtos. “Cada loja do Supernosso é hoje um centro de distribuição”, explica Marcelo. 

Justamente pela demora na reposição dos produtos do mercadinho, a síndica Rose substituiu a antiga loja, de uma franquia paulista, para a Be Honest, no seu condomínio na Vila da Serra. “Eles próprios já geram o relatório de baixa e quanto tem de estoque e fazem a reposição”, explica. 

Somada à lentidão da reposição do minimercado, os cerca de 420 moradores também se incomodaram com a falta de manutenção das máquinas, com a fiação exposta, com a falta de estética e organização do espaço. 

Rose diz que, após a mudança, a aceitação foi tão boa que deve levar o projeto para mais dois condomínios onde atua como síndica profissional. “O que eu acho importante é que, além de ser uma comodidade, trabalha a honestidade, a importância de ensinar nossos filhos a ter essa conduta. [...] A criança sabe que pode tirar três picolés, mas tem que pagar”, diz.  O índice de “desonestidade”, de moradores que levam e não pagam, não chega a 1% no condomínio dela. 

Vitor Castro e Marcelo Carneiro, sócio-fundadores da mineira Be Honest

Vitor Casagrande e Marcelo Carneiro, sócio-fundadores da mineira Be Honest. Foto: Divulgação

Marca mineira cresce 15% com parcerias com varejistas 

A mineira Be Honest surgiu a partir de uma “esperteza” de estudantes. Era 2018 quando os jovens Marcelo Pereira e Vitor Casagrande, então com 16 anos, faziam sucesso vendendo palhas italianas e sanduíches naturais na escola e, entusiasmados com os ganhos, começaram a matar aula para poderem atender a demanda. Depois de uma “puxada de orelha” da direção, se arriscaram em um modelo ousado: colocaram os doces numa caixa de sapato com a inscrição ‘pegue seu produto e pague’. Isso foi a semente do que viria a ser a empresa, criada oficialmente em 2020, em plena pandemia, com o investimento inicial de R$ 3 mil da dupla. 

A primeira loja da Be Honest, em uma versão muito mais simples, abriu em um prédio no bairro Luxemburgo, em BH. Depois de um ano, a marca chegou a ter 100 unidades próprias, até que foi feita uma parceria com o Grupo Supernosso, chegando às atuais 250 unidades. Fora as lojas do Espírito Santo, em 2023 100% da operação também passou a operar em formato de franquia. “São 10 a 15 lojas para cada franqueador e tivemos aumento de faturamento de 70% nas lojas e redução na desonestidade de 50%, porque o dono está ali perto vendo”, diz Marcelo Pereira, sócio-fundador da empresa. 

Até a parceria com o Grupo Supernosso, Marcelo conta que a empresa enfrentava alguns desafios além da logística, como a falta de reconhecimento da marca e um custo fixo grande na compra de produtos da indústria, devido ao volume que adquiriam. Após a colaboração com a rede de supermercados, ele percebeu que a marca precisava buscar outros varejistas, que eram referências nas cidades, para se estabelecer nacionalmente.

No Espírito Santo, a Be Honest tem parceria com o Extrabom, no Distrito Federal com a Super Adega e agora em Uberlândia com a D’Ville. A previsão é abrir novas unidades em Goiânia, São Paulo, Rio Grande do Norte e Recife ainda neste ano. Apesar do acordo com os supermercados, os minimercados da marca trabalham com uma média de preços 30% acima dos seus parceiros. “Não brigamos por preço, mas por qualidade”, diz Marcelo. 

Os minimercados da Be Honest podem ser instalados em condomínios que tenham a partir de cem apartamentos ou empresas com mais de 200 funcionários.  Apesar da empresa contar com uma central de monitoramento com câmeras 24 horas e controle de acesso por meio de aplicativo, a taxa de desonestidade ainda fica em 6%. 

Estrategicamente, no processo de expansão, os empreendedores sempre buscam por cidades com grande volume de condomínios e preferencialmente capitais. “A gente só entra na cidade com o varejista mais forte da região para ter a marca dele, o abastecimento facilitado e dar condições na operação”, explica Marcelo. 

Atualmente, 60% das vendas são da categoria de bebidas não alcoólicas, bebidas alcoólicas, sorvetes e picolés. A empresa aproveita os estudos das varejistas parceiras para montar um mix de produtos de acordo com o que é mais vendido na região. Normalmente, são cerca de 400 produtos em cada loja. O grande foco são aqueles que geram alta conveniência. 

“A gente vê também que cada vez mais o nosso concorrente em si não é a empresa de mercado autônomo, mas os aplicativos de entrega rápida, como o Zé Delivery e o Rappi”, diz Marcelo. A ideia dos sócios da Be Honest é, no futuro, fazer uma integração com os varejistas para mudar o perfil de consumo de “compras emergenciais” para a “compra do mês, oferecendo entrega”. Eles pretendem gerar demanda para os varejistas parceiros por meio dos clientes cadastrados no app. 

Unidade da Honest Market Brasil em um container

Unidade da Honest Market Brasil. Foto: Divulgação

Honest Market Brasil pretende dobrar número de operações em MG em 2024

Morando na Austrália, o empreendedor Murilo Specchio conheceu o modelo de self-checkout e resolveu criar, em meados de 2017, um negócio de snacks em ambientes corporativos. Pouco tempo depois, em 2020, a ideia do empreendimento evoluiu para se estabelecer como uma loja de conveniência dentro de condomínios, surgindo então a Honest Market Brasil. Hoje, a empresa está presente em mais de 20 Estados e conta com 300 unidades, sendo 18 somente em Minas. 

Com crescimento de 44% em um ano no Estado, a marca pretende dobrar o número de operações em solo mineiro até o fim de 2024. Para Murilo, há muita oportunidade de expansão do segmento, não só no mercado residencial, mas também atendendo empresas e universidades. Ele lembra que, durante a pandemia, o brasileiro se habituou a receber as compras em casa e passou a optar pela praticidade e segurança. “Esse modelo de negócio já é realidade, deixou de ser tendência”, afirma Murilo Specchio. 

Murilo conta que, hoje, muitas construtoras já estão vendendo seus apartamentos com um minimercado instalado e a empresa busca estabelecer contato com elas, assim como associações de síndicos profissionais, para vender o negócio. “A nível nacional, são mais de 100 mil pontos de venda para endereçar [os minimercados]”, diz.

Em paralelo a esse trabalho, o empresário capta franqueados, destacando os benefícios do segmento. O investimento inicial da franquia e estrutura é de R$ 40 mil. Segundo ele, o faturamento mensal das lojas é de cerca de R$ 20 mil, mas pode chegar a R$ 100 mil nos casos dos condomínios muito isolados. A margem líquida de lucro mensal é de cerca de 20% e o payback, retorno do investimento, é por volta de 12 a 13 meses. “Na segunda, terceira e quarta loja, ele já não paga mais taxa de franquia”, complementa Murilo. 

Para ele, o maior desafio hoje no segmento são os “aventureiros”, que começam o modelo de negócio por conta própria. “No ano passado, a Honest Market Brasil abriu cerca de 25% das unidades dentro das lojas que já eram da concorrência”, revela o empresário. 

Raio-X dos minimercados autônomos em Minas

  • Mix de produtos com cerca de 400 SKU (Stock Keep Unit), unidade de manutenção de estoque
  • Contam com câmeras de segurança e controle de acesso por meio de aplicativos
  • Menores de 18 anos não conseguem abrir freezers com bebidas alcoólicas; há uma trava de segurança ligada ao cadastro do morador
  • Faturamento estimado em R$ 100 por cada apartamento do condomínio
  • Taxa de, no máximo, até 6% de “desonestidade”
  • Maior compra nos fins de semana 
  • Bebidas, snacks e congelados são os que mais vendem

Fonte: informações compiladas das empresas ouvidas para esta reportagem.

 

Supermercados x Minimercados

Ulysses Reis, professor de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV), acredita que a adoção dos minimercados autônomos em condomínios está em franco processo de crescimento porque a tendência da sociedade é as pessoas, cada vez mais, se enclausurarem dentro de condomínios. 

Para ele, os minimercados podem conviver por muitos anos com os supermercados porque os motivos de compra, os preços e os tipos de produtos são diferentes. “Você está vendendo, na verdade, uma coisa chamada conveniência; facilidade. Horários ampliados, a coisa da pessoa não ter que se arrumar para sair, não ter que pegar um carro, não ter que se vestir de uma forma especial. Isso tudo é bem interessante”, explica. 

Ele diferencia que, enquanto os supermercados trabalham com algo em torno de 9 mil a 12 mil SKUs, (Stock Keep Unit), unidade de manutenção de estoque, os minimercados tem uma quantidade bem menor de produtos. “Cada item diferente que tem no supermercado é um SKU. Por exemplo: uma lata de ervilha da marca ‘Elefante’ é um SKU. Uma marca de ervilha da marca Peixe é outro SKU. E uma marca de massa de tomate de qualquer outra marca é outro SKU”, explica. 

O professor da FGV lembra que, para evitar a fraude e ser sustentável, este modelo de negócios sem atendentes depende da tecnologia agregada.  “A questão é: será que vale a pena colocar essas tecnologias? Será que elas se pagam pelo custo que elas têm?”, reflete. 

Ele acredita que, com o tempo, essas tecnologias devem baratear e aí o segmento tende a crescer ainda mais. O professor lembra, por exemplo, que a Amazon inaugurou nos Estados Unidos um supermercado automatizado com mais de 5 mil itens. “A gente está aprendendo muito com modelos novos. [..] Não estou dizendo algo assim tão avançado, mas pode-se colocar algumas coisas com mais controle, obviamente, e que talvez, com o tempo, baixem o preço”. 

Ulysses acha que um modelo interessante, inicialmente, são as vending machine, máquinas muito presentes em aeroporto, onde você insere o dinheiro para comprar diferentes produtos, como água, refrigerante, chocolate.