Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte, Itaúna e Nova Serrana, na região Centro-Oeste do Estado, possuem cada uma cerca de 93 mil habitantes. Para se ter uma ideia do total de pessoas que foram afastadas no ano passado por algum transtorno ligado à depressão, basta imaginar uma dessas cidades totalmente esvaziada. Segundo o Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS), foram 93,8 mil benefícios concedidos, um total de 3,5% de todos os auxílios-doença e aposentadorias autorizadas no Brasil em 2016.
O diretor de relações internacionais da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), João Silvestre Silva Junior, explica que, apesar de os casos de transtornos mentais terem crescido quantitativamente no Brasil, as políticas de prevenção são praticamente inexistentes e também não há ações para reintegração dos funcionários adoecidos. “Para conseguir fazer o diagnóstico precoce e encaminhar a pessoa o mais rápido possível para o tratamento, três passos são essenciais. Primeiro, as empresas tinham que mapear o risco; depois, atuar na prevenção. E terceiro, para quem já foi afastado, tinha que implantar um processo de reintegração profissional. Tem que considerar todo o contexto, desde o medicamento que ele vai precisar tomar até questões de relacionamento no local de trabalho que poderiam trazer piora ao quadro. Mas, infelizmente, isso não acontece”, afirma Junior.
O acolhimento que a advogada Tatiana Ferreira Bicalho, 41, esperava encontrar após voltar de um afastamento para tratar uma grave depressão não aconteceu. “Fiquei afastada pelo INSS por seis meses, e, quando eu voltei, o médico do trabalho da própria empresa recomendou que eu mudasse de área. A princípio, a chefia concordou e disse que tentaria me realocar. Voltei numa segunda-feira e, na sexta-feira seguinte, me disseram que não havia ali outra função que eu pudesse desempenhar e me mandaram embora”, conta.
A experiência de Tatiana aconteceu há cerca de dez anos. “Eu trabalhava em uma central de reservas, no telefone. Depois, passei a atender empresas, e minha jornada aumentou, assim como as cobranças. Não tinha tempo nem de ir ao banheiro. Fui desenvolvendo fadiga, cansaço e desânimo. Meu rendimento caiu muito, as pessoas viam tudo aquilo como corpo mole. Só queria chorar. Minha mãe percebeu que algo estava errado e me levou ao médico. Tomei muitos remédios”, relata. “Hoje, eu vivo muito mais feliz e não tomo nenhum medicamento. O apoio da família é fundamental para a superação”, ressalta.
De acordo com o psiquiatra Maurício Leão de Rezende, em casos de depressões leves ou médias, permanecer no trabalho é até terapêutico, pois mantém o convívio com outras pessoas e afasta pensamentos negativos. “Mas, no caso de depressões graves, com perda de vontade e irritabilidade, o afastamento é fundamental. Sempre é importante avaliar o contexto, mas, em média, são necessários pelo menos três meses de licença”, afirma.
Estresse
Sob pressão. A Organização Internacional do Trabalho atribui o aumento dos casos ligados ao trabalho a fenômenos como fragmentação do mercado, enxugamento de equipes e terceirização.
Subnotificação
Afastamento cai 22% em dez anos
A quantidade de pessoas com algum transtorno mental que o INSS afastou no Brasil caiu 22% entre 2007 e 2016. De acordo com uma gestora de uma operadora de saúde que pediu para não ser identificada, a depressão atinge muito mais gente do que os números são capazes de revelar. “A subnotificação é grande. Além de os médicos não serem obrigados a informarem o código da doença nos atestados, a maioria dos pacientes ainda não admite que tem depressão. Acham que é outra coisa. No meu setor, cerca de 60% dos atendimentos são para doenças crônicas como hipertensão e diabetes. Em seguida, vêm a obesidade. Mas isso também está relacionado à depressão, pois são desencadeados pela ansiedade”, explica.
O diretor da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), João Silvestre Silva Junior, explica que a queda dos afastamentos, mesmo com o aumento da depressão, pode ser explicada pelo aumento do rigor na perícia e pela greve entre 2015 e 2016, que reduziu os atendimentos e as perícias em geral. (QA)
Com o cronômetro no pescoço
“Em 2008, eu trabalhava em um call center e estudava. Depois de um ano, devido a mudanças na empresa, cancelaram todas as férias. Havia muita cobrança em relação ao tempo e eu andava literalmente com um cronômetro pendurado no pescoço. Comecei a apresentar várias enfermidades. Uma hora era torcicolo, outra, tonturas. Até que um dia, enquanto estava atendendo, fui perdendo o ar, e minhas mãos começaram a entortar. Uma amiga me socorreu e me levou para fora. Só de pensar no trabalho eu ficava tensa. Procurei ajuda com psiquiatra, e ele me receitou antidepressivos e remédio para dormir. Eu estava uns 12 kg mais magra e bem deprimida. Pedi ao meu supervisor para me mandar embora. Me recuperei logo que saí, mas tenho pavor de pensar em telemarketing, ainda tenho pesadelo.” Isadora Kern, 29, design de ambientes
Quando o critério é ser feliz
“Eu trabalhava em um setor e adorava. Aí, fui transferido, e os problemas começaram. Era muita mudança, e fiquei sobrecarregado. Os colegas não colaboravam. Eu fazia muito mais. Comecei a ficar triste. Acordava de madrugada e não conseguia dormir, só pensando em tudo o que eu tinha que fazer. Na empresa, diziam que era coisa da minha cabeça. Procurei ajuda médica, tomei remédios para depressão. O médico do trabalho disse que aquilo não era motivo para me dar licença. Fui só piorando. A minha médica me disse que a única solução para mim era sair do emprego. Quando pedi para ser mandado embora, estava tomando um medicamento. Saí da empresa, terminei aquela caixa e nunca mais precisei de remédio. Hoje estou desempregado, ajudo meu pai. Mas meu critério é ser feliz.” Mateus (nome fictício), 26, auxiliar de produção
Dinheiro não paga bem-estar
“Eu entrei numa empresa muito conceituada de Minas Gerais, em fevereiro, e estava superentusiasmada. Mas logo vi que a equipe se odiava, e isso me deixou muito mal. Apesar de não ter tido problemas diretos comigo, o clima em si me adoeceu. Em quatro meses, engordei 5 kg. Tenho tendência a engordar quando estou ansiosa e com raiva, e aquilo estava me deixando mais frustrada ainda. A chefia era extremamente autoritária, a ponto de dizer: “quem quiser trabalhar aqui tem que ser do meu jeito ou pede pra sair”. Comecei a me sentir mal. Saía mais cedo e faltava vários dias, ou seja, tornei-me praticamente improdutiva. Um dia, acordei chorando de desespero e decidi sair. O salário era ótimo, o maior que eu já tive. Mas dinheiro nenhum paga meu bem-estar emocional. Saí e comecei a fazer terapia.” Elis (nome fictício), 26, analista administrativo