Traumas

Medo de barragens triplica o consumo de antidepressivos

Saúde da população foi afetada após tragédia de Brumadinho, que completa cinco meses nesta terça (25)

Por Ludmila Pizarro e Queila Ariadne
Publicado em 25 de junho de 2019 | 03:00
 
 
 
normal

Nesta terça-feira (25) faz cinco meses que a barragem da Vale se rompeu em Brumadinho. Desde 25 de janeiro, entre tristeza e saudade, a população tenta retomar a vida, que ainda não voltou aos trilhos. Em Barão de Cocais, os moradores não viram rejeitos de minério serem derramados, mas sentem os efeitos. O que eles chamam de “lama invisível” já revirou a rotina de cabeça para baixo, comprometendo, inclusive, a saúde. Desde fevereiro, quando a sirene anunciou a elevação do risco da barragem Sul Superior da mina de Gongo Soco e cerca de 450 pessoas foram retiradas de casa por medida de segurança, a venda de antidepressivos e remédios para dormir triplicou. “O normal era vender dez caixas desses medicamentos por semana. Agora, vendemos 30. Temos uma pilha de receitas. As pessoas estão com medo, sem conseguir dormir direito”, conta o farmacêutico Diego Augusto Moreira, 27.

Na região de Mariana, quase quatro anos depois do rompimento da barragem de Fundão da Samarco, a produtora rural Maria do Carmo Silva D’Ângelo, de Paracatu de Baixo, ainda toma antidepressivos. “Ficava sem ar, achava que ia morrer. A psicóloga me explicou que era uma crise de pânico”, relata.

Remédio, a comerciante de Barão de Cocais, Edna de Souza, 50, ainda não comprou, mas tem aderido a chás e adaptou sua rotina. “A situação trouxe um desequilíbrio, e a gente fica tensa o tempo todo. Eu ando com um kit no porta-malas do carro. Desde o primeiro dia que o alerta foi dado, eu carrego documentos, roupas e equipamentos, pois não sei a hora que vou precisar correr”, conta. Além da tensão, Edna, que é fotógrafa, também está preocupada com as dívidas. “Eu trabalho com momentos de alegria, e não temos tido muito isso aqui, em Barão. O movimento caiu mais da metade, e as despesas continuam. Mas nada se compara ao que aconteceu em Brumadinho. Lá, foram vidas. Aqui, vamos sobrevivendo”, destaca Edna.

No dia 8 de fevereiro, 14 dias após o desastre em Brumadinho, Anízio Custódio, 82, e Maria Magdalena Baptista, 83, saíram de casa e nunca mais voltaram. “A sirene tocou, e saímos com a roupa do corpo”, lembra o casal. Eles moravam em Socorro, que, junto com os distritos de Piteira, Vila Gongo e Tabuleiro, está na Zona de Autossalvamento (ZA), a 1,5 km da barragem Sul Superior. “A gente tinha feito compra, a geladeira estava cheia. Ficou tudo para trás. Até minha dentadura. Depois o moço da Vale me viu deprimida e mandou fazer outra para mim”, conta dona Maria Magdalena. Hoje, eles moram com duas filhas e um neto, em casa alugada pela Vale na área urbana de Barão de Cocais.

Em Socorro, o casal plantava abacate, banana, cana, beterraba e verduras. Criava patos e galinhas. “Tenho minha aposentadoria, mas, com o que eu vendia, ganhava quase que o mesmo valor. Sem falar nos remédios, que agora a gente tem que comprar. Foi mais gasto”, conta.

Quando a sirene tocou, Anízio estava se recuperando de um infarto. “Tive até uma recaída. Mas, depois, foi ela que ficou pior”, lamenta. “Minhas pernas encheram de feridas. Já tem quatro meses, e só agora que está melhorando”, lembra Maria Magdalena. Anízio tem saudade das andanças pelas casas dos vizinhos. “Agora, para passar o tempo, a gente senta um pouco na porta, depois torna a voltar. É um olhando para a cara do outro”, relata. Para a antropóloga Andréa Zhouri, da UFMG, as comunidades afetadas pelas barragens estão vivendo um presente de improvisações. “Essas pessoas vivem em um contexto de desastre, perderam a orientação e capacidade de organizar da vida. Estavam lá antes das barragens e não tiveram a chance de escolher. Os lugares que as mineradoras e o Estado chamam de ‘zona de autossalvamento’ deveriam ser chamados de ‘zona de alto risco’”, avalia.

Efeito desconhecido na saúde

Os efeitos na saúde dos rejeitos do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, ainda são desconhecidos. Maria do Carmo Silva D’Ângelo morava em Paracatu de Baixo e teve sua propriedade rural invadida pela lama. Seu filho Arthur, que na época tinha 3 anos, ficou exposto aos rejeitos e, hoje, aos 7, apresenta metais pesados no organismo. “Uma amiga minha, que mora na Itália, pagou o exame, e foram identificados metais como cádmio, chumbo e outros no organismo dele”, afirma Maria.

Sofia, 4, filha da produtora rural de Barra Longa Simone Silva, 41, faz tratamento por intoxicação por metais pesados. “A lama é tóxica, para isso queremos sair de onde ela passou”, diz Simone. A Fundação Renova fornece medicamentos para Sofia e transporte dela para Ponte Nova.

Ocupação

Um grupo de atingidos ocupa, desde o dia 3 de junho, o escritório da Renova em Mariana, em função de 18 reivindicações que vão de fornecimento de exames laboratoriais para detecção de metais pesados em quem teve contato com a lama, incluindo crianças, a reconhecimento de atingidos como pescadores e garimpeiros artesanais. O grupo aguardava para esta segunda-feira (24) uma resposta da Renova, prometida na última quarta-feira, sobre o fornecimento de cestas básicas para esses atingidos que ainda não foram cadastrados.

Procurada, a Renova informou que responderia aos atingidos ainda nesta segunda-feira, por ofício, sobre as solicitações e depois informaria à imprensa sobre as decisões, o que não tinha ocorrido até o fechamento desta edição.

Macacos

“Não estou 100% fisicamente nem psicologicamente”, diz o empresário Carlos Alberto de Melo, da bala delícia Xuru. Morador de Macacos, ele teve sua casa e sua fábrica interditadas após o risco de rompimento da barragem B3/B4 da Vale passar para nível 3, em fevereiro. “Fiquei doente, só pensava em dormir. Isso porque eu não sabia que dia a minha vida voltaria para o eixo”, conta. A fábrica ficou parada 62 dias e voltou há 15, mas com cerca de 36% da produção.

Barão de Cocais

Sul Superior. Em 8 de fevereiro, risco é elevado para 2. Em 22 de março, sobe para 3 porque há uma trinca no talude da cava, a 1,5 km da barragem, e a movimentação pode fazer a estrutura romper.

Leia nesta quarta-feira (26) sobre a insegurança dos trabalhadores locais

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!