Quando os aplicativos de corrida chegaram a Belo Horizonte, em 2014, Denivaldo Silva enxergou uma oportunidade única de melhorar a renda. Responsável pelo sustento da família – esposa e dois filhos –, ele passou a ser motorista em tempo integral. Trabalhava muitas horas por dia, mas o dinheiro era o suficiente para uma vida estável. Em busca da oportunidade de uma renda melhor, Denivaldo viu muitos amigos deixarem o emprego formal para também se dedicarem ao trabalho de motorista. Porém, há cerca de dois anos, ele percebeu que rodar o mesmo número de horas já não produzia o mesmo ganho: além da queda do número de passageiros, durante a pandemia, os custos do trabalho ficavam cada vez mais altos.
“Hoje eu acho que já reduzi uns 90% do que eu costumava rodar”, conta Denivaldo, mais conhecido como Beré. “No começo, quando os aplicativos começaram em Belo Horizonte, a gasolina custava R$ 2,39. Só que, com esses aumentos, a conta passou a não fechar mais”, afirma.
Beré não é o único que se queixa da diminuição da renda como motorista e tem buscado trabalho em outras áreas. Até o meio do ano passado, o Sindicato dos Condutores de Veículos que Utilizam Aplicativos de Minas Gerais (Sicovapp-MG) estimava que cerca de 40% dos motoristas haviam desistido de prestar esse tipo de serviço. Desde então, a gasolina subiu mais R$ 0,90, chegando, hoje, a uma média de R$ 6,795 em Belo Horizonte, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Pessimismo. Na avaliação do presidente da Associação dos motoristas por aplicativo e autônomos de Minas Gerais (Asmopli-MG), Sérgio Nascimento, o cenário só tende a piorar. “Para os motoristas que trabalham em carros alugados, a atividade simplesmente não é mais viável. Os poucos que continuam, hoje, rodam em carro próprio ou de parentes”, afirma. E, segundo ele, quem ainda se mantém na atividade precisa rodar muito mais: “Quem antes fazia 12 horas, agora está fazendo 15. E está ficando cada vez mais difícil”.
Sobra trabalho e falta retorno financeiro, como explica Beré: “O ganho já diminuiu uns 60% do que costumava ser. Se você considera o aumento do combustível e da cobrança das plataformas, fica inviável, não sobra nem 30% para o motorista, sendo que ainda temos gastos com o carro e precisamos beber uma água, comer alguma coisa. Antes, você conseguia levar para casa uns R$ 250 ou R$ 300 diários. Hoje, para tirar R$ 120 ou R$ 150 é uma luta”.
Sem alternativa. Se, em um passado recente, quando a gasolina subia os motoristas podiam contar com o etanol mais em conta para abastecer os carros flex, agora estão sem alternativa. O combustível também teve uma disparada dos preços por causa de problemas enfrentados nas lavouras de cana-de-açúcar e da valorização do açúcar no mercado internacional. “Houve a pior seca da história e geadas no último inverno, que impactaram a produção de cana. Além disso, o açúcar aumentou muito no mercado internacional. Quando isso ocorre, os produtores preferem produzir mais açúcar para aproveitar o preço, reduzindo a produção de etanol”, detalha o economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV-IBRE) Matheus Peçanha.
Por causa desse aumento, não há mais paridade entre os combustíveis e, pelo menos em BH, a relação custo-benefício não indica vantagens em se abastecer o carro com o etanol. O etanol anidro, que representa 27% da gasolina, subiu 59,9%.
Frete não cobre gastos e dificulta a vida nas estradas
Se a vida de quem trabalha com o transporte de passageiros dentro das cidades está se tornando mais difícil por causa dos sucessivos aumentos dos combustíveis, a situação não é muito diferente para boa parte dos motoristas de veículos de carga que rodam pelo Brasil.
Geovane Rodrigues, caminhoneiro há 17 anos e autônomo há quatro, tem visto os ganhos, que sustentam toda a família, diminuírem drasticamente. Segundo ele, que continuou trabalhando normalmente durante a pandemia, o grande problema é o aumento dos preços dos combustíveis.
“Quando eu comecei, a matemática do autônomo era a seguinte: 40% do valor do frete para o combustível e 60% ficava para o motorista, sendo que uns 10% do total vão para o veículo, nos gastos com troca de óleo, pneus etc. Hoje, tá tudo ao contrário. Eu gasto 60% do valor do frete com combustível, mais os 10% do desgaste do carro, e me sobram só 30%”, calcula.
Inflação. Ganhando menos pelo mesmo período de trabalho – já que, segundo Rodrigues, os valores de frete não foram reajustados na mesma proporção do aumento dos custos com combustível –, o caminhoneiro ainda precisa lidar, em casa, com a inflação sobre todos os produtos e serviços.
“Se fosse só o diesel, a gente ainda ia tentar sobreviver, dar um jeito, mas o problema é que tudo ficou mais caro. Um pneu, de R$ 1.000, passou para R$ 3.500; uma lona de freio, antes R$ 80, agora custa R$ 250. E isso também com a nossa alimentação, com tudo que compramos”, diz.
Para ele, é preciso que a situação mude daqui para frente: “A gente espera que o preço baixe pelo menos um pouco e que o frete seja reajustado. Senão, não vai mais existir caminhoneiro autônomo no Brasil”, sentencia.
O país tem mais de 840 mil transportadores autônomos de cargas cadastrados junto à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).